Folha de S. Paulo


Abrigos lotam na 2ª tarde mais gelada em 13 anos em SP, e frio continuará

Giovanni Bello/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 18-07-2017: Moradores de rua e dependentes químicos fazem fila para abrigo da prefeitura. (Foto: Giovanni Bello/Folhapress, COTIDIANO) ***EXCLUSIVO FOLHA**** ORG XMIT: 30894
Moradores de rua e dependentes químicos fazem fila para abrigo da prefeitura no centro de São Paulo

Caía a noite de terça-feira (18), quando foi registrada a segunda tarde mais fria dos últimos 13 anos em São Paulo, e o idoso Juarez Guimarães Fonseca, 66, estava no terceiro endereço em busca de abrigo para passar a noite.

Morador de rua há mais de dez anos, ele costuma dormir sobre papelões na rua Barão de Duprat, no centro, mas devido ao frio decidiu sair em busca de uma vaga em um lugar mais quente.

"Estou com pneumonia", insistia ele às assistentes sociais em frente ao contêiner montado na rua dos Gusmões que faz parte do programa anticrack da prefeitura e oferece pernoite aos usuários de droga da cracolândia.

Na tarde de terça, o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) registrou temperatura mínima de 10,2ºC na capital paulista e a fila por uma das cem vagas de pernoite no contêiner dobrava a esquina.

A aglomeração de pessoas em frente à estrutura não é comum, já que os próprios usuários tratam de garantir suas vagas junto aos assistentes sociais que circulam pela região. Além do idoso, a usuária Viviane Marlene Araújo, 38, ficou do lado de fora. Funcionários da prefeitura confirmaram a maior procura devido às baixas temperaturas.

Antes de tentar uma vaga no contêiner, Fonseca procurou abrigo em um centro de acolhida na Barra Funda, que também estava lotado.

Giovanni Bello/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 18-07-2017: Moradores de rua e dependentes químicos fazem fila para abrigo da prefeitura. (Foto: Giovanni Bello/Folhapress, COTIDIANO) ***EXCLUSIVO FOLHA**** ORG XMIT: 30894
Fila de moradores de rua para passar a noite em abrigo da prefeitura, devido ao frio

Por volta das 19h, ele foi orientado a tentar a estrutura de contêineres montada há poucos dias na rua General Rondon, a poucos metros da praça Princesa Isabel, onde o fluxo de usuários de drogas da cracolândia se instalou após ação policial que desmantelou a feira de drogas ao ar livre no fim de maio.

Chegando lá, o idoso e Viviane se depararam com uma fila de cerca de 15 pessoas aguardando por vagas extras. Todas já haviam sido ocupadas. "É muita humilhação. Deveriam respeitar o Estatuto do Idoso", disse. Funcionários da prefeitura negociavam colocar colchões extras nos quartos devido à alta na procura (leia mais no fim do texto).

PREVISÃO DO TEMPO EM SÃO PAULO

FRIO CONTINUA

As baixas temperaturas devem continuar nos próximos dias, após uma queda de mais de 17ºC em 24 horas na capital entre segunda (17) e terça.

Há previsão de novo recorde de frio para a tarde desta quarta (19). A mínima prevista é de 7ºC, com máxima de 14°C, e deve garoar, segundo o CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências, da prefeitura). No restante do Estado o frio deve seguir até o próximo sábado (22).

Em Santa Catarina, o Inmet registrou -7,4°C em Bom Jardim da Serra, região serrana do Estado. É a temperatura mais baixa do ano no país, informou a Agência Brasil.

ROTINA ADAPTADA

Para conseguir uma cama para dormir em um dos três contêineres instalados na região da Luz, muitos usuários dedicam suas rotinas ao cronograma da estrutura.

Rafael de Araújo Vitor, 32, por exemplo, bate ponto no endereço diariamente às 10h para conseguir com os assistentes sociais o papel que dá direito à vaga no fim do dia. Ele dorme no contêiner na rua dos Gusmões há três semanas.

"Se não tiver alcoolizado ou drogado, é impossível dormir na rua", diz ele que faz tratamento no Caps (Centros de Atenção Psicossocial) contra o vício em crack. Há 18 anos sem teto, ele conta que costumava ir para o interior quando o frio apertava na capital. "Em lugares menores, as pessoas são mais solidárias e dá para conseguir mais ajuda."

Andressa dos Santos Nakabayshi, 19, também costuma dormir na mesma estrutura. Ela conta que ficava no vale do Anhangabaú até ser levada ao contêiner por um amigo. "Dia de frio é quando eu mais de humilho para conseguir abrigo", diz ela.

"Aceito fazer programa por até R$ 30, que é o preço do pernoite em hotéis no centro. Me recuso a passar frio na rua", conta, enquanto arruma uma bota preta de salto alto dentro de uma sacola. Apesar de reclamar de estar com os pés "congelando", com apenas um par de chinelos, ela se recusava a colocar a bota.

"Sei que vão querer roubá-la de mim aí dentro. Por isso, vou dormir calçada e com toda minha maquiagem dentro da bota. Eu me garanto na rua quando estou arrumada."

Questionada, a gestão João Doria (PSDB), afirmou que no começo da noite todas as pessoas que estavam no local foram atendidas por meio de uma operação emergencial, que as encaminhou para vagas nos 85 abrigos da rede municipal, e que não havia mais fila.

Segundo a prefeitura, são dez mil vagas fixas, mais 1.400 mil criadas exclusivamente para o período de frio, além de cerca de 400 vagas nos centros temporários. Outras vagas excedentes foram criadas em razão do frio extremo desta semana e, nesta quarta (19) mais 460 vagas para moradores de rua serão abertas na rua Comendador Nestor Pereira, 45, no Canindé.

NEVASCA

Cerca de 300 brasileiros estão ilhados nos aeroportos de São Carlos de Bariloche e de Buenos Aires, ambos na Argentina. A onde de frio polar que atinge 70% do país vizinho afeta principalmente a estância turística de inverno, Bariloche, para onde os turistas costumam viajar a fim de aproveitar as estações de esqui.

A nevasca começou na sexta-feira (14) e fechou o aeroporto de Bariloche no sábado (15), com 45 cm de neve acumulada. Na segunda (17), o aeroporto voltou a operar, mas apenas brevemente.

De um total de 350 turistas no aeroporto, cerca de 200 são brasileiros, segundo o Itamaraty. Mais 80 estão presas no aeroporto de Buenos Aires por terem perdido a conexão para retornar ao Brasil e há ainda um número indefinido que tentava chegar a Bariloche de ônibus após ter o voo desviado para Neuquén, mas a neve também bloqueou as estradas.

Há 27 anos não nevava tanto em Bariloche, a temperatura mínima de -25,4°C na madrugada de domingo, bateu recorde histórico na cidade, superando os 21,1°C negativos de 1963.

Devido à alta temporada com voos lotados e à capacidade limitada do aeroporto, as companhias aéreas têm pouca margem para contornar a situação com aviões extra. Há passageiros que aguardam desde sábado, completando 72 horas nesta terça.

Segundo o Itamaraty, o embaixador brasileiro no país vizinho contatou a ministra do interior da Argentina para pedir apoio ao grupo de cidadãos brasileiro ilhados. Está sendo examinada a instalação de um núcleo de apoio do Consulado Honorário no aeroporto de Bariloche.

O plantão do consulado em Buenos Aires atende pelo número +54 (911) 4199-9668 –para casos de emergência. Alternativamente, o Itamaraty, em Brasília, disponibiliza o e-mail dac@itamaraty.gov.br e os telefones (61) 2030-8803/8804 (das 8h às 20h) e (61) 98197-2284 (das 20h às 8h) para o auxílio a brasileiros.

A onda de frio polar que atinge a Argentina deixou quatro mortos nesta segunda-feira, nas cidades de Mar Del Plata e Bariloche. Duas das vítimas eram sem-teto.


Endereço da página:

Links no texto: