Folha de S. Paulo


Chacinas deixaram 54 mortos e apenas 7 presos nos últimos dois anos em SP

Ronny Santos/Folhapress
OSASCO, SP, BRASIL, 27-04-2017 - ESPECIAL CHACINAS - Zilda Maria de Paula, mae de Fernando Luis de Paula, morto com um tiro na testa na chacina de 13 de agosto de 2015, que veio ser a maior do periodo democratico da historia de Sao Paulo, em 2006*
Zilda Maria, mãe de Fernando, morto em agosto de 2015 em Osasco, na maior chacina do Estado

Nos últimos dois anos, pelo menos 54 pessoas foram mortas em seis grandes chacinas ocorridas na capital e na Grande São Paulo. E, pelos crimes, apenas sete suspeitos estão presos. São quatro policiais militares, dois GCMs (guardas civis metropolitanos) e uma mulher.

Na maior chacina do Estado, ocorrida em agosto de 2015, 23 pessoas foram mortas nas cidades de Osasco, Barueri, Itapevi e Carapicuíba. O promotor que acompanha o caso, Marcelo Oliveira, diz que três PMs e um GCM permanecem presos. "Dois recorreram, e dois vão ser submetidos ao Tribunal do Juri", diz. Para ele, o fato de haver quatro presos para 23 mortes atesta que "muitos outros acabam ilesos".

A promotora Sandra Reimberg afirma que, pela complexidade das investigações de chacinas, é de fato difícil encontrar todos os criminosos e puni-los. A opinião é compartilhada por Débora de Carvalho Aly, que ofereceu denúncia à Justiça quando quatro motoboys de uma pizzaria foram mortos, em setembro de 2015, na frente do trabalho.

Débora afirma que a maior dificuldade na resolução dos casos é que as provas vão enfraquecendo com o passar do tempo. "As testemunhas ficam com medo, esquecem os detalhes e caem em contradições, dificultando o andamento da apuração", diz.

Foi o que aconteceu no caso dos motoboys. Quatro PMs chegaram a ser presos temporariamente, mas agora estão em liberdade. Com o inquérito finalizado, a mãe do motoboy Carlos Eduardo de Souza, 18, a doméstica Leila Montilha, 42, diz não acreditar mais na palavra "justiça", embora ainda lute por ela.

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CARAPICUIBA, SP, BRASIL, 27-04-2017 - ESPECIAL CHACINAS - Leila e mae do jovem Carlos Eduardo, morto em chacina em 2015, em frente pizzaria em que trabalhava como motoboy em Carapicuiba. (Foto: Ronny Santos/Folhapress, ESPECIAL)
Leila Montilha, mãe do motoboy Carlos Eduardo, morto em chacina em 2015

"O próprio delegado me disse para deitar a cabeça no travesseiro em paz, porque meu filho era inocente. Que estava no lugar e hora errados", diz a mãe, chorando. Conhecido como Cadu, o jovem tinha o sonho de ser PM.

O pintor Fernando Luiz de Paula foi outra vítima. Viveu por 34 anos, até ser atingido por um tiro na testa enquanto tomava cerveja em um bar em Osasco (Grande SP), na chacina de 2015.

Naquele dia, outras 18 pessoas foram executadas no lado oeste da região metropolitana. Cinco dias antes, outras seis foram mortas a tiros na mesma área.

"Podem passar 10, 20, 30 anos que essa essa dor nunca vai passar. Eu morri junto com meu filho. Parece que, com o tempo, a dor só aumenta, nunca diminui", desabafa a mãe do pintor, Zilda Maria de Paula, 64.

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OSASCO, SP, BRASIL, 27-04-2017 - ESPECIAL CHACINAS - Zilda Maria de Paula, mae de Fernando Luis de Paula, morto com um tiro na testa na chacina de 13 de agosto de 2015, que veio ser a maior do periodo democratico da historia de Sao Paulo, em 2006. (Foto: Ronny Santos/Folhapress, ESPECIAL)
Zilda Maria de Paula teve quatro abortos antes de ser mãe do pintor Fernando

A mãe planejou por anos ter Fernando. Antes de conseguir engravidar, teve quatro abortos. "A gente queria e lutou muito para ter ele. Tudo isso para vir alguém e matar, como se fosse um nada. Mas vou lutar por Justiça até o fim da minha vida", diz.

AGENTES DE SEGURANÇA

A especialista em segurança pública Camila Dias Nunes, da UFABC (Universidade Federal do ABC), explica que as chacinas são crimes que costumam ter a participação de agentes de segurança.

"Sabemos que, em boa parte, há comprovação de indícios ou suspeita de agentes públicos, em sua maioria, policiais militares. Embora não dê para cravar, as chacinas têm uma dinâmica vinculada à ação de agentes públicos: geralmente com touca, motos ou veículos e armas de militares."

As mortes praticadas pelo crime organizado, segundo Camila, não são cometidas em locais públicos, não há várias vítimas e o corpo geralmente desaparece. "Os casos [de chacina] têm em comum jovens negros, de periferia e pobres. O que os associa ao mundo do crime e legitima essas atrocidades", complementa.

A Secretaria de Estado da Segurança Pública, sob a gestão Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou que a "eficiência das investigações das polícias Civil e Técnico Científica pode ser comprovada no próprio levantamento do 'Agora', no qual dos sete homicídios múltiplos abordados, cinco já foram esclarecidos".

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Chacinas dos últimos dois anos

18 de abril de 2015 - 8 mortos
Local: Quadra da Torcida Pavilhão 9, zona oeste de SP
O que aconteceu: Três homens renderam 12 pessoas na sede da torcida Pavilhão Nove. Quatro fugiram, os outros foram baleados
O que a polícia: 2 PMs indiciados, um deles preso e outro solto. Inquérito está em andamento

8 e 13 de agosto de 2015 - 23 mortos
Local: Osasco, Barueri,
Itapevi e Carapicuíba
O que aconteceu: No dia 8, seis pessoas foram mortas a tiros. No dia 13, mais 19 pessoas na mesma região. Segundo investigações, foi vingança de policiais pela morte de dois colegas
O que diz a polícia: Oito foram indiciados: 7 PMs e 1 GCM. Três PMs e um GCM foram presos e são réus. Os outros quatro foram afastados do trabalho operacional

19 de setembro de 2015 - 4 mortos
Local: Carapicuíba
O que aconteceu: Quatro jovens foram baleados no início da madrugada de um sábado, em frente a uma pizzaria, onde trabalhavam como motoboys
O que diz a polícia: 4 PMs foram presos temporariamente, mas foram soltos e hoje trabalham em funções administrativas

21 de outubro de 2016 - 5 mortos
Local: Mogi das Cruzes
O que aconteceu: Quatro rapazes contrataram motorista para irem a sítio encontrar garotas. Eles foram interceptados no caminho, sequestrados e mortos. Cartuchos de pistola de uso restrito a agentes do poder público foram encontrados no local do crime
O que diz a polícia: 1 GCM está preso preventivamente. Um novo inquérito apura eventual participação de outras pessoas. Caso está em segredo de Justiça

30 de dezembro de 2016 - 4 mortos
Local: Parque Edu Chaves, zona norte de SP
O que aconteceu: Por volta das 23h, duas pessoas entraram em bar e abriram fogo: 4 jovens foram mortos e 2 ficaram feridos
O que diz a polícia: Ninguém preso. O caso segue em investigação por meio de inquérito policial

5 de abril de 2017 - 10 mortos
Locais: Jaçanã (zona norte de SP), e Campo Limpo (zona sul)
O que aconteceu: Atiradores mataram ao menos dez homens em duas chacinas ocorridas num intervalo de uma hora
O que diz a polícia: No caso do Jaçanã, testemunhas estão sendo ouvidas. Uma mulher foi indiciada e presa. No outro caso, familiares e um sobrevivente foram ouvidos


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