Folha de S. Paulo


Acolhidos da cracolândia dormem no chão em espaço da gestão Doria

Marlene Bergamo/Folhapress
Espaço municipal que recebeu usuários da cracolândia reunia usuários dormindo no chão e sem colchão
Espaço municipal que recebeu usuários da cracolândia reunia usuários dormindo no chão e sem colchão

No chão frio e duro, sem colchão, ao menos duas dezenas de homens dormem enfileirados no começo da tarde -e tentam se proteger com cobertores acinzentados.

A cena não é muito diferente da que se vê em calçadas do centro paulistano. A diferença é que eles estão dentro de um equipamento municipal, escolhido pela gestão João Doria (PSDB) para abrigar usuários de drogas retirados da cracolândia no domingo (21).

Por lá, até dois meses atrás, havia uma AMA (Assistência Médica Ambulatorial) que funcionava 24 horas. Agora, ela só abre meio período -apesar da recente demanda.

Um dia após uma megaoperação no principal ponto de concentração de drogas da cracolândia, centenas de dependentes químicos se espalharam pelo centro e consumiram crack nas imediações.

Outros foram levados com vans ao complexo Prates, no Bom Retiro, para serem acolhidos pela prefeitura. Foi no centro de convivência desse espaço que a Folha presenciou nesta segunda-feira (22) a situação descrita acima.

Frequentadores do local disseram faltar estrutura para atender mais pessoas -por já estar lotado. Eles pediram para não ter os nomes revelados com medo de represálias. Um homem afirmou haver 55 beliches improvisados na quadra e temer que novos moradores pudessem ficar em lugar descoberto até de noite.

Ele disse que houve consumo de crack nesta segunda dentro do espaço. Funcionários do complexo Prates afirmaram que foram pegos de surpresa e, por isso, não estavam preparados.

A gestão Doria diz que, para evitar vazamentos da operação policial na cracolândia, suas equipes de atendimento não foram avisadas antes.

Afirma, porém, que montou camas de campanha -e que as pessoas que dormiam no chão à tarde tinham essa estrutura à disposição. Frequentadores ouvidos pela Folha negam. O acesso ao lugar onde ficariam as camas estava fechado à tarde, quando a reportagem esteve no local.

A prefeitura diz ainda que pretende retomar a unidade médica 24 horas no local. A presidente do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas e Álcool, Nathália Oliveira, criticou a falta de preparo para receber dependentes retirados da cracolândia.

"Já não havia vagas em diversos albergues, e a estrutura do Prates é emergencial. Estão usando até a quadra com camas improvisadas", disse.

O complexo foi inaugurado na gestão de Gilberto Kassab (PSD), em 2012. Na ocasião, a previsão era que a unidade médica do local fizesse 5.000 atendimentos mensais.

SIGILO

A gestão João Doria (PSDB) afirma que apenas o prefeito e secretários envolvidos foram avisados da operação na cracolândia para evitar vazamentos e, por isso, nem toda a estrutura municipal estava preparada para a ação.

A nota da administração diz que a operação "foi promovida pela polícia e obedeceu aos critérios de inteligência da polícia". A prefeitura afirma também que as pessoas vistas dormindo no chão pela reportagem estavam no centro de convivência do complexo Prates e têm camas em um centro de acolhida.

Diz ainda que foram oferecidas vagas aos que estavam no fluxo e que houve 520 acolhimentos. Não havia mais hotéis credenciados da prefeitura no local. Sobre a Assistência Médica Ambulatorial que era 24 horas e passou a ser fechada desde março no complexo Prates durante a noite, a administração afirma que está viabilizando o retorno do atendimento.

Já a respeito do centro psicossocial que será aberto uma semana depois da ação policial, a gestão diz que já estava projetado e aguardava condições de segurança para implantá-lo.

DISCURSO

Após ter dito que a cracolândia tinha "acabado", Doria atenuou o tom do discurso e passou a usar expressões mais semelhantes às do governador Geraldo Alckmin (PSDB) -que tratou a operação na região como um "primeiro passo".

Nesta segunda (22), Doria disse que a ação é contínua e que não se acaba com o consumo de drogas "com um passe de mágica". "Tem que fazer o processo de abordagem e isso leva tempo. Não há milagre", disse ele, rebatizando a área como Nova Luz.

O tucano também negou qualquer disputa com o governo durante a ação. Sem o prefeito, Alckmin visitou novamente a cracolândia nesta segunda. Chegou a ser abordado na rua por dependentes químicos. "Temos que ter realidade de que não vai resolver em 24 horas. É uma questão crônica que envolve questão policial, social e de saúde pública", disse.


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