Folha de S. Paulo


Rasguei uma lona para respirar, diz sobrevivente de naufrágio na Bahia

Um dos sobreviventes do naufrágio de uma lancha com 124 pessoas a bordo na Grande Salvador relata ter sido coberto pela embarcação no momento do acidente, que ocorreu sob chuva forte.

Matheus Ramos, 23, conta que estava sentado próximo a uma das laterais e que a lancha virou por cima dele. "Fui atingido no ombro esquerdo. Quando emergi, dei de cara com uma lona e tive que rasgá-la para poder respirar."

O pai do rapaz, o teólogo Marival Ramos, 51, havia pego uma lancha diferente, apenas meia hora antes do embarque do filho. Ao saber do acidente, correu para o terminal marítimo. "É um alívio muito grande vê-lo bem."

O acidente aconteceu por volta das 6h30, após a lancha deixar a praia de Mar Grande, no município de Vera Cruz. Até a tarde desta quinta, foram confirmadas 18 mortes, e ao menos 91 pessoas foram resgatadas com vida, segundo a Secretaria de Saúde do Estado e a Prefeitura de Vera Cruz. Entre os mortos, está uma criança de um ano.

O técnico em informática Edvaldo Conceição, 31, embarcou na lancha que naufragou porque se atrasou. Ele ajudou a resgatar outras pessoas que se afogavam. "Algumas pessoas ainda ajudaram a resgatar, a colocar nos botes, mas infelizmente nem todos sobreviveram."

O sonoplasta Edvaldo Santos, 51, morador da ilha de Itaparica que faz o trajeto diariamente para trabalhar em Salvador, conta que ventava forte e que grandes ondas começaram a se chocar contra a lancha. "Uma primeira [onda] atingiu a embarcação, que ficou de lado e fez todos correrem pro lado oposto. Em seguida, uma segunda onda fez a embarcação virar", conta ele. "Muita gente caiu no mar." Para Edvaldo, a impressão é de que a lancha estava muito lotada.

Ele também reclamou da demora no resgate. "Levaram duas horas para resgatar as pessoas. Absurdo, pois a lancha estava próxima do atracadouro."

Eduardo Aguadê, 65, conta que, quando a primeira onde bateu, a maioria dos passageiros se deslocou para um dos lados do barco para não se molhar, concentrando o peso. Ele lembra que a maioria dos passageiros conseguiu subir em botes ou pegar os coletes salva-vidas que caíram na água. Depois de vestir o seu colete, ele viu ao seu lado um idoso agarrado a uma mochila.

"Ele gritava 'não me deixem morrer'. Eu o abracei e pedi para ele se segurar em mim", diz Aguadê. Ele também afirma que o resgate demorou: foram cerca de duas horas à deriva, sendo carregados pela maré, até chegarem os primeiros barcos.

Funcionário público da Prefeitura de Salvador, Aguadê faz o trajeto entre Vera Cruz e Salvador todos os dias. Diz que a lancha Cavalo Marinho 1 era uma das mais antigas entre que as que operam no terminal, sendo evitada por parte dos moradores da ilha que costumam fazer a travessia.

Morenita Santana, 34, também moradora da ilha, disse que não havia segurança na lancha. "Nenhuma. Quando a gente percebeu, a embarcação já tinha virado por cima da gente", diz a faxineira, que viaja para a capital todas as quintas para trabalhar. Ela diz não ter tido tempo suficiente para colocar o colete salva-vidas.

NO PARÁ

O naufrágio na Bahia ocorre quase dois dias após uma outra embarcação afundar no Pará com dezenas de passageiros a bordo. Ao menos 21 morreram.

Segundo os bombeiros, 49 pessoas estavam na embarcação. Outras 23 pessoas foram resgatadas com vida e cinco ainda continuam desaparecidas. Apenas na manhã desta quinta, 11 corpos foram localizados boiando no rio Xingu a cerca de quatro quilômetros do local onde o navio afundou. Eles foram levados ao ginásio municipal de Porto de Moz, onde passarão por perícia e serão identificados pelos familiares.

O Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), que faz a medição oficial das condições climáticas do país, detectou uma concentração de nuvens do tipo cúmulo-nimbo, conhecidas por formar tempestades, na região de Porto de Moz na noite de terça, quando o acidente foi registrado.


Endereço da página:

Links no texto: