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Polícia vê 'plano de marketing' em misterioso sumiço de jovem do Acre

Reprodução
Estátua de Giordano Bruno no quarto de Bruno Borges, 24, desaparecido em março
Estátua de Giordano Bruno no quarto de Bruno Borges, 24, desaparecido em março

A Polícia Civil do Acre apreendeu nesta quarta-feira (31) contratos feitos entre Bruno Borges, 25, jovem desaparecido desde o fim de março, e seus amigos prevendo a distribuição de lucros pela venda dos 14 livros que o estudante de psicologia deixou criptografados.

Os documentos foram encontrados na casa de um dos amigos, Marcelo Ferreira, 25, que chegou a ser detido, mas deve ser liberado ainda nesta quarta. Ele e Márcio Gaiote, outro amigo, responderão a inquérito por falso testemunho segundo o delegado Alcino Júnior, responsável pelo caso.

Na casa de Márcio, que vive atualmente na Bahia, a polícia encontrou há cerca de dez dias a cama e um móvel do quarto de Bruno. Antes de sumir, o jovem se desfez da mobília e ornamentou o quarto com inscrições e símbolos, além de uma estátua do filósofo italiano Giordano Bruno.

Marina Garcia/Folhapress
Escultor mostra sua foto com jovem desaparecido
Escultor mostra sua foto com jovem desaparecido

Os amigos de Bruno, segundo a investigação, o auxiliaram no seu projeto e não contaram tudo o que sabiam à polícia. "Os dois estavam seguindo o plano de divulgação para a mídia dessas obras", disse Júnior à Folha.

O delegado afirmou também que, em conversas de WhatsApp, os dois comentavam a ampla divulgação do caso e diziam que iam ficar ricos.

"Eles estão surfando nessa onda para ganhar dinheiro. Quem sabia que o Bruno ia sumir para dar esse ibope todo para a divulgação e depois publicação eram eles", disse Júnior.

O delegado afirma que, com a nova apreensão, ficou claro que não há crime por trás do sumiço do rapaz. "A ideia era esclarecer se tinha ou não um crime relacionado a esse desaparecimento. Hoje a gente põe uma pá de cal em cima disso. A localização dele agora é bastante secundária, até porque não é crime querer desaparecer. A gente tem interesse em achá-lo, mas não é uma prioridade."

"Esse desaparecimento tinha fortes indícios de que tinha o objetivo mesmo de um plano de marketing", completou Júnior.

O delegado afirmou ainda que a polícia não tem mais obrigação de localizar Bruno, mas vai continuar a busca para esclarecer detalhes do caso.

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CONTRATOS

O contrato com Marcelo prevê que o amigo receba 15% do "faturamento bruto do Projeto Enzo e das 14 literaturas iniciais que farão parte do lançamento do projeto".

O pagamento seria feito todo dia 10 de cada mês. Para Márcio, seriam destinados 5%. O primo de Bruno, Eduardo Borges, que lhe emprestou R$ 20 mil para a empreitada, ficaria com outros 15%.

O contrato foi redigido no dia 10 de março e teve a firma reconhecida por Bruno no dia 27 daquele mês, data em que desapareceu. Um das cláusulas afirma que "o evento será inaugurado e lançado até o final do mês de abril de 2017".

"Todo o lançamento do projeto será feito pelo autor e da maneira que julgar necessária", diz ainda o documento, que proíbe rescisão.

Na casa de Marcelo, a polícia também encontrou maconha e, por isso, o jovem ficou detido na delegacia.

À época do desaparecimento, o amigo, que ajudou Bruno a decorar seu quarto, afirmou à Folha que o jovem chegou a ficar sem comer. "Ele trabalhou vorazmente, não comia em alguns dias que escrevia nas paredes, teto, chão e móveis. Isso veio através de uma experiência mística que Bruno obteve em um ecstasy divino."

FAMILIARES CONTESTAM

Nas redes sociais, familiares de Bruno rechaçaram a conclusão de que o desaparecimento foi uma jogada de marketing e afirmaram que o lançamento do primeiro livro ocorrerá em breve.

"Desde o desaparecimento soubemos do contrato, e isso nunca nos disse muita coisa a respeito. Até porque, para que os planos do Bruno deem certo, ele precisa de dinheiro. Afinal, não dá pra construir hospitais e ajudar quem precisa só com amor no coração. Então nem comecem com nhenhenhe!! Qual o problema ele fazer um contrato para ajudar amigos que o ajudaram?", escreveu Gabriela, irmã do jovem.

"Me tranquei no quarto sem comer, sem dormir e sem falar para que eu pudesse assimilar bem o conteúdo destes livros e saber onde Bruno Borges queria chegar ou o que ele queria nos passar.
Então eu digo com respeito a todos que os livros não são uma jogada de marketing", afirmou a mãe dele, Denise Borges.

Segundo o delegado, Denise prestou queixa de furto em relação aos móveis do quarto do filho.

RELEMBRE O CASO

O sumiço de Bruno Borges gerou grande repercussão uma série de teorias. Amigos próximos tinham conhecimento do seu plano de escrever obras de filosofia e do seu desejo de se isolar.

Bruno é descrito como um rapaz inteligente, que lia muitos livros e pretendia doar o que ganhasse com sua obra.

A retirada dos móveis, as inscrições na parede, assim como a chegada da estátua, ocorreram em pouco mais de 20 dias, período em que o quarto ficou trancado e os pais viajavam de férias.


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