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Limite para internação de dependente químico vira batalha judicial

Avener Prado - 24.out.2014/Folhapress
Prédio do Tribunal de Justiça de SP, onde limite para internação de dependente químico virou batalha judicial
Prédio do Tribunal de Justiça de SP, onde limite para internação de dependente químico virou batalha

A limitação do tempo de internação para tratamento de dependentes químicos por planos de saúde tem gerado aumento de processos e controvérsias na esfera judicial.

No TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo, o número de decisões judiciais de segunda instância (acórdãos) envolvendo o tema "dependência química" pulou de 11, em 2001, para 92, em 2016.

No centro da polêmica, está a coparticipação nas internações psiquiátricas. Diferentes planos de saúde têm cláusulas contratuais que obrigam o usuário a arcar com até 50% dos custos da internação a partir do 31º dia.

A Folha avaliou 65 acórdãos publicados de janeiro até a semana passada, com 43 decisões favoráveis ao usuário e 22, aos planos de saúde. Segundo o entendimento de alguns desembargadores, a prática é abusiva e limita o tratamento dos usuários.

"Limitação temporal e regime de coparticipação implicam, na prática, negativa de cobertura devida", diz uma decisão do início deste mês da 10ª Câmara de Direito Privado do TJ paulista.

O texto afirma ainda que a cobrança de coparticipação levará o paciente a abandonar o tratamento prescrito, já que não terá condições financeiras para mantê-lo.

É o caso do administrador P.C.S., 51, que esteve internado em clínica no interior do Estado para tratar a dependência de cocaína e álcool. O seu contrato prevê coparticipação de 50% a partir do 31º dia de internação. Entretanto, após acionar a Justiça, ele obteve liminar que reverteu, por ora, a obrigação.

"Já pago quase R$ 3.000 de plano de saúde [para ele, a mulher e o filho]. Seria totalmente inviável arcar com 50% do valor da mensalidade da clínica [de R$ 8.000]", diz ele, que ficou 90 dias internado. A seguradora recorreu da decisão no tribunal.

Em segunda instância, muitos desembargadores têm se valido de uma recente decisão do STJ (Supremo Tribunal de Justiça), que passou a considerar legítima a coparticipação em internações psiquiátricas, se estiver claramente prevista em contrato.

COPARTICIPAÇÃO

O advogado Rafael Robba, especializado em direito à saúde e sócio do escritório Vilhena Silva, diz que a tendência das decisões do TJ tem sido manter a coparticipação, caso haja previsão contratual.

"As decisões ainda variam bastante entre as dez câmaras do TJ. Mas, mesmo as que aceitam a cobrança da coparticipação, estão reforçando que ela não pode inviabilizar o tratamento do paciente."

Para Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em saúde do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), a cobrança de 50% de coparticipação é inviável para qualquer procedimento e precisa ser vetada. "Acima de 30%, entendemos que configura restrição severa e que há violação de artigos do CDC [Código de Defesa do Consumidor]."

A ANS (Agência Nacional de Saúde) prepara novas normas para planos de saúde com coparticipação, que atingem hoje 50% dos usuários no país. As regras atuais foram estabelecidas pelos próprios planos. Uma das propostas é limitar em até 40% o valor da coparticipação.

Segundo Ana, o Idec já alertou a ANS sobre os riscos aos usuários, utilizando como exemplo o que está acontecendo com as internações de dependentes químicos.

Em nota, a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) reforça que a coparticipação, após a permanência por 30 dias do dependente químico em clínica de reabilitação, é regulamentada pela ANS. "É importante a participação dos familiares no acompanhamento e auxílio da recuperação de saúde do dependente internado", diz.

Sobre a judicialização, diz que, "enquanto não houver segurança jurídica, o individual se sobressairá, prejudicando a coletividade".


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