Folha de S. Paulo


Abdelmassih sai de prisão domiciliar para tratar superbactéria no Einstein

Ernesto Rodrigues/Folhapress
Abdelmassih após ser preso no Paraguai
Abdelmassih acompanhado pela polícia após ser preso no Paraguai

O ex-médico Roger Abdelmassih, 73, deixou seu apartamento no Jardim Paulistano, na zona oeste da capital paulista, para se internar no Hospital Israelita Albert Einstein na manhã desta segunda-feira (7).

Abdelmassih procurou a unidade para se submeter a um tratamento contra uma superbactéria, segundo o advogado dele, Antonio Celso Fraga. Ele chegou ao local por volta das 7h em um táxi, acompanhado pela mulher.

De acordo com Fraga, o ex-médico contraiu uma superbactéria identificada como Klebsiella pneumoniae. Ele descobriu a presença da infecção após os resultados de um exame de urina feito em 28 de julho na casa dele.

O tratamento exige o uso de um antibiótico específico, que tem seu uso controlado. "Ele só poderia ter o tratamento adequado no hospital, já que o antibiótico que ele precisa não é vendido em farmácias. Por isso, solicitei à Justiça a saída dele de casa", disse Fraga.

A superbactéria é responsável por originar pneumonia e infecções urinárias, que, no caso de Abdelmassih, que tem insuficiência cardíaca crônica, pode agravar ainda mais seu quadro de saúde. "Ele já estava se queixando de vários problemas aos médicos há algum tempo por conta da bactéria."

A autorização para o tratamento dura uma semana. O benefício foi concedido na última sexta-feira (4) pela juíza Wania Regina Gonçalves da Cunha, da 1ª Vara de Execuções Criminais de Taubaté (a 140 km de São Paulo). "Se ele precisar de mais tempo, teremos que comunicar a Justiça", afirmou Fraga.

O Hospital Israelita Albert Einstein confirmou, por meio da assessoria de imprensa, que Abdelmassih havia dado entrada na unidade nesta segunda. A direção não disse se ele ficaria internado ou se só faria exames de rotina no local até esta publicação.

Abdelmassih cumpre prisão domiciliar desde o início do mês de julho, após ter sido condenado a 181 anos de prisão pelo estupro de dezenas de pacientes que o procuravam para se submeter a tratamentos de fertilização para engravidar.

Problemas de saúde levaram Abdelmassih a conseguir na Justiça a transferência da penitenciária de Tremembé, no interior de SP, onde estava preso desde 2014, para sua casa, na capital paulista.

BATALHA JUDICIAL

Em 21 de junho, a juíza Sueli Zeraik Armani, da 1ª Vara das Execuções Criminais de Taubaté, concedeu o benefício sustentado pela defesa de Abdelmassih, que alegou que a penitenciária não teria condições estruturais para tratá-lo.

Laudo médico assinado pelo cardiologista Lamartine Cunha Ferraz e anexado ao pedido, no entanto, diz que Abdelmassih sofre de cardiopatia grave, que deve ser tratada de forma clínica, com administração de medicamentos "facilmente usados em qualquer ambiente fora do hospital", como revelou a Folha.

Após o pedido ser concedido em primeira instância, o desembargador José Raul Gavião de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo, acatou pedido de mandado de segurança feito pelo promotor Luiz Marcelo Negrini de Oliveira de Mattos, da 3º Procuradoria de Justiça de Taubaté, para que o ex-médico fosse mandado de volta ao presídio, para onde retornou no dia 1º de julho.

Marcelo Gonçalves/Sigmapress
Ex-médico Roger Abdelmassih é levado de volta ao presídio
Ex-médico Roger Abdelmassih é levado de volta ao presídio

Mas uma nova decisão, desta vez, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), recolocou o ex-médico em casa. A presidente do STJ, Laurita Vaz, sustentou que a forma processual como o Ministério Público recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo não foi adequada.

"Ao analisar a matéria processual trazida no pedido de liminar, a ministra confirmou que configura constrangimento ilegal a utilização de mandado de segurança para restabelecer prisão na pendência de recurso interposto. Trata-se de entendimento consolidado pelo tribunal há muito tempo", afirma nota do STJ. O julgamento final do habeas corpus caberá à Quinta Turma do STJ. Não há data prevista.

Uma das vítimas do ex-médico, Vanuzia Leite Lopes divulgou uma nota dizendo estar indignada após saber da ida dele para casa. "Como brasileira, mulher e vítima estou indignada em ver esse monstro em liberdade! Mas confio na Justiça e no STJ. Se houve algum vicio técnico, os atentos desembargadores saberão corrigi-lo e desfazer essa injustiça", afirma.

Reprodução/Google Maps
Prédio em que Roger Abdelmassih vai cumprir prisão domiciliar no Jardim Paulistano, zona oeste de SP
Prédio em que Roger Abdelmassih vai cumprir prisão domiciliar no Jardim Paulistano, zona oeste de SP

ENTENDA O CASO

Abdelmassih ficou conhecido como "médico das estrelas" e chegou a ser considerado um dos principais especialistas em reprodução assistida do país, antes de ser acusado por dezenas de pacientes por abuso sexual.

O primeiro caso foi denunciado ao Ministério Público em abril de 2008, por uma ex-funcionária do ex-médico, como foi revelado pela Folha. Depois, outras pacientes, com idades entre 30 e 40 anos, disseram ter sido molestadas quando estavam na clínica.

As mulheres afirmam que foram surpreendidas por investidas do ex-médico quando estavam sozinhas -sem o marido e sem enfermeira presente -os casos teriam ocorrido durante a entrevista médica ou nos quartos particulares de recuperação. Três dizem ter sido molestadas após sedação.

Em 2010, o ex-médico foi condenado em primeira instância a 278 anos de prisão pela série de estupros de pacientes. A pena acabou reduzida para 181 anos em 2014 por causa da prescrição de alguns crimes.

Abdelmassih ficou foragido por três anos antes de ser preso e chegou a liderar a lista de procurados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo. Ele foi localizado em agosto de 2014, em Assunção, no Paraguai, de onde foi deportado.

O Cremesp (Conselho Regional de Medicina de SP) iniciou um processo contra o médico em 2009, logo após as denúncias, e a cassação definitiva do registro profissional saiu em maio de 2011.

*

Cronologia do caso

2006
Ex-funcionária relata à Promotoria ter sido beijada à força por Abdelmassih

Jan.2009
Folha revela que o médico era investigado pela polícia, e mais mulheres dizem ter sido vítimas; Cremesp (Conselho Regional de Medicina de SP) inicia processo contra ele

Ago.2009
Abdelmassih é preso em sua clínica de reprodução, em área nobre de São Paulo

Dez.2009
STF concede habeas corpus e manda soltá-lo por entender que o médico não oferecia risco

Nov.2010
Ele é condenado em primeira instância a 278 anos de prisão por 48 estupros, mas decisão do STF o mantém livre

Jan.2011
Justiça determina prisão de Abdelmassih após ele tentar renovar seu passaporte, mas o médico foge

Mai.2011
Cremesp cassa seu registro profissional de médico definitivamente

Jul.2014
Secretaria da Segurança Pública de SP publica lista em que ele aparece como um dos dez mais procurados

Ago.2014
Depois de mais de três anos e meio foragido, Abdelmassih é preso em Assunção, no Paraguai

Out.2014
Alguns crimes prescrevem, e Justiça reduz sua condenação a 181 anos; pela lei brasileira, ele pode cumprir no máximo 30

Jul.2016
Ministério Público apresenta denúncia contra Abdelmassih sob nova acusação de atentado violento ao pudor; outros 36 casos prescrevem e são arquivados

Mai.2017
Para tratar de pneumonia, ex-médico é levado a hospital em Taubaté, onde permanecia até hoje –desde que foi preso, ele saiu diversas vezes para cuidar de problemas de saúde

Jun.2017
Justiça concede a ele direito de cumprir prisão domiciliar por conta de problemas de saúde, mas volta atrás da decisão apenas nove dias depois


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