Folha de S. Paulo


Ex-médico Roger Abdelmassih, 73, cumprirá pena em prisão domiciliar

O ex-médico Roger Abdelmassih, 73, condenado a 181 anos de prisão por abusar sexualmente de pacientes em sua clínica de reprodução, conquistou o direito de cumprir prisão domiciliar.

A decisão é da juíza Sueli Zeraik Armani, da 1ª Vara das Execuções Criminais de Taubaté, no interior de SP. O médico cumpria pena em presídio em Tremembé desde o fim de 2014.

Há mais de um mês ele está internado no Hospital São Lucas, em Taubaté, para tratar de uma pneumonia. O médico foi internado diversas vezes desde que foi preso por causa de problemas no coração.

A doença foi justificada por sua defesa para pedir, desde o ano passado, o indulto humanitário, dado a detentos que não têm condições de serem tratados dentro da cadeia.

Uma das vítimas de Abdelmassih, Vanuzia Lopes Leite, disse estar muito triste com a decisão. "Estamos com medo, tememos pela nossa vida", disse Vanuza, que mora em Portugal. Ela lidera um grupo de mulheres que acusam o ex-médico de estupro e se mobilizam para evitar que ele seja solto.

Ela chegou a mandar uma carta para a juíza fazendo um apelo para que o indulto humanitário não fosse concedido em nome das vítimas. "Nós vítimas estamos verdadeiramente doentes. Temos laudo médico de síndrome do pânico, que pode ser agravada por essa decisão", afirmou.

Abdelmassih deve cumprir a prisão domiciliar em um apartamento de alto padrão de 272 metros quadrados no Jardim Paulistano, onde moram sua mulher, a procuradora Larissa Sacco Abdelmassih, e os dois filhos do casal. O apartamento é avaliado em mais de R$ 4 milhões.

Reprodução/Google Maps
Prédio em que Roger Abdelmassih vai cumprir prisão domiciliar no Jardim Paulistano, zona oeste de SP
Prédio em que Roger Abdelmassih vai cumprir prisão domiciliar no Jardim Paulistano, zona oeste de SP

SAÚDE

Desde que foi preso, foram constantes as idas de Abdelmassih a hospitais para tratar de problemas de saúde. A internação mais longa já durava pouco mais de um mês. Ele foi levado para o Hospital São Lucas, em Taubaté, para tratar de uma pneumonia em 18 de maio e ainda não havia retornado ao presídio.

A longa permanência fora das grades irritou alguns detentos, que viram nisso um indício de regalia. Alexandre Nardoni, condenado pela morte da filha, Isabela Nardoni, cumpre pena no mesmo presídio e ficou apenas dois dias internado no início deste ano após passar por uma cirurgia de apendicite no Hospital Regional de Taubaté.

Para provar que Abdelmassih está com a saúde debilitada e conseguir o indulto humanitário, a defesa do ex-médico solicitou uma série de exames. Um laudo foi realizado há cerca de dois meses pelo cardiologista Lamartine Cunha Ferraz a pedido da Justiça. O conteúdo não foi divulgado. O promotor Luiz Marcelo Negrini de Oliveira Mattos, responsável pelo caso, deu parecer contrário à concessão do indulto.

Abdelmassih divide a cela com apenas um detento, um médico, que se tornou responsável por aferir sua pressão já que ele é hipertenso. Ele chegou a ser repreendido pela direção do presídio no ano passado por exigir atendimento médico privado dentro da cadeia. Por isso, o médico que cumpre pena no mesmo local foi autorizado pela Justiça a acompanhá-lo. Sua dieta também era controlada, já que tem problemas gástricos.

O ex-médico também chegou a pedir uma cadeira de rodas à administração do presídio alegando não ter mais condições de se locomover. Segundo pessoas que convivem com ele dentro do presídio, porém, Abdelmassih era constantemente visto caminhando e empurrando a própria cadeira.

Ele vinha recebendo visitas semanais da mulher e do casal de gêmeos. A família se encontra em uma sala reservada no presídio.

O CASO

Abdelmassih ficou conhecido como "médico das estrelas" e chegou a ser considerado um dos principais especialistas em reprodução assistida do país, antes de ser acusado por dezenas de pacientes por abuso sexual.

O primeiro caso foi denunciado ao Ministério Público em abril de 2008, por uma ex-funcionária do ex-médico, como foi revelado pela Folha. Depois, outras pacientes, com idades entre 30 e 40 anos, disseram ter sido molestadas quando estavam na clínica.

As mulheres afirmam que foram surpreendidas por investidas do ex-médico quando estavam sozinhas –sem o marido e sem enfermeira presente –os casos teriam ocorrido durante a entrevista médica ou nos quartos particulares de recuperação. Três dizem ter sido molestadas após sedação.

Em 2010, o ex-médico foi condenado em primeira instância a 278 anos de prisão pela série de estupros de pacientes. A pena acabou reduzida para 181 anos em 2014 por causa da prescrição de alguns crimes.

Abdelmassih ficou foragido por três anos antes de ser preso e chegou a liderar a lista de procurados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo. Ele foi localizado em agosto de 2014, em Assunção, no Paraguai, de onde foi deportado.

O Cremesp (Conselho Regional de Medicina de SP) iniciou um processo contra o médico em 2009, logo após as denúncias, e a cassação definitiva do registro profissional saiu em maio de 2011.

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Cronologia do caso

2006
Ex-funcionária relata à Promotoria ter sido beijada à força por Abdelmassih

Jan.2009
Folha revela que o médico era investigado pela polícia, e mais mulheres dizem ter sido vítimas; Cremesp (Conselho Regional de Medicina de SP) inicia processo contra ele

Ago.2009
Abdelmassih é preso em sua clínica de reprodução, em área nobre de São Paulo

Dez.2009
STF concede habeas corpus e manda soltá-lo por entender que o médico não oferecia risco

Nov.2010
Ele é condenado em primeira instância a 278 anos de prisão por 48 estupros, mas decisão do STF o mantém livre

Jan.2011
Justiça determina prisão de Abdelmassih após ele tentar renovar seu passaporte, mas o médico foge

Mai.2011
Cremesp cassa seu registro profissional de médico definitivamente

Jul.2014
Secretaria da Segurança Pública de SP publica lista em que ele aparece como um dos dez mais procurados

Ago.2014
Depois de mais de três anos e meio foragido, Abdelmassih é preso em Assunção, no Paraguai

Out.2014
Alguns crimes prescrevem, e Justiça reduz sua condenação a 181 anos; pela lei brasileira, ele pode cumprir no máximo 30

Jul.2016
Ministério Público apresenta denúncia contra Abdelmassih sob nova acusação de atentado violento ao pudor; outros 36 casos prescrevem e são arquivados

Mai.2017
Para tratar de pneumonia, ex-médico é levado a hospital em Taubaté, onde permanecia até hoje –desde que foi preso, ele saiu diversas vezes para cuidar de problemas de saúde

Jun.2017
Justiça concede a ele direito de cumprir prisão domiciliar


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