Folha de S. Paulo


Missa na Catedral da Sé tem ato em memória de carroceiro morto pela PM

Catadores, moradores de Pinheiros, moradores de rua, artistas e ativistas de direitos humanos estiveram entre os presentes na missa de sétimo dia de Ricardo Silva Nascimento, nesta quarta-feira (19), na Catedral da Sé.

Carroceiro, Nascimento foi assassinado pela Polícia Militar na última semana, após desentendimento em um estabelecimento comercial em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.

A cerimônia religiosa no centro da capital paulista terminou com um ato público nas escadarias da catedral, que reuniu uma multidão em pleno horário de almoço de uma quarta-feira. Apesar de em menor escala, a cena foi semelhante à do dia 31 de outubro de 1975, quando um ato inter-religioso reuniu milhares de pessoas para protestar contra a morte do jornalista Vladimir Herzog pela ditadura militar.

O padre Júlio Lancelotti, da Pastoral de Rua, foi um dos que traçaram o paralelo com o caso de Herzog –o filho do jornalista, Ivo Herzog, também esteve entre os presentes. "Hoje nós trazemos aqui a memória de Ricardo como fizemos com Vladimir Herzog, com Alexandre Vanucchi [estudante morto pela ditadura em 1973]. Ricardo foi friamente executado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo", disse.

"Que bom seria se essa fosse a última celebração que fizemos por causa de uma morte violenta. Que bom seria se não estivéssemos lembrando hoje que as pessoas estão dormindo nas ruas, e que muitas ainda vão morrer de frio", disse o bispo dom Devair, que celebrou a missa. Nesta terça-feira (18), um morador de rua foi encontrado morto na zona oeste da cidade, durante a segunda tarde mais fria na capital paulista em 13 anos.

Dom Devair benzeu a carroça de Nascimento, pintada de branco e teve afixadas em sua estrutura fotos de mortes recentes que geraram revolta popular, como a do menino que morreu após abordagem de segurança do Habib's e a do vendedor ambulante que morreu espancado por dois homens em estação de metrô.

VIOLÊNCIA POLICIAL

"Essas mortes têm se multiplicado, mas essa morte do Ricardo foi um alerta. Nós não podemos mais tolerar. Nós artistas estamos nessa luta pra que a gente tenha justiça e possa viver em paz", disse o dramaturgo Sérgio Mamberti.

A atriz Letícia Sabatella falou ao público que compareceu na praça da Sé. "A sensibilidade e a delicadeza estão sendo oprimidas no nosso país", afirmou. "É triste ver que ainda existe uma truculência tão arcaica e que é dado poder pra que isso seja exercido de acordo com interesses que são desumanizadores."

Para o padre Júlio, a violência policial sempre esteve presente, mas o homicídio de Nascimento tem muitos pontos que chamam a atenção, como a reação da população. "Foi à luz do dia. Os moradores do bairro reagiram tão forte que [os policiais] retiraram o corpo de maneira improvisada"– a PM não poderia fazer a remoção do corpo.

"Que os catadores e moradores de rua sejam tratados com dignidade e respeitados", disse, citando ainda a limpeza com água feita às manhãs na praça onde fica a catedral e em que dormem dezenas de moradores de rua.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo disse que notificou as empresas responsáveis pela limpeza para apurarem se houve problemas durante o procedimento. Segundo a gestão João Doria (PSDB), as pessoas são abordadas, informadas sobre a ação e é solicitada a retirada dos pertences do local que será limpo.


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