Folha de S. Paulo


Alckmin rompe contrato, e presos de SP ficam sem tornozeleira eletrônica

Bruno Santos/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 08-08-2017: Tornozeleiras eletronicas usadas no sistema prisional do Estado de São Paulo, fotografadas na Secretaria da Administracao Penitenciária. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress) *** FSP-COTIDIANO *** EXCLUSIVO FOLHA***
Tornozeleiras eletrônicas usadas no sistema prisional do Estado de São Paulo

A gestão Geraldo Alckmin (PSDB) decidiu romper o contrato com a empresa responsável pelo monitoramento de quase 7.000 presos por meio de tornozeleira eletrônica.

Isso inclui todos os mais de 4.500 detentos do regime semiaberto que deixam as unidades prisionais para trabalhar diariamente no Estado de São Paulo e, ainda, os cerca de 2.500 monitorados durante as saídas temporárias –como no Dia dos Pais.

Por ora, o Estado não tem previsão de quando o serviço será normalizado. Não se sabe também se os juízes impedirão detentos de deixarem a prisão por falta do aparelho. É certo, porém, que atingirá o próximo final de semana.

"Em agosto agora, no Dia dos Pais, não temos como monitorar", disse o secretário estadual da Administração Penitenciária, Lourival Gomes.

A decisão de rescindir o contrato com a Synergye Tecnologia, responsável pelo serviço, deve ser publicada no "Diário Oficial" do Estado desta quarta (9). Ela foi tomada, segundo o governo, após uma série de ocorrências de mau funcionamento do serviço.

Os problemas vão desde a não entrega de todos os aparelhos contratados (cerca de 800 a menos) até a demora para a tornozeleira ser ativada –quando os funcionários dos presídios ligam o aparelho para a saída do preso.

COMO FUNCIONAM AS TORNOZELEIRAS

Principais problemas detectados

- Rompimento de lacre sem acionamento de alerta
- Mau funcionamento dentro de residências
- Dificuldade de conexão com operadora (demorava até 40 minutos para ficar ativo)
- Funcionamento intermitente (chegava a ficar até uma hora sem sinal)
- Problema na bateria do equipamento
- Superaquecimento do aparelho
- Não entrega de todos os aparelhos previstos em contrato

R$ 27 milhões
era o custo estimado do contrato rompido, mas o Estado não chegou a pagar

R$ 8,01
é quanto o governo deveria ter pago por dia por preso monitorado

R$ 8,02
era a oferta da segunda colocada na licitação do ano passado

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Os equipamentos presos no tornozelo dos detentos também apresentaram superaquecimento (alguns presos foram levados à enfermaria) e, ainda, baterias que não carregavam. A falta de carga (ou a ausência de bateria) provoca o acionamento de alertas.

As falhas mais grave do sistema, segundo técnicos do governo, são as intermitências de sinal por grandes períodos –e várias vezes ao dia–, o que, na prática, acabam com o sentido do monitoramento.

Isso porque o Estado não consegue dizer com precisão onde o monitorado está. Há um caso, por exemplo, de uma detenta que rompeu o lacre da tornozeleira e conseguiu fugir da empresa em que trabalhava no interior.

Essa fuga ocorreu por volta das 9h30, mas até as 11h55 a empresa de monitoramento não havia emitido alerta do rompimento do lacre.

Todas essas falhas significam que, na prática, os presos do Estado já estavam sem monitoramento eletrônico.

"Nós não temos certeza de onde o preso está", admitiu o secretário de Alckmin. "Se nós estamos contratando uma empresa para monitorar um preso, ela tem que monitorar. Não estamos contratando para supor que estamos monitorando", completou.

QUEM USA - Presos do regime semiaberto, em três situações

Sistema penitenciário de SP - Número de presos

Procurados pela Folha por telefone e por e-mail desde o início da tarde desta terça (8), os responsáveis pela empresa não se manifestaram.

Em página na internet, a Synergye diz ser "a maior empresa da América Latina no âmbito da prestação de serviços de monitoramento eletrônico" e pioneira no Brasil, tendo contratos também com governos de outros Estados.

Em São Paulo, a empresa teria, por contrato, o direito de receber R$ 8,01 por pessoa monitorada por dia. Até agora, segundo o governo Alckmin, não recebeu nenhum centavo, em razão das falhas.

O valor estimado desse serviço é de R$ 27 milhões previstos em 30 meses, a partir de setembro de 2016.

Após a publicação do rompimento de contrato, a Synergye terá cinco dias para recorrer. Se a decisão por mantida, o governo pode chamar a empresa que ficou em segundo lugar na licitação –no caso, a Spacecom, que prestou o serviço em São Paulo de 2010 a começo de 2016. Caso ela não aceite assumir, o governo precisará abrir nova licitação.

FALHA COM ABDELMASSIH

Um caso emblemático que deixou agentes de segurança em alerta por falhas no monitoramento de tornozeleiras eletrônicas envolveu o ex-médico Roger Abdelmassih, 73.

Condenado a 181 anos por estupros de pacientes de sua clínica, ele conseguiu da Justiça em junho deste ano uma autorização para cumprir sua pena em prisão domiciliar.

Abdelmassih foi para um apartamento de alto padrão no Jardim Paulistano, zona oeste, onde moram a mulher dele e os dois filhos do casal.

A partir do momento em que chegou em casa, o equipamento do ex-médico passou a enviar informações de que ele poderia estar fugindo. O sinal indicava que Abdelmassih estaria distante do apartamento e se locomovendo em alta velocidade. Minutos depois, porém, quando as forças de segurança se preparavam para tentar recapturar o preso, os sinais indicavam que ele estava de volta.

Esse tipo de problema, chamado de "saltos" de sinais (quando o aparelho perde a localização e volta em antena de celular muito distante), já é conhecido dos operadores do monitoramento.

No caso do ex-médico, foram tantos "alertas de violação" que os setores de inteligência da Secretaria da Administração Penitenciária já não conseguiam garantir se o preso –com histórico de fuga anterior– estava ou não em seu apartamento.

Diante da situação, o governo paulista cobrou uma explicação e uma solução. A empresa informou que a tecnologia utilizada nos aparelhos não era eficiente quando se tratava de locais fechados. Tinha "imprecisões na captura de posições".

A solução seria colocar no apartamento de Abdelmassih um roteador especial, "um módulo de monitoramento residencial continuado". A resposta deixou incrédulo o governo porque o aparelho é para ser usado, em boa parte do tempo, em lugares fechados.

Assim, para garantir o funcionamento ideal, seria necessário um roteador para os outros cerca de 7.000 detentos, algo tecnicamente inviável.

Além disso, a bateria do aparelho de Abdelmassih deu alerta porque não estava devidamente carregada. O Estado procurou o ex-médico, que informou estar com o dispositivo conectado na tomada.

Um funcionário foi enviado para a troca da tornozeleira. Após análise do dispositivo, foi confirmado que ele só conseguia recarregar a bateria em 10% da carga total. O ex-médico está internado atualmente no hospital Israelita Albert Einstein e continua com a tornozeleira eletrônica.

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Entenda o cancelamento do contrato

Mai.2016
Gestão Alckmin (PSDB) abre concorrência para entrega de tornozeleiras após contrato com antiga fornecedora vencer

Set.2016
Governo assina contrato de dois anos e meio com a Synergye prevendo a entrega de 7.700 aparelhos

Dez.2016
Empresa fornece menos tornozeleiras do que o combinado, e elas apresentam defeitos

Jan.2017
Após pedido do Estado, produtos são trocados, mas continuam não funcionando

Ago.2017
Governo cancela contrato com a Synergye. As 6.900 tornozeleiras que existem hoje serão desligadas

Próximos passos
Gestão Alckmin deverá chamar a 2ª colocada na licitação; se a empresa não aceitar prestar o serviço pelo mesmo preço, Estado terá que fazer uma nova concorrência


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