Folha de S. Paulo


Ativistas do parque Augusta são meia dúzia paga pelo papai, diz empreiteiro

Antonio Setin, 62, proprietário da construtora que leva o seu sobrenome, é uma das partes envolvidas no longo e desgastante imbróglio do terreno que deve se transformar no parque Augusta, na região central de São Paulo.

A Setin e a Cyrela são as donas da disputada área já foi alvo de invasão de ativistas e ações do Ministério Público. O prefeito João Doria (PSDB) negocia uma troca: as empresas cedem o terreno e recebem uma área pública em uma região valorizada em frente à marginal Pinheiros, na zona oeste. As bases do acordo e de contrapartidas das empreiteiras estão sob a análise da Promotoria e da Justiça.

Recluso até aqui em meio a esse processo, Setin falou à Folha. Chamou ativistas de "meia dúzia de meninos sustentados pelo papai" e acusou Doria de impor a ele contrapartidas "exageradas".

Danilo Verpa - 16.jan.2017/Folhapress
SAO PAULO - SP - 16.01.2017 - Retrato do Antonio Setin, dono da incorporadora Setin, que vai investir ao menos R$ 250 milhões neste ano. (Foto: Danilo Verpa/Folhapress, MERCADO)
Antonio Setin, dono da construtora Setin

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Folha - Na matrícula do terreno do parque Augusta, consta que o valor de compra pela Setin e a Cyrela foi de R$ 64 milhões [R$ 83 milhões em valores atualizados] em 2013. Como se deu essa compra?

Antonio Setin - A compra tem 12 anos. Existe uma compra paga parcialmente em dinheiro, e a maior parte será paga assim que lançarmos o empreendimento [agora na zona oeste], entregaremos em [permutas de] apartamentos.

Qual foi o percentual pago em dinheiro?

Eu não tenho autorização dos vendedores para dizer porque isso impacta na vida deles. Mas eu posso garantir que [a compra custou] bem mais de R$ 100 milhões.

O valor na matrícula não equivale ao gasto de fato?

Existem várias maneiras de adquirir um terreno. Quando se faz uma aquisição em permuta, a escritura não reflete o valor total de imediato, porque a contabilidade vai ser finalizada com a entrega das unidades prontas ao permutante. O valor de referência, que é o mecanismo que a prefeitura usa para indenizações em caso de desapropriação ou cálculo de cobrança de ITBI, está em cerca de R$ 140 milhões [no site da prefeitura, constam R$ 122 milhões].

Se a prefeitura minimamente nos pagasse aquilo que judicialmente estaria obrigada a depositar, já seriam mais de R$ 140 milhões. Aí teríamos de cobrar a diferença para o valor de mercado.

As proprietárias já têm um valor oficial de quanto vale o terreno do pq. Augusta hoje?

Nossa avaliação ainda não saiu, peritos estão trabalhando, porque não é uma conta simples, é muito complexa.

Sobre o terreno, o senhor disse anteriormente que não entraria num negócio desvantajoso.

O objetivo das empresas é ter lucro, pagar os impostos e sustentar a máquina pública. Nós temos acionistas e não podemos dizer que somos bonzinhos com o dinheiro deles. A empresa precisa ter a margem de lucro dela, o município precisa ter a conta correta e transparente, porque é cobrado pela sociedade, e o Ministério Público é um órgão fiscalizador que está olhando tudo isso e está dizendo concordo ou não concordo.

Apesar da valorização imobiliária [estimativa da prefeitura aponta R$ 40 milhões acima da inflação desde 2013], a empresa ainda avalia ter tido algum prejuízo com a troca?

Não tivemos algum [prejuízo], nós tivemos muito prejuízo. Para você ter uma ideia, hoje o IPTU é R$ 1,5 milhão por ano. Com segurança nós gastamos R$ 600 mil por ano. Se você multiplicar por 12 [daria R$ 25 milhões] já tem uma noção dos prejuízos que as empresas tiveram. Diferentemente do que as pessoas pensam, os imóveis nos últimos quatro anos caíram muito de preço. Hipoteticamente, se tivéssemos vendido nosso terreno há três, quatro anos, teríamos vendido por mais do que hoje.

O senhor acha que se caminha para resolver a questão?

Caso peritos de lado a lado cheguem a conclusões diferentes ou a Câmara Municipal não aprove, o negócio pode voltar atrás. A minha percepção é que já estamos em 99% da conclusão. Porque o Ministério Público já deu a sua concordância, a Célia Marcondes [da Samorcc, associação de bairro de Cerqueira César] assinou, o prefeito assinou.

Como o senhor avalia as contrapartidas propostas pela prefeitura para essa troca?

O que eu vou dizer não é ofensa ao prefeito. Até porque eu o respeito muito. Mas as contrapartidas não são proporcionais, são exageradas. O prefeito veio a cada reunião colocando mais um item na mesa. Eu afirmei a ele e ao Ministério Público que, se houvesse qualquer outro pedido, nós não teríamos como progredir na negociação. Então é uma contrapartida extremamente pesada, mas ainda acreditamos ser suportável.

O senhor já tem ideia do valor do terreno que vai receber?

Se ele vier com potencial 4 de construção como foi discutido pela prefeitura, imagino que ele valha aí entre R$ 130 milhões e R$ 150 milhões.

Quando iniciamos a negociação fizemos contas, senão a gente não teria progredido. De lá para cá, a única variável foi que a cada reunião o prefeito acrescentava um item na contrapartida. Isso acabou prejudicando a nossa conta. Mas a gente entende que, se não facilitarmos a negociação, a gente continua brigando e não vai chegar a lugar algum.

Em relação ao parque Augusta, o Ministério Público tem uma ação contra as construtoras que inclui cobrança de valores que poderiam transformar o negócio até em um prejuízo. Isso não o pressiona a resolver logo isso?

São ações que nós entendemos como muito tranquilas, são demoradas, mas são tranquilas. Todo o nosso acordo envolve todas as ações que o Ministério Público tem contra nós. Nós estamos dando [a construção do] parque e a manutenção do parque por dois anos, com a condição de que se encerram todas as ações, homologadas em juízo.

Há uma pressão de ativistas em relação ao caso. O senhor acredita que, com a criação do parque, ela acabaria?

Ativista, como todo ser humano, tem de todo tipo. Os verdadeiros ativistas, a verdadeira associação, inclusive a Samorcc, conduzida pela dona Celia, que foi minha grande opositora nesses 12 anos, está pacificada. Há alguns ativistas ligados a partidos que não têm representatividade, órfãos da Dilma e que ficam gritando para chamar a atenção e dar entrevista. Não passam de meia dúzia de meninos sustentados pelo papai e pela mamãe que ficam lá gritando, com falta de respeito. Não me preocupa, porque é uma minoria barulhenta que não produz, não agrega nada.

Editoria de Arte/Folhapress

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RAIO-X

Idade 62 anos

Formação Arquiteto

Carreira Começou a carreira em uma marcenaria da família. Em 1979, fundou a Setin

A Setin É hoje uma das gigantes do mercado de imóveis em SP. Começou construindo casas populares e depois migrou para empreendimentos de alto padrão

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A HISTÓRIA DO TERRENO

1902 - Palacete Uchoa é construído onde hoje é o terreno do parque

1907 a 1969 - Tradicional colégio feminino Des Oiseaux funciona no local

1970 - Prefeitura decreta utilidade pública do espaço para fazer um jardim

1973 - Decreto é revertido pelos proprietários, que anunciam a construção de um hotel

1974 - Palacete é demolido sem autorização; sobra apenas uma casa, hoje tombada

1977 - Construtora Teijin compra o terreno para fazer um complexo hoteleiro, mas projeto naufraga

Anos 80 - Uma lona circense no local abriga o Projeto SP, com shows e atividades

1989 - Decreto de Jânio Quadros obriga a manutenção da área aberta

1996 - O ex-banqueiro do BCN Armando Conde adquire o terreno da Teijin

2004 - Bosque que existe no local é tombado

2006 - Conde anuncia hipermercado, e embate com moradores começa. Ele desiste e decide construir 3 torres comerciais, mas projeto também é rejeitado

2008 - Prefeito Kassab (PSD) decreta utilidade pública do local novamente

2011 - Câmara aprova em 1ª votação criação de parque

2012 - Empresas Setin e Cyrela apresentam seu projeto para a área, com construção de torres

2013 - Decreto de utilidade pública caduca, Cyrela e Setin formalizam compra do terreno, e portões são fechados ao público. Haddad (PT) sanciona lei autorizando a criação do parque

2014 - Em janeiro, Secretaria do Verde e do Meio Ambiente afirma que não tem verba para bancar a construção

2015 - Cerca de 300 ativistas ocupam o terreno por dois meses, enquanto conselho municipal aprova projeto de construtoras para empreendimento. Em abril, Justiça concede liminar para abertura do portão

Abr.2016 - Ação do Ministério Público contra construtoras pede devolução da área e indenização por danos morais coletivos

Out.2016 - Durante a campanha eleitoral, Doria diz ao "Estado de S. Paulo" que parque não sairia do papel: "A prefeitura não vai gastar dinheiro público nisso"

Abr.2017 - Doria anuncia que vai oferecer terrenos públicos às empreiteiras em troca da área do parque

4.ago.2017 - Prefeitura e construtoras anunciam acordo


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