Folha de S. Paulo


Hospital da zona leste de SP amontoa 37 pacientes na área de emergência

Lucilene Oliveira/Folhapress
Pacientes são atendidos em macas improvisadas no setor de emergência do hospital Cidade Tiradentes
Pacientes são atendidos em macas improvisadas no setor de emergência do hospital Cidade Tiradentes

O hospital municipal de Cidade Tiradentes (zona leste), ligado à gestão João Doria (PSDB), mantinha, ontem, 37 pacientes amontoados na sala de emergência. Homens e mulheres eram mantidos juntos na ala com capacidade total para em média dez pessoas, segundo funcionários. No local, no entanto, só havia sete monitores cardíacos, necessário para a equipe clínica avaliar os sinais vitais.

Com a falta de espaço para acomodar adequadamente os doentes, macas estavam grudadas umas nas outras. Dois pacientes foram acomodados na frente do banheiro masculino da sala de emergência –um deles ficava bem em frente à porta.

As pessoas baleadas ou vítimas de acidente de trânsito que chegam ao hospital em estado grave são tratadas na mesma sala em que pessoas com quadros estáveis estão internados. O Cremesp (Conselho Regional de Medicina) estabelece que os pacientes devem ficar no máximo 24 horas em observação antes de serem internados.

"É uma urgência atrás da outra e a gente fica ali assistindo a tudo", disse a dona de casa Eliana Ferreira da Silva, 50 anos. Ela recebeu alta ontem após dar entrada na quinta-feira com uma ferida provocada por diabetes.

A falta de controle chegou ao ponto de um paciente internado em um consultório que servia como sala de isolamento sair para usar o banheiro da sala de emergência. Acompanhantes de pacientes ficaram indignados.

No isolamento costumam ficar pacientes com doenças infeciosas graves, como gripe suína, que não podem ter contato com outras pessoas. Na porta da sala em que ele estava, um informativo orientava que o acesso deveria ocorrer só a profissionais com luvas e máscaras.

A dona de casa Ana Maria Campos, 56 anos, chamou uma enfermeira. "A enfermeira foi buscar o homem lá dentro (do banheiro)", disse Ana Maria. Ainda assim, ontem, o homem em isolamento saiu do quarto duas vezes.

SENTADO

O motoboy Jackson da Silva Santos, 25 anos, disse ter passado a noite de anteontem para ontem sentado em uma cadeira na sala de emergência. O rapaz conta que caiu da moto e fraturou o ombro. Ele aguarda uma cirurgia. "Imagina estar com dor após fraturar um osso e ter que ficar a madrugada inteira sentado sem se mexer. É bem difícil", disse Santos, que está sentado ao lado da cadeira do aposentado Cícero José da Silva, 65 anos.

O idoso deu entrada na unidade com uma arritmia cardíaca e, apesar dos médicos alertarem que o seu quadro inspira cuidados, ele não estava sendo monitorado com qualquer aparelho para medir a frequência cardíaca. "Estou esperando uma maca", afirmou.

ODOR DE FEZES

Os pacientes afirmam que a falta de ventilação na sala e o odor das fraldas geriátricas que ficam muito tempo sem serem trocadas contribuem para que as refeições não sejam feitas no local. O aposentado Roque Pires da Silva, 65 anos, foi internado anteontem com uma mancha no fígado e disse não ter conseguido se alimentar desde então devido ao mau cheiro. "Eu estava para almoçar e uma senhora defecou na fralda do meu lado. Fica muito tempo até que alguém venha limpar. Eu não consegui mais comer", disse.

Foi levada pela situação da sala que a cabeleireira Marizete Rodrigues Silva, 49 anos, que acompanhava o marido, que tem insuficiência renal, assinou a sua alta mesmo indo contra a orientação dos médicos. "É uma situação insalubre, não tem como as pessoas se recuperarem dessa maneira. Ele está desde quinta-feira", afirmou Marizete.

PROMESSA

No dia 4 de maio, reportagem do Agora flagrou o Hospital Municipal Ermelino Matarazzo (zona leste), sob a gestão João Doria (PSDB), mantendo pacientes com quadros graves, como tumor no cérebro, pneumonia e pós-AVC (acidente vascular cerebral), em macas no corredor por até nove dias.

Na ocasião, havia 38 pessoas internadas sem nenhum conforto na precária área de passagem da enfermaria. No dia seguinte, uma força tarefa do hospital retirou todos os pacientes do corredor e fez a distribuição nos quartos.

O prefeito João Doria (PSDB) afirmou, depois das reportagens, que "não faz sentido ter pessoas em corredor de hospital público". O secretário da Saúde, Wilson Pollara, afirmou que reuniões com diretores de hospitais definiriam eventuais revisões nos espaços de atendimento –como necessidade de obras para ampliação de atendimento de pacientes.

SEM SOLUÇÕES

A Secretaria Municipal de Saúde, ligada à gestão João Doria (PSDB), não disse se, quando e como a situação será resolvida.

A secretaria afirmou que o hospital possui uma enfermaria de retaguarda, "com muitos pacientes, entre adultos e crianças, que seguem recebendo o atendimento médico e multiprofissional necessários, além das medicações e exames complementares", afirmou a pasta em nota.

A gestão diz que atende todas as pessoas que dão entrada na emergência.

De acordo com o texto, apesar do aumento da demanda por leitos de internação, a unidade segue os protocolos internacionais de classificação de risco, e prioriza os pacientes mais graves.

A secretaria não se manifestou sobre os casos específicos dos pacientes internados (procedimento até então comum em reportagens sobre esse assunto). A gestão Doria alega, agora, que a unidade repassa informação sobre o estado de saúde apenas a familiares.

A pasta não respondeu, por exemplo, até quando pacientes, como Jackson e Cícero, vão permanecer internados em cadeiras na emergência.


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