Folha de S. Paulo


Guerra de facções dispara homicídios na Grande São Paulo

Avener Prado - 16.jan.2017/Folhapress
Bandeira do PCC na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte
Bandeira do PCC na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte

Uma guerra entre as facções criminosas PCC (Primeiro Comando da Capital) e CRBC (Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade) fez o número de homicídios dolosos (com intenção de matar) disparar na região metropolitana no primeiro trimestre deste ano.

Foram 250 vítimas na Grande São Paulo entre janeiro e março deste ano, ante 190 no mesmo período de 2016 (alta de 31,5%). De acordo com o delegado titular da Divisão Homicídios de Guarulhos, Wagner Terribilli, o crescimento de homicídios "tem ligação com brigas entre facções rivais".

Policiais civis de cinco DPs da cidade afirmaram ao "Agora" que o perfil dos mortos é parecido: homens, jovens, negros, moradores da periferia e que têm envolvimento com tráfico de drogas ou roubo de cargas.

De acordo com os policiais, o CRBC começou a incomodar financeiramente o PCC na região metropolitana, e o PCC determinou tolerância zero contra os integrantes e simpatizantes da facção rival.

CIDADES ONDE HOUVE ALTA NOS CRIMES -

"COISAS"

O CRBC (Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade), cujos integrantes são conhecidos como "Coisas", foi criado em 25 de dezembro 1999 e era o principal rival do PCC na briga por pontos de tráfico de drogas na região metropolitana no início dos anos 2000.

Segundo o pesquisador Bruno Paes Manso, a facção nasceu e cresceu justamente no presídio de Guarulhos, em 1999. "Desde sempre foi a principal oposição ao PCC." Entre 2000 e 2001, quando o PCC se fortalecia dentro das prisões, havia brigas pesadas entre as duas facções, nas cadeias e nas ruas.

Integrantes das facções executavam uns aos outros, mas, como o PCC sempre foi maior que o CRBC, havia mais mortes da facção menor. "Desde 2006, quando o PCC se fortaleceu e se manteve na articulação do tráfico e distribuição de drogas, ninguém tentou bater de frente. Nestes últimos 11 anos, o PCC praticamente não teve mais rivais em São Paulo, tanto nas prisões como fora", diz.

Há 11 anos, segundo o pesquisador, as facções perderam o interesse em brigar entre si porque o CRBC não chegava a atrapalhar grande parte do tráfico de drogas administrado pelo PCC. "O PCC 'deixou quieto'. Houve um acordo de paz. Depois, o PCC direcionou o discurso de que os principais inimigos eram a polícia, não as facções rivais", afirma.

Atualmente, integrantes do CRBC estão presos na Penitenciária 1 de Presidente Venceslau (611 km de SP). Lá também estão detentos da SS (Seita Satânica), Cerol Fino e ADA (facções menores, mas também inimigas do PCC).

Vítimas de homicídio doloso na Grande São Paulo -

GUARULHOS

O CRBC atua em toda a região metropolitana, mas tem como base Guarulhos, a segunda maior cidade do Estado. É justamente lá que foi registrado o maior número de homicídios dolosos (com intenção de matar) no primeiro trimestre. Foram 61 mortes no primeiro trimestre deste ano (contra 38 em 2016), o que impulsionou a alta em toda a região.

Em termos percentuais, o número de homicídios em Guarulhos subiu 60,5% no primeiro trimestre. Em Jandira, o número quadruplicou. Em Barueri e Taboão da Serra, triplicou.

Os números contrastam com os da capital, onde o total de homicídios tem caído _o que tem motivado declarações de comemoração do governador Geraldo Alckmin (PSDB). Foram 201 vítimas no primeiro trimestre deste ano na capital, contra 231 no mesmo período de 2016 (queda de 13%).

CONFLITOS

Pesquisador de facções criminosas pela USP (Universidade de São Paulo), Bruno Paes Manso afirma que é a primeira vez nos últimos 11 anos que um conflito de facções acontece em São Paulo abertamente.

"O ano começou com uma crise no sistema carcerário do Brasil, com facções confrontando o PCC, principalmente no Norte e Nordeste, com vários mortos. Até que ponto houve uma expectativa de enfraquecimento do PCC, na visão do CRBC, com a ideia de crescer?", questiona.

Professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Alcadipani diz que, provavelmente, o conflito não chegou à capital porque o PCC é dominante lá. "Brigas de facções podem significar aumento de homicídios nos próximos tempos, gerando problema maior na segurança pública", diz.

OUTRO LADO

A Secretaria da Segurança Pública do governador Geraldo Alckmin (PSDB) não se manifestou sobre a guerra de facções nem sua relação com o aumento de homicídios dolosos na região metropolitana.

A gestão afirma que a polícia esclareceu 13 casos de homicídio doloso em Guarulhos neste ano. "Isso resultou na prisão de sete pessoas em flagrante e de outros dez autores por mandado expedido após o trabalho de polícia judiciária", diz. Segundo a pasta, em 2016 a Grande SP atingiu a menor taxa de homicídios desde o início da série histórica, em 2001.

Andressa Anholete/AFP

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