Folha de S. Paulo


Salvador quer 'estatizar' casarões abandonados no centro histórico

Em ruínas, um casarão de três andares ameaçava cair na Ladeira da Preguiça, no centro histórico de Salvador. Moradores se revezaram em mutirão para escorar o prédio com concreto e ferragens.

"As pessoas que vivem aqui é que mantêm os casarões em pé. Somos a favor, sim, de revitalização, mas incluindo as pessoas que moram no centro [histórico]. Não queremos sair daqui."

Quem fala é Eliane Silva Lima, 49, que mora em um imóvel vizinho ao casarão há 30 anos. Ele atualmente enfrenta duas batalhas: a briga judicial pela posse da casa em que mora e a defesa das comunidades que vivem na região central de Salvador.

Na segunda trincheira, o alvo é o mais novo passo dado pelo prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), para a requalificação do chamado Centro Antigo da cidade.

Aprovado pela Câmara Municipal na última semana, o projeto Revitalizar é um pacote de incentivos fiscais para requalificação de imóveis abandonados ou subutilizados no centro da cidade.

De um lado, o projeto dará descontos em tributos para quem reformar, manter e dar uso a imóveis da região.

Do outro, prevê que quem não fizer o devido restauro pagará IPTU mais caro e pode até ser alvo de um processo administrativo para arrecadação do imóvel —uma espécie de "estatização" sem contrapartida financeira.

Além do centro histórico, área tombada pela Unesco em 1984 que inclui o Pelourinho, o projeto da prefeitura soteropolitana contempla outros dez bairros da região central da cidade, incluindo Comércio, Lapinha e Nazaré.

DINHEIRO PÚBLICO

Agora, ao contrário do projeto de revitalização do centro histórico realizado nos anos 1990, o projeto atual não prevê aquisição nem investimento direto do poder público na recuperação dos casarões.

"É um projeto de justiça fiscal. Vamos beneficiar o proprietário que cuidar dos imóveis e penalizar aquele que os deixam em ruínas, com risco de desabamento", afirma o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Guilherme Bellintani.

Entre os incentivos fiscais previstos está a redução de 50% do valor do IPTU por dez anos para aquele imóvel restaurado e conservado.

Também haverá redução de ISS para negócios associados à economia criativa, tecnologia e entretenimento que se instalarem em imóveis na região central da cidade.

Empresários e prefeitura defendem o projeto como uma forma de induzir o desenvolvimento da região, que vem sendo alvo de iniciativas pontuais de novos negócios e empreendimentos imobiliários.

É o caso do empresário Antônio Mazzafera, do grupo Fera Investimentos, que comprou mais de uma centena de imóveis no entorno da rua Chile, incluindo o histórico Hotel Palace, recuperado e reinaugurado neste ano.

MORADIA

Caminhando pelas ruas do centro, Maura Cristina, 59, para na praça Castro Alves e, sob a estátua do poeta dos escravos, assiste ao pôr do sol na baía de Todos os Santos.

Ela vive há dez anos em uma ocupação de um casarão no Santo Antônio Além do Carmo, onde 12 famílias dividem o mesmo teto.

Maura, que faz parte da Articulação do Centro Antigo, coletivo que reúne movimentos populares da região, critica o projeto por privilegiar o uso comercial dos imóveis.

E diz que ele repete o projeto dos anos 90 tocado pelo então governador Antônio Carlos Magalhães, o ACM, avô do atual prefeito da cidade.

Na época, casarões foram desapropriados pelo Estado, e famílias que ocupavam os imóveis foram transferidas para regiões mais distantes da cidade. As casas foram alugadas e transformadas em lojas, bares e restaurantes.

A prefeitura nega que vá expulsar famílias que vivem no centro e informa que vai aplicar IPTU progressivo e fazer a tomada do imóvel apenas em casas em situação de risco. "Se o imóvel tem algum grau de conservação e gente morando, não tem motivo para haver penalidade. Mas, se ele está em ruínas, não podermos cruzar os braços e deixar pessoas morando ali. É um risco", afirma o secretário Guilherme Bellintani.
moradia popular

A prefeitura estima que cerca de 500 imóveis estejam em situação crítica no centro antigo de Salvador. Destes, cerca de 50 são ocupados por famílias. Por outro lado, Bellintani diz que a prefeitura está em negociação com o Ministério das Cidades do governo Michel Temer (PMDB) para um outro projeto: recuperar imóveis históricos e destiná-los à moradia de populações de baixa renda por meio do programa federal Minha Casa Minha Vida.

Os moradores do centro, contudo, pedem propostas mais concretas e que sejam desenvolvidas no curto prazo.

"Temos um histórico de décadas de promessas que não foram cumpridas", declara o ferreiro Edmilson Rodrigues, 66, que trabalha num dos arcos entre os pilares que sustentam a centenária Ladeira da Montanha.


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