Folha de S. Paulo


Doria segura verba de investimentos e vai tocar obras em ano eleitoral

Zanone Fraissat/Folhapress
Buracos na rua Capistrano de Abreu, na Barra Funda, zona oeste da capital paulistana
Buracos na rua Capistrano de Abreu, na Barra Funda, zona oeste da capital paulistana

Com arrecadação no mesmo ritmo do ano passado, a gestão João Doria (PSDB) decidiu segurar os investimentos e criou uma espécie de poupança para obras a serem entregues no início do ano eleitoral de 2018.

Doria, que completa seis meses de mandato nesta semana, é cotado para disputar o governo ou a Presidência no ano que vem. Para isso, teria de deixar o cargo ao final de março. Na corrida ao Planalto, segundo o Datafolha, ele aparece com 10%, em cenário com o ex-presidente Lula (PT), mas com rejeição de 20%.

Para o início do ano que vem, Doria prepara um cardápio de inaugurações que inclui creches, unidades básicas de saúde e um hospital iniciado na gestão Haddad.

CONGELAMENTOS EM 2017 - Orçamento previsto para 2017, em R$ bilhões*

Uma das primeiras medidas do prefeito foi congelar gastos em todas as secretarias, afetando até Saúde e Educação –áreas que havia prometido poupar. Até agora, ele só investiu 6% dos R$ 5,6 bilhões previstos para 2017, uma queda de 60% em relação ao mesmo período do ano passado, quando Haddad disputou e perdeu a reeleição.

Embora alerte que a situação permanece delicada, a prefeitura conseguiu fazer um caixa de mais de R$ 13 bilhões, o que inclui os R$ 5,4 bilhões deixados por Haddad.

FINANÇAS DE DORIA APÓS 6 MESES - De janeiro a junho de cada ano, em R$ bilhões*

Mesmo assim, o freio segue puxado quando o assunto é liberação de verba. Os reflexos se estendem de ações sociais e de cultura ao funcionamento de hospitais e creches, além de obras paradas em todas as regiões da cidade.

Levantamento feito pela Folha mostra que as áreas com maior parcela de congelamento são saneamento (67%), habitação (51%), esportes e lazer (47%) e cultura (39%).

A prefeitura só gastou, por exemplo, 2% dos R$ 560 milhões previstos para o combate a enchentes, o que pode atrasar obras para o próximo período de chuvas.

O secretário municipal da Fazenda, Caio Megale, argumenta que o caixa da prefeitura é menor do que a média dos anos anteriores. Mas verbas para saúde e educação, diz, serão integralmente liberadas até o fim do ano.

Sobre as obras paradas, ele diz que a equipe passou os primeiros meses analisando quais seriam priorizadas. E que os critérios para liberação de verba foram os seguintes: estágio avançado de construção, alta demanda para os equipamentos e serem esses de saúde e educação.

CONGELAMENTOS POR ÁREA

Líder da oposição na Câmara, o vereador Antonio Donato (PT) diz que a arrecadação cresce com a inflação e que não há "nenhum desastre financeiro". "Me parece que é uma política de fazer caixa e utilizar isso eleitoralmente."

Ainda sem inaugurações a fazer, o tucano tem lançado novos programas e adotado medidas de baixo custo, como o aumento do limite da velocidade nas marginais, a intervenção na cracolândia e o programa de zeladoria Cidade Linda. Isso em meio a uma cidade esburacada e com semáforos apagados, por exemplo.

Um meio que Doria achou para tocar seus planos foram doações privadas, vistas por 76% da população como pouco ou nada transparentes, segundo pesquisa Datafolha. Em médio prazo, outra aposta para obter recursos é o pacote de privatizações, cuja tramitação segue lenta na Câmara.

O cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV, diz o efeito das ações midiáticas de Doria tem prazo de validade. "É inevitável que a popularidade dele venha a cair, porque foi criada uma expectativa maior que os recursos disponíveis para atendê-las."

Robson Ventura/Folhapress
Obras do Hospital Municipal da Brasilândia (zona norte de SP) é uma das suspensas pela gestão
Obras do Hospital Municipal da Brasilândia (zona norte de SP) é uma das suspensas pela gestão

SAÚDE E EDUCAÇÃO

Hoje, de um total de R$ 21 bilhões previstos para saúde e educação, R$ 3 bi (15%) foram congelados pela gestão.

Os cortes nos gastos municipais não deixam apenas obras de hospitais e creches paradas, mas afetam o dia a dia de unidades já existentes.

Um exemplo disso pode ser visto no Hospital Municipal do Campo Limpo, um dos principais da zona sul. Ali, toda a verba prevista para compra de materiais e novos equipamentos (de R$ 1,2 milhão) está congelada.

"O teto do ambulatório está caindo, a pintura não existe. Chove mais dentro do hospital do que fora", diz a conselheira de saúde Liliane Gomes, 38. Ela afirma que também faltam insumos básicos, como gaze e esparadrapo.

Entidades parceiras, como o IBCC (Instituto Brasileiro de Combate ao Câncer), também aguardam repasses. Neste caso, são R$ 680 mil para compra de novos equipamentos e remédios oncológicos.

Levantamento da reportagem mostra que 46 ações voltadas aos hospitais estão completamente paradas, totalizando mais de R$ 80 milhões.

Na educação, os congelamentos vão além de programas como Leve Leite e transporte escolar e de grandes obras, como CEUs. De cada R$ 10 para operação das creches, R$ 3 estão bloqueados.

Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diz que a falta de verba tem efeito direto na qualidade do ensino. "A gestão Doria se mostra preocupada em corresponder aos compromissos de campanha e atividades de marketing sem se incomodar em prejudicar a educação", afirma.

CONGELAMENTOS POR AÇÃO Total previsto no orçamento (R$ milhões)*

OUTRO LADO

A gestão João Doria (PSDB) afirma que será cumprida a promessa do prefeito de não cortar verbas nas áreas de saúde e educação. O secretário municipal da Fazenda, Caio Megale, diz que os congelamentos são só um instrumento de controle para evitar gastos "desordenados". Até o fim do ano, declara, o dinheiro para custeio de hospitais e creches será liberado.

"Quando a gente faz o congelamento lá no início do ano, não significa necessariamente o corte no orçamento. Para saúde e educação em particular, não vamos fazer corte no orçamento", diz ele.

Megale diz que a gestão tentou forçar a redução de equipe e a renegociação em contratos. Segundo ele, o esforço surtiu efeito na diminuição de custos mais flexíveis, mas a despesa geral cresceu 4,2% mesmo assim, graças a gastos fixos como pessoal e convênios na educação e saúde.

Outro fator que pesou para a alta nas despesas gerais foi o subsídio do sistema de ônibus, o dinheiro repassado pela prefeitura às viações de ônibus para cobrir a diferença entre o que os passageiros pagam e os custos reais dos serviços. O prefeito tem sua parte neste gasto, ao manter a passagem em R$ 3,80 –o subsídio neste ano deve desfalcar o caixa da prefeitura em cerca de R$ 3 bilhões.

Para o secretário, a prefeitura tem menos dinheiro hoje do que a média para o período nos últimos anos. Megale contabiliza R$ 7 bi em caixa, não R$ 13 bi, como levantou a Folha, pois não considera verbas carimbadas como as de operações urbanas.

Sobre as obras, afirma que a gestão herdou algumas paradas e que precisou de tempo para escolher quais iria priorizar. No entanto, admite que este ano parte delas não deve avançar por falta de dinheiro –parte delas está vinculada a transferências federais.

Indagado se há pressão para que inaugurações coincidam com o período eleitoral, ele afirma: "Pressões sempre acontecerão. Tem pressões por [entrega de] obras, mas também para que hospitais e escolas funcionem bem, a zeladoria funcione, a Cidade Linda continue, para que os buracos no asfaltos sejam tapados. E um caixa limitado".

ARRECADAÇÃO MAIOR

Na tarde desta quinta, a gestão João Doria reiterou, por meio de nota, que o caixa construído no primeiro semestre visa garantir a continuidade da prestação de serviços ao longo do ano. "Historicamente o caixa tem uma sazonalidade positiva no início do ano por conta principalmente da arrecadação de IPTU, que é consumido ao longo do ano, inclusive para o pagamento de 13º salário em dezembro", segundo trecho do comunicado.

O caixa acumulado nos seis primeiros meses deste ano, diz a nota, está em linha com o observado nos últimos anos para o mesmo período.

Parte do caixa, ainda, são de recursos que não podem ser usados para outros fins que não aqueles aos quais se destinam. Os recursos carimbados, afirma a prefeitura, não podem ser usados para obras ou compra de materiais e equipamentos, por exemplo. A maior parte o caixa de R$ 5,4 bilhões deixado pela gestão anterior era composto por esse tipo de verba carimbada, segundo a nota.

Em relação à execução orçamentária, a prefeitura afirmou que o crescimento do custeio geral foi de 4,2% e ressaltou que esse patamar só foi obtido porque reduziu em 10% a parcela mais flexível da despesa, justamente o investimento e as atividades que não são das áreas de saúde e educação. Atualmente, essa parcela mais flexível da despesa representa 25% do total.

A prefeitura concluiu que sua gestão está sendo prudente em um cenário ainda de recessão e lidando inclusive com o buraco orçamentário de R$ 7,5 bilhões –com receitas superestimadas e despesas subestimadas -deixado pelo governo de Fernando Haddad (PT).


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