Folha de S. Paulo


Lancha naufraga na Grande Salvador; 18 corpos já foram retirados do mar

O naufrágio de uma lancha na baía de Todos-os-Santos, nas proximidades de Salvador, deixou ao menos 18 mortos na manhã desta quinta-feira (24). A Prefeitura de Vera Cruz chegou a confirmar mais dois corpos à noite, mas voltou atrás.

A embarcação, com capacidade para 162 passageiros, levava um total de 124 pessoas, entre elas quatro tripulantes e quatro policiais militares. Até esta noite, 91 pessoas foram resgatadas com vida e encaminhadas a unidades de saúde da região.

Ao menos duas crianças morreram no acidente. Darlan Reis Queiroz, de 2 anos, e Davi Gabriel Monteiro, de seis meses –não se sabe se ele está entre os óbitos contabilizados pelas autoridades.

Eram 6h30, chovia muito, o mar estava agitado, e a lancha iniciava uma travessia estimada em cerca de 40 minutos entre o município de Vera Cruz, na ilha de Itaparica, até a capital baiana.

A viagem foi interrompida logo nos primeiros minutos, a cerca de 200 metros do terminal marítimo, quando fortes ondas atingiram a lancha e a deixaram de ponta-cabeça. Os passageiros foram jogados ao mar.

"Uma primeira [onda] atingiu a embarcação, que ficou de lado e fez todos correrem pro lado oposto. Em seguida, uma segunda onda fez a embarcação virar", conta o sonoplasta Edvaldo Santos, 51, morador da ilha de Itaparica que faz o trajeto diariamente para trabalhar em Salvador. Para Edvaldo, a impressão é de que a lancha estava muito lotada.

Lancha naufraga na Baía de Todos os Santos

Matheus Ramos, 23, foi outro que se salvou. Ele afirma que estava sentado próximo à lateral e que viu o barco virar por cima dele. "Fui atingido no ombro esquerdo. Quando emergi, dei de cara com uma lona e tive que rasgá-la para poder respirar."

Felipe Marques da Silva, 22, que estuda engenharia da computação em uma faculdade privada em Salvador, conta que dormia na parte interna da lancha quando sentiu ela virar. "Entrou muita água de vez, a parte interna encheu quase toda. Tive sorte que estava perto de uma janela e consegui sair", disse.

Ele diz que conseguiu vestir um colete salva-vidas e permaneceu junto a outros sobreviventes. Eles foram resgatados por pescadores depois de ficarem cerca de uma hora sem rumo –os salvamentos começaram com barqueiros da região.

Eduardo Aguadê, 65, lembra que a maioria conseguiu subir em botes que caíram na água. Ele ajudou um idoso que se segurava numa mochila e diz que o resgate demorou. Os dois ficaram cerca de duas horas à deriva.

Funcionário da Prefeitura de Salvador, ele vai de Vera Cruz à capital todos os dias e afirma que a lancha Cavalo Marinho 1 era uma das mais antigas em operação no terminal, sendo evitada por parte dos que fazem a travessia.

Xando Pereira/ Ag. A Tarde
Uma lancha rápida virou na manhã desta quinta-feira, 24, por volta das 6h30, próximo a Mar Grande. A embarcação, com o nome de Cavalo Marinho I, tinha saído da ilha e seguia para Salvador, fazendo a travessia comercial. Foto: Xando Pereira/ Ag A Tarde Data: 24/08/2017 *** FOTO CELULAR*** *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
Profissional da equipe de resgate retira criança vítima de naufrágio em Itaparica

TRAJETO DIÁRIO

Esse percurso por barco é comum tanto para moradores da ilha que trabalham ou estudam em Salvador como para quem busca uma caminho mais rápido entre a capital e o litoral sul do Estado. Cerca de 5.000 pessoas navegam de um lado para o outro da baía todos os dias.

Um antigo projeto do Estado prevê a construção de uma ponte de 12,2 km entre Salvador e a ilha de Itaparica. Estimada em quase R$ 10 bilhões, ela seria a segunda maior do Brasil, atrás apenas da Rio-Niterói, mas nunca saiu do papel.

Hoje a travessia é feita por duas empresas que têm a concessão da linha, emitida pela Agerba, agência estadual que regula o transporte hidroviário do Estado. A lancha que naufragou era da CL Transportes.

Segundo a instituição, o barco estava com a documentação regularizada, tinha autorização para a viagem e possuía botes e coletes salva-vidas, mas somente uma investigação apontará causas e responsabilidades do acidente.

O Ministério Público da Bahia afirmou, em nota, que vai designar um promotor para acompanhar a apuração dos fatos. Acrescentou que tem alertado há mais de dez anos sobre a precariedade do transporte hidroviário na região e que propôs ações civis públicas sobre a questão.

"Em 2014, a promotora Joseane Suzart solicitou a reforma dos terminais e das embarcações, a renovação dos coletes salva-vidas e outras medidas que assegurassem a saúde e segurança dos usuários. As ações propostas pelo Ministério Público ainda aguardam decisão judicial", disse o órgão.

Reprodução/TV Record
Barcos resgatam vítimas de naufrágio na Baía de Todos-os-Santos, na Grande Salvador, nesta quinta
Barcos resgatam vítimas de naufrágio na baía de Todos os Santos, na Grande Salvador, nesta quinta

Esse é o segundo grande naufrágio no país nesta semana. Na terça (22) à noite, no Pará, uma embarcação afundou com 52 pessoas a bordo –21 morreram, 27 se salvaram e quatro seguiam desaparecidas até esta quinta.

Em nota, o presidente Michel Temer (PMDB) "lamentou profundamente as perdas trágicas" na Bahia, assim como o governador Rui Costa (PT) e o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM).

A Secretaria da Segurança Pública da Bahia informou que as buscas por vítimas foram suspensas ao anoitecer e serão retomadas nesta sexta (25).

Inicialmente, as autoridades confirmaram 22 mortos, mas à tarde o número foi recalculado para 18. O total de passageiros a bordo também foi apontado como 133 mais cedo, porém, segundo a Prefeitura de Vera Cruz, parte das pessoas que passaram a catraca não embarcou.

Colaboraram DHIEGO MAIA, PAULO GOMES, JÚLIA BARBON, FABRÍCIO LOBEL E FERNANDA PEREIRA NEVES

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Perguntas e respostas

Como funciona a travessia por lanchas na região?
O percurso entre Vera Cruz e Salvador é feito diariamente por duas empresas (CL Transportes e Vera Cruz), que dispõem de oito barcos e têm a concessão da linha. A tarifa custa R$ 7 de segunda a sábado e R$ 8 aos domingos e feriados

Quem é responsável por essa concessão?
A Agerba, agência estadual que regula o transporte hidroviário da Bahia. Ela acompanha a documentação de segurança (emitida pela Marinha) para permitir o funcionamento das linhas, fiscaliza horários das embarcações, entre outras funções

A embarcação estava com documentação em dia?
A agência diz que a embarcação, de propriedade da CL Transportes, estava com vistoria e documentação em dia e tinha botes e coletes salva-vidas

Qual o limite para se interromper as travessias?
O serviço pode ser suspenso em caso de más condições climáticas, como ventos fortes, chuvas ou maré baixa. A suspensão é determinada pela Marinha

Como funciona a estrutura hidroviária intermunicipal de Salvador?
A capital tem dois terminais que operam linhas intermunicipais hidroviárias (existem outros, de responsabilidade do município): o terminal marítimo, com travessia por lanchas –onde o barco que naufragou aportaria–, e o terminal de São Joaquim, de ferry-boat

Fonte: Agerba


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