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Moradores de favela na Vila Olímpia, em SP, aguardam moradias há 22 anos

Giovanni Bello/Folhapress
Favela Coliseu, que fica atrás de prédios de luxo na Vila Olímpia, em SP
Favela Coliseu, que fica atrás de prédios de luxo na Vila Olímpia, em SP

Para entrar na casa da aposentada Zeli Francisca Miguel é preciso agachar-se para subir uma apertada e não muito firme escada de madeira, que dá acesso ao imóvel, onde seis pessoas dividem dois cômodos, na Vila Olímpia, bairro nobre de São Paulo.

A casa fica na favela Coliseu, na rua de mesmo nome, em meio a torres de mais de 40 andares, shoppings de luxo e sedes de multinacionais.

O barraco foi construído sobre outra casa. O chão é feito de tábuas de madeira que afundam a cada passo mais decidido. Ela já caiu e ficou com a perna presa depois que uma dessas tábuas cedeu.

"Eu penso em arrumar, abrir um crediário e construir uma casa de tijolo. Mas e se tiver que sair depois? Não posso gastar esse dinheiro à toa", diz ela, que entrega jornais e ganhou a vida como faxineira dos prédios vizinhos.

A preocupação não é à toa. A Prefeitura de São Paulo apresentou, no fim de junho, o projeto dos prédios que serão construídos no lugar da favela. Serão três torres de 13 andares com 274 apartamentos no total, com sala, cozinha, dois quartos, banheiro e varanda para os atuais moradores da comunidade.

"A gente optou pelo adensamento para atender a totalidade das famílias num mesmo local. Se nós fizéssemos prédio mais baixo, sem elevador, que é um padrão que a prefeitura utiliza normalmente, nós não teríamos condição de recepcionar todas as famílias", explicou, à Folha, o secretário municipal de Habitação, Fernando Chucre.

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NOVELA

Não é a primeira vez que os moradores ouvem promessas de que terão moradia digna. A lei que instituiu a operação urbana já previa a construção desses prédios há 22 anos.

Eles serão construídos com recursos da Operação Urbana Faria Lima, processo de reforma da infraestrutura da região iniciado em 1995, quando o prefeito da cidade ainda era Paulo Maluf.

Em 2012, a gestão Gilberto Kassab (PSD) anunciou a construção de um conjunto habitacional da Cohab, que deveria ficar pronto em três anos e seria tocado pela gestão Fernando Haddad (PT). O petista, por sua vez, liberou R$ 40 milhões para a obra em 2014 e desapropriou o terreno de 3.930 m² por R$ 18 milhões.

Embora não estivesse dentro do prazo prometido, o projeto já estava avançado no fim do ano passado quando foi barrado pela Eletropaulo por problemas na infraestrutura elétrica -previa a derrubada de um poste que distribui energia para a região.

Agora, pelo cronograma da gestão Doria, a licitação da obra começa em novembro e as famílias serão removidas em maio de 2018, quando se inicia a construção dos prédios -que devem ser concluídos até novembro de 2019.

"A gente propôs que, pela região muito valorizada, deveria ser permitido um adensamento maior, mas a própria comunidade disse 'pelo amor de Deus, passa do jeito que está, a gente não aguenta mais'", diz Guido Otero, do Instituto de Arquitetos do Brasil, membro do grupo de gestão da Operação Urbana Faria Lima.

A construção dos prédios ainda servirá para liberar os cofres da operação urbana, que conta com R$ 513 milhões em caixa (segundo balanço de maio). O fundo vem de um valor pago pelas construtoras para poderem erguer prédios na região, e a prefeitura só pode usar esse recurso na urbanização daquele território -além de moradia social, a operação urbana investiu no alargamento de vias e na revitalização do largo da Batata, entre outros projetos.

TÍTULO DE POSSE

A favela tem mais de 60 anos e acompanhou a transformação da Vila Olímpia de uma região de chácaras para um bairro residencial e agora em um importante centro financeiro da cidade.

Ali, vivem 200 famílias, muitas em barracos de madeira em situação precária -outras 70 já foram removidas por viverem em situação de risco e recebem auxílio-aluguel de cerca de R$ 500.

Foi onde nasceu Rosana Maria dos Santos, 47, filha das primeiras famílias que habitaram a região há 60 anos. "Ninguém queria morar aqui, porque era uma área que tinha mato. Queriam morar do Itaim Bibi pra cima."

Quando a região se tornou supervalorizada, a partir dos anos 1990, começou o assédio de corretores de imóveis, diz ela. Foi aí que Rosana ganhou protagonismo na região: "Veio um pessoal querendo tirar a comunidade há 23 anos. E eu fiquei sabendo que no centro da cidade tinha um lugar que tinha advogado de graça", diz. Era a Defensoria Pública. Na Justiça, conseguiram o título de posse da área.

Nos anos 2000, ela criou o jornal "A Voz do Coliseu", onde, além de noticiar fatos relevantes para a comunidade, divulgava números de telefone da Corregedoria da PM e do Conselho Tutelar e publicava listas de direitos dos moradores, para coibir eventuais abusos do poder público.

A construção da megaloja de luxo Daslu foi um marco na favela. Se no início houve um estranhamento entre os vizinhos de perfil tão diferente, a companhia depois firmou parcerias com a comunidade, a ponto de Eliane Tranchesi, dona da grife, morta em 2012, se dizer amiga de Rosana.

A relação com os empresários ao redor "não é ruim", define a líder comunitária. "Eles não nos incomodam e nós não incomodamos eles", define. As empresas ajudam a bancar os projetos da sede da favela, que fornece cursos de capacitação e aulas de reforço aos moradores. A maior parte trabalha e estuda na região.

Hoje, Rosana e os moradores vivem na esperança de conseguir um teto e um chão firmes, mas não estão seguros de que a nova proposta vá vingar. "Sempre acho que vai, mas desta vez não sei ainda."

Favela Coliseu, Vila Olímpia, São Paulo

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CRONOLOGIA

Anos 1950
Primeiros moradores, nordestinos, ocupam a região

Anos 1990
Casas do bairro começam a dar lugar a arranha-céus

1995
Prefeito Paulo Maluf (PP) cria a Operação Urbana Faria Lima

2012
Gestão Gilberto Kassab (PSD) prevê construção de moradias populares da Cohab em até três anos

2014
Gestão Haddad libera R$ 40 milhões para construção de prédios

Jun.2017
Novo projeto é apresentado pela gestão Doria (PSDB)

Mai.2018
Previsão para remoção de famílias e começo das obras

Nov.2019
Previsão para conclusão das obras

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