Folha de S. Paulo


Doria atenua discurso sobre fim da cracolândia, mas já fala em 'Nova Luz'

O prefeito João Doria (PSDB) atenuou, nesta segunda-feira (22), o tom do discurso em relação ao fim da cracolândia um dia após a realização de uma operação policial para inibir o consumo e o tráfico de drogas na região, localizada no centro de São Paulo.

No domingo (21), após o fim da ação policial, Doria disse que a cracolândia havia acabado. Mais tarde, voltou atrás e nesta segunda reafirmou que o problema é histórico e que a meta será "reduzi-lo sensivelmente e acabar com o shopping center de drogas [que funciona] 24h por dia ao ar livre para as pessoas dependentes", disse o prefeito.

A afirmação de Doria causou um mal estar com a equipe de Geraldo Alckmin, que, desde o primeiro momento, afirmou que a cracolândia é uma questão crônica que vai demandar tempo para ser resolvida.

Apesar da nova declaração, o tucano ainda capitaliza em cima da ação na região feita principalmente pelo governo estadual, "rebatizando" o local para Nova Luz.

PRUDENTE

Mais alinhado com o seu padrinho político, Doria afirmou que a dispersão de usuários de drogas e traficantes nas ruas próximas do chamado "fluxo" da cracolândia é contínua e que não se acaba com o consumo de drogas na região "com um passe de mágica". "Tem que fazer o processo de abordagem e isso leva tempo. Não há milagre", disse, ressaltando que o poder público não pode fazer internações compulsórias.

O tucano também negou qualquer disputa com o governo do estado durante a ação. "Não há nenhuma disputa com o governador Geraldo Alckmin. É uma ação absolutamente integrada. Ontem fiquei três horas e dez minutos ao lado do governador lá. Hoje já nos falamos duas vezes pela manhã. É uma relação absolutamente harmoniosa, por isso, vitoriosa. Ao contrário do passado, quando havia um desinteresse da prefeitura em avançar com o programa junto a essa região."

Apesar da fala à imprensa, em seu perfil oficial em uma rede social, Doria trata o problema como resolvido. O prefeito postou uma montagem com fotos de antes e depois da ação em que classifica a região como "espaço reconquistado" e em que elenca resultados diretos como "usuários que desejarem serão tratados", "pessoas em situação de rua acolhidas" e "traficantes indiciados".

Sem o prefeito, o governador Geraldo Alckmin visitou novamente a cracolândia e voltou a afirmar nesta segunda que o problema é complexo e que não se resolve em um dia. "Temos que ter realidade de que não vai resolver em 24 horas. É uma questão crônica que envolve questão policial, social e de saúde pública", disse o governador.

Alckmin esteve na manhã desta segunda na rua Helvétia, na sede do programa Recomeço, que promove a internação de viciados. Ele foi abordado por diversos dependentes químicos procurando abrigo e assistência médica. O governador disse que a operação policial vai demorar ainda "algumas semanas". "Demos o primeiro passo. Precisa manter", afirmou.

NOVO NOME

Doria disse que as ruas onde usuários de drogas se aglomeravam agora será chamada pela prefeitura como Nova Luz. "Enquanto eu for prefeito da cidade de São Paulo, a cracolândia não vai existir. Ali, a partir de agora, é o espaço Nova Luz", disse. Não é a primeira vez que o prefeito tenta emplacar um nome para uma região do centro.

Em abril, durante visita à capital da Coreia do Sul, o tucano falou em renomear o Bom Retiro para Bom Retiro Little Seul. O anúncio dividiu lojistas do tradicional bairro de imigrantes.

Segundo Doria, agentes do Denarc, com apoio da PM e da guarda-civil, estão acompanhando o que ele chamou de "pequenos traficantes" que continuam agindo no entorno da cracolândia. "Estão filmando e esses traficantes serão também indiciados."

O tucano também comentou ação semelhante realizada durante o governo do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), em 2008, que acabou dispersando usuários de drogas pelo centro da cidade após tentativa para acabar com a cracolândia. "Doria é Doria, Kassab é Kassab. Há uma diferença grande."

DEMOLIÇÕES

Está prevista para esta terça-feira (23) o início da instalação de tapumes nas entradas dos hotéis e outros imóveis que abrigavam os dependentes químicos e traficantes. Em seguida, essas construções serão demolidas para a instalação de projetos habitacionais com investimento da rede privada por meio de contratos de parcerias público-privadas. "Já emparedamos alguns [hotéis]. A segunda ação vai ser a derrubada e a implantação dos projetos habitacionais, mais um CEU com 2 mil metros quadrados, uma creche e uma unidade básica de saúde", disse o prefeito.

Sobre as demais cracolândias da cidade, o prefeito disse que ações semelhantes serão realizadas na avenida Roberto Marinho (zona sul), na Vila Leopoldina (zona oeste), e na Radial Leste (na zona leste), ainda no primeiro semestre deste ano. De acordo com Doria, esses locais concentram ações de pequenos traficantes. "Nós estamos monitorando e temos as imagens. Assim como na Nova Luz, a ação será precisa e cirúrgica para evitar violência."

Descaminhos da cracolândia

De acordo com o secretário de assistência social, Filipe Sabará, foram acolhidas 520 pessoas após a ação policial deste domingo (21) no Complexo Prates, sendo que doze manifestaram interesse na internação e foram encaminhadas para unidades do Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas). Na terça (23), será instalada uma unidade móvel do Caps (Centros de Atenção Psicossocial), segundo a prefeitura.

A força-tarefa na área inclui 22 viaturas, sendo 15 da GCM, fazendo rondas pela região, além de quatro ônibus equipados para fazer monitoramento e cinco novas câmeras de vigilância. O prefeito também elogiou a ação policial, qualificada como "bem estruturada e planejada". Doria afirmou que a polícia prendeu um dos traficantes que dominava o comércio de drogas na região, o FP, na casa onde mora em Caraguatatuba, no litoral norte.

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Cronologia

Operações e projetos na região que não deram certo

Set.2005
A gestão Serra-Kassab dá início ao projeto Nova Luz, que pretendia recuperar a área com investimento público e privado, mas o modelo não vingou

Fev.2008
O então prefeito Gilberto Kassab (PSD) afirma que a cracolândia não existe mais. "Não, não existe mais a cracolândia. Hoje é uma nova realidade", declarou. O consumo de drogas, no entanto, continuou explícito

Jan.2012
Polícia Militar intensifica a Operação Centro Legal e ocupa as principais ruas da Luz com cerca de 300 homens. Dependentes que se concentravam na rua Helvétia se dispersam para outros pontos da região

15.jan.2014
Assistentes sociais e funcionários da prefeitura retiram usuários e limpam a rua. Segundo a prefeitura, 300 pessoas foram cadastradas no programa Braços Abertos, da gestão Haddad (PT). O tráfico, porém, persistiu

23.jan.2014
Três policiais civis à paisana vão ao local para prender um traficante e usuários reagem com paus e pedras. A confusão aumentou com chegada de reforços e terminou com cerca de 30 detidos

29.abr.2015
Operação desarticulada da prefeitura e do governo do Estado transforma o centro em uma praça de guerra, com bombas de gás, furtos a pedestres e depredação de ônibus. Dois dias depois, fluxo retornou. Haddad chamou ação de 'sucesso'

5.ago.2016
Polícia realiza operação com 500 homens na cracolândia e ocupação do Cine Marrocos, no centro, e prende ao menos 32 pessoas


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