Folha de S. Paulo


Museu do grafite lançado nas ruas de SP atrai até artista contrário a Doria

Bruno Santos/Folhapress
Ciclista passa por grafite na zona norte, no primeiro Museu de Arte de Rua, em projeto inaugurado pelo prefeito Doria
Ciclista passa por grafite na zona norte, no primeiro Museu de Arte de Rua, inaugurado por Doria

Com uma lata de tinta spray nas mãos, o prefeito João Doria (PSDB) se posiciona diante de um muro e começa a fazer os primeiros contornos de uma imagem numa rua do Tucuruvi (zona norte).

A cena, no último domingo (28), parece não combinar com o administrador público que declarou guerra aos pichadores e criou uma saia justa com artistas de rua depois que funcionários da prefeitura usaram tinta cinza para apagar grafites que coloriam parte da av. 23 de Maio.

Doria finaliza o desenho, um coração vermelho um tanto quanto disforme com as inscrições "grafite é arte", e dá início a uma espécie de lua de mel ao menos com alguns grupos de artistas que fazem parte do projeto MAR (Museu de Arte de Rua), promessa feita após o episódio na 23 de maio –no início da gestão e no qual admite ter errado.

Os "museus" são paredões, muros e pilares, em áreas públicas que receberão as obras de arte em ao menos oito pontos, com previsão de expansão ao longo do mandato.

Longe de ser unanimidade entre grafiteiros, a gestão conseguiu, porém, colocar no programa pessoas que, mesmo se opondo politicamente ao tucano, aderiram a esse modelo cultural. Doria criou multa de R$ 5.000 para casos de flagrantes de pichação.

"A operação do projeto MAR foi integralmente dos grafiteiros. Nós abrimos um bom diálogo com eles porque sempre tratei os artistas de rua com muito respeito. Eles têm o nosso apoio", disse Doria à Folha. Ele promete criar até o final do ano o que chama de a primeira escola de arte de rua do município.

Com essa ideia, a equipe do prefeito fechou parceria com coletivos de artistas de diferentes regiões da cidade, dando início a um contato com jovens de periferia.

"Conseguimos lançar um projeto que teve o apoio da comunidade do grafite. Várias das pessoas que participaram da comissão, que negociaram com a gente, são claramente opositoras à gestão, mas isso não impediu que contribuíssem com uma política da cidade", disse o secretário municipal de Cultura, André Sturm.

A Folha apurou que alguns participantes sofreram represálias de colegas por aderirem à ideia de Doria.

Além do material doado por uma fabricante de tintas, os coletivos recebem da prefeitura de R$ 10 mil (grupos de no mínimo três pessoas) a R$ 40 mil (a partir de seis) pelo trabalho. A gestão da verba é desses coletivos.

Após o lançamento de um edital, oito de 23 foram selecionados por comissão que inclui artistas plásticos, grafiteiros e educadores. No caso do Inclugraff, que fez o projeto na zona norte, a quantia foi usada para pagar o cachê de 40 artistas da região e a promoção de oficinas de arte no bairro Brasilândia. "Nosso mote é promover a inclusão pelo grafite", disse a produtora Marcela Macário.

A resistência de outra parte dos grafiteiros com esse programa decorre do fato de muitos deles verem na pichação uma forma de arte.

"O projeto é uma oportunidade bacana de colocar arte na cidade de forma democrática. Mas eu interpreto a pichação como vanguarda, que nasceu de uma necessidade de expressão numa metrópole tão desigual", disse o grafiteiro Enivo, que chegou a compor a comissão.

Após o Tucuruvi, o MAR seguirá para Cidade Tiradentes, Aricanduva, Ermelino Matarazzo (zona leste), Cidade Ademar (sul), Jaguaré e Barra Funda (oeste).

MELHOR QUE ANTES

Desde o final do mês passado, moradores da rua Moacyr Vaz de Andrade, no Tucuruvi, se deparam com os desenhos cheios de cores no lugar das pichações frequentes ali no passado.

"Ficou melhor do que antes, quando era tudo pichado. Quando o desenho é bonito, a gente gosta, mas alguns não dizem nada", disse à reportagem a dona de casa Lilian Cristina Alves, 50, ao apontar uma das obras.

Já o coração desenhado e assinado pelo prefeito não está mais ali. Sumiu após ser coberto por outro grafite.


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