Folha de S. Paulo


Vizinhos de nova cracolândia alteram rotina e evitam sair de casa

Domingo era dia de futebol na rua, de andar de bike, de passear com o cachorro. Domingo era dia de ir à feira. Era dia de receber amigos e parentes. Era... Nesse primeiro domingo (28), em que a praça Princesa Isabel se transformou na nova cracolândia, um cenário inseguro e sombrio, nas palavras de moradores, desenhou-se na vizinhança.

"Não saio mais com bolsa", avisa a comerciária Zilda Santos, 50 anos, 12 deles morando no edifício Ubiratan, a uma quadra da nova cracolândia, formada após ação desarticulada entre a Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado. Desde então, os usuários se espalharam por 23 pontos da cidade. "Costumava ir ao cinema à noite, mas vou agora [15h], com dinheiro e documento escondidos na minha cintura."

Zilda conta que amigos e parentes não foram visitá-la nesse domingo cinza. "Estão com medo, assim como nós."

Desde 1991 porteiro do prédio na rua Conselheiro Nébias, José Martiniano de Andrade, 49, explica que o pico de aglomeração de usuários se dá entre as 19h30 e as 6h. "Mas eles abordam os moradores a todo momento. Espalham lixo, fazem xixi e cocô na sua frente."

PARA ONDE FORAM OS USUÁRIOS

A partir das 2h, o segurança Manoel Carlos, 61, conta que seu apartamento fica "defumado" de crack. "Embaixo da minha janela, grupos com 15, 20 viciados se reúnem. Tenho uma netinha de três anos que vive comigo. Não sei o que dizer a ela."

Carlos, que mora na região há cerca de 30 anos, afirma que nunca assistiu à "situação tão degradante". "Vamos fazer o quê? Mandá-los para onde? Para a Amazônia?"

Na avaliação da administradora Vanessa Dutra, 40, toda a vizinhança está "sentindo na pele" os efeitos da transferência da cracolândia para a Princesa Isabel. "Uma semana atrás, os meninos jogavam bola aqui na rua General Rondon. Não podem mais. Sou a favor da internação compulsória, porque o problema só aumenta. Antes, a gente era abordada uma ou duas vezes ao dia. Hoje, virou série 'The 'Walking Dead'."

Moradora da avenida Duque de Caxias, a comerciante Fátima Ferreira, 44, acha que a prefeitura está fazendo a parte dela. "Eles lavam a rua, jogam creolina. Minutos depois, os viciados rasgam os sacos de lixo, urinam e defecam por toda parte", conta. "Muitos andam com faca. Só hoje [domingo], vi quatro pessoas sendo assaltadas."

TV Folha

Há 20 anos na região, o comerciante Favio Gauto, 46, diz entender que a situação é emergencial e de saúde pública. "Cada um tem sua razão para estar nessa situação. Essas pessoas precisam de ajuda, mas tenho que trabalhar. A partir das 23h, você não consegue entrar no meu prédio, diante da multidão de usuários que ali se forma."

Com sua basset Rosa Maria, o mecânico Fabiano Romagnoli, 32, diz que a ação dos governos municipal e estadual revirou sua vida. "Fico no ponto de ônibus para escoltar a minha mulher até em casa. Não dá para viver assim. Vamos ter que nos mudar." Diz mais: "Domingo, segunda... Sei lá. Quero ver isso acabar".


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