Folha de S. Paulo


Doria promete acabar com cobradores de ônibus até 2020: 'Não faz sentido'

João Doria

Com aprovação recorde após três meses no cargo, o prefeito João Doria (PSDB) promete tomar duas medidas que irão atingir diretamente categorias com poder de paralisar a cidade de São Paulo.

Em entrevista à Folha, a primeira desde que assumiu o cargo, o tucano promete retirar os cobradores de todos os ônibus até o final de seu mandato. "Em nenhuma cidade civilizada do mundo tem cobradores dentro do ônibus".

Há cerca de 19 mil cobradores e 33 mil motoristas, que ameaçam greve sempre que esse tema volta às discussões.

Além disso, Doria diz que diminuirá o poder de empresários de ônibus ao cortar à metade o tempo de concessão do serviço, hoje em 20 anos.

Ele admite problemas na zeladoria e a necessidade de ajuste nos aplicativos de transporte. Na área política, diz que caixa dois deve ser punido e que "não instiga" a onda de sua candidatura em 2018.

Doria falou à Folha em seu gabinete, no início da noite de sábado (8). Antes de responder à primeira pergunta, leu rapidamente um resumo da pesquisa Datafolha (43% de aprovação), combinou 50 minutos de entrevista (cronometrada) e, enfim, deu o sinal: "Vamos que vamos".


Folha - O sr. completa quase cem dias de administração com aprovação recorde. A que atribui esse resultado?
João Doria - A uma gestão diferenciada, eficiente e ampla. Qualquer índice tão positivo como esse aumenta muito a responsabilidade.

Mas a reprovação subiu de 13% para 20%. Isso preocupa?
A pesquisa reproduz um momento bastante bom, mas que faz com que você tenha reflexão sobre acertos e o que não acertou. Mas se cristalizou num período curto claramente uma posição nossa antipetista e, com isso, aqueles que têm uma posição ideológica e partidária mais à esquerda, seja no PT, PSOL, PC do B, já sentem certa objeção, independentemente de estarmos acertando ou não. Da outra parte, temos que analisar com humildade e verificar onde temos que melhorar.

De onde viria a outra parte?
O cidadão não está analisando se a gente tem recurso ou não, se o caixa da prefeitura é suficiente ou não. Ele quer ação, quer respostas e ele tem o seu direito.

Uma aposta do sr. é a zeladoria, mas no começo do ano estava varrendo menos do que o seu antecessor, o número de buracos tapados não subiu, o serviço de queixas 156 não funciona bem. Não está aquém do esperado?
Minha visão continua sendo extremamente crítica. Temos que funcionar [no 156]: atender, realizar as demandas e comunicar a população. Toda semana tapamos mais de 5.000 buracos, por aí vocês podem imaginar quantos buracos ficaram da gestão anterior, foram milhares. Mas não adianta ficar culpando a gestão anterior. Sobre o lixo, não houve redução de varrição, houve uma redução de volume de lixo. [Sobre] buracos, temos que ser mais efetivos.

Segundo o Datafolha, metade acha que São Paulo está igual a quando o sr. assumiu. Qual é o prazo para resolver buraco, mato alto e semáforo apagado? Quando o sr. vai dizer: 'Agora é minha responsabilidade'?
Já é minha, eu não fujo.

O sr. encontrou o quadro que imaginava na prefeitura?
Os R$ 7,5 bilhões de déficit [em relação à expectativa de orçamento prevista por Haddad] não era exatamente o que esperávamos encontrar. De novo, não quero estigmatizar. Foi uma surpresa desagradável e vamos resolver. Não adianta ficar aqui fazendo o clube do choro.

Até quando as empresas terão fôlego para fazer doações de equipamentos à cidade?
Até quando puderem. Vejo o setor privado muito solidário com a cidade e com confiança na nossa gestão. É o conjunto disso que tem feito com que façam investimentos e continuem acreditando.

Isso não vai criar um constrangimento? O empresário não vai cobrar a fatura depois?
Não. Deixo claro que não estou ligando para oferecer nada, a não ser a oportunidade de ajudar a cidade. Todos os que ajudam fazem sem nenhum constrangimento.

O sr. já ouviu um não deles?
Até agora, não.

A pesquisa Datafolha mostra que esse processo de doações tem, para a maioria, pouca ou nenhuma transparência.
Tem a inovação, as pessoas não estão acostumadas. É a primeira vez que um gestor público faz esse tipo de ação.

O presidente Temer diz que não cometeu nenhum erro na gestão até agora. E o senhor?
Tenho muita autocrítica e não me falta humildade. Acertamos mais do que erramos, mas já reconheci no tema da av. 23 de Maio, quando apagamos as pichações sobre os grafites. Deveríamos ter tido o cuidado de pedir aos grafiteiros para nos acompanhar naquela ação. O grafiteiro é um artista. Eles se sentiram violentados e tinham razão.

Um erro só em três meses?
Relevante, sim. Mas sempre podemos melhorar.

Nem [errou ao] congelar a tarifa [em R$ 3,80 neste ano]?
Não houve nenhum erro. Foi uma decisão acertada e de sensibilidade social. O que nós vamos, sim, revisar, são algumas das gratuidades. Temos excesso de gratuidades.

COMO AS PASSAGENS SÃO PAGAS - Viagens no 3º trimestre de 2016, em %

O sr. está preparado para fazer um aumento da tarifa acima da inflação no ano que vem?
Não. Estamos preparados para fazer o que estamos fazendo: estudando e analisando com cuidado, compartilhando com as empresas, levando em conta que a cidade tem uma grande concessão para ser renovada.
Já determinei inclusive que ela será de dez anos, a metade do período atual. Vinte anos é um tempo demasiadamente grande para oferecer um serviço desse tipo. Entre outras medidas, isso não é polêmico porque há uma equação que está sendo feita, para gradualmente reduzir cobradores dentro dos ônibus.
Não faz sentido no século 21 preservar cobradores em ônibus. Nenhuma cidade civilizada do mundo tem cobrador dentro de ônibus e isso representa um custo altíssimo [R$ 800 mi/ano]. Nosso entendimento é que isso vai ser feito ao longo desses quatro anos, gradualmente. Nenhum cobrador será desempregado. Os cobradores, treinados, poderão ser motoristas ou atuar no plano administrativo.
O Bilhete Único representa 92% de toda utilização do serviço. Só 8% das pessoas pagam em dinheiro na catraca. Não faz sentido gastar R$ 800 milhões por 8% de um serviço que pode ser 0%.

O sr. acha que o transporte por aplicativo precisa de ajustes, aos menos na qualidade dos carros e dos motoristas, na segurança dos passageiros?
Precisa. Já orientei. Defendo os aplicativos, como defendo os taxistas também. Há espaço para todos. Mas é preciso que haja disciplina e controle adequado. Mas principalmente de isonomia. Não pode ter taxistas com ônus e uberistas ou outros aplicativos com meio ônus.

O sr. anunciou na campanha que não haveria loteamento político. Apesar disso, como sempre, os vereadores continuam tendo muita influência e indicando cargos. Não há uma contradição?
Só uma correção: muita influência, não. Influência pode ter. Normal, são vereadores. Mas muita influência, decidir, dizer essa secretaria é minha, nessa prefeitura regional quem manda sou eu, não tem. Nenhum.

OS CUSTOS DO SISTEMA (%) -

Na questão dos moradores de rua, há reclamações sobre as regras duras dos albergues. O sr. pretende flexibilizá-las?
Reclamam com razão. O sistema era ruim, estamos modificando isso. Tocar uma sirene para eles saírem para a rua às 5h? Isso acabou, já. É um absurdo. Ou você faz o acolhimento ou não faz. Se faz um acolhimento para punir a pessoa, não é correto.

Por que o sr. decidiu pagar uma dívida de R$ 91 mil de IPTU anos depois de uma pendência judicial enorme?
Paguei a dívida quando ela foi cobrada.

O senhor a reconhece?
Não só a reconheço como já paguei. Até que haja uma decisão dos juízes você nada deve. Essa decisão caberia recurso. Não recorri. Paguei.

O Datafolha perguntou o que a população acha de o sr. ser candidato em 2018, e a maioria [55%] quer que o senhor fique na prefeitura. Mesmo assim, continuará instigando este tipo de situação?
Não instigo. Sou prefeito e sigo prefeito. Prefeitar é o que de melhor eu posso fazer.

A gente vê um jogo de palavras. Por exemplo: 'Fui eleito para cumprir um mandato de quatro anos'. Depois o sr. fala: 'Vou ficar os quatro anos'. Isso não acelera essa onda?
Quem faz a onda não sou eu. É a opinião pública.

O senhor pode incentivar.
Não. Eu não tenho essa capacidade. Eu adoraria ter essa capacidade de manipular a opinião pública. A opinião pública é formada pela população. O povo é que decide.

Essa onda não pode constranger o governador Alckmin?
Nem um pouco. Nós temos uma ótima relação. Estamos falando diariamente. Geraldo Alckmin é o meu candidato à Presidência da República.

O sr. ao menos se considera no banco de reservas para 2018?
Nem banco de reservas nem na titularidade. Sou prefeito.

O sr. costuma mandar os petistas "para Curitiba". Nesse momento em que o PSDB é alvejado por delações, não falta uma autocrítica?
Curitiba é muito aprazível. Os petistas sabem disso. Frequentam com constância, alguns até estabeleceram endereço residencial em Curitiba. Eles gostam bastante. Mais do que os peessedebistas.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que é preciso diferenciar corrupção de caixa dois. O sr. concorda?
Na minha visão, a investigação tem que ser feita. Eu ingressei agora, minha campanha não teve caixa dois. Se no passado isso ocorria, se no passado isso era tolerado, isso era coisa do passado. Hoje, a Lava Jato estabelece um novo princípio. E esse princípio tem que ser respeitado.

O caixa dois, um crime eleitoral, não deve ser punido?
Claro. Na minha visão, sim.


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