Maria Eulina Hilsenbeck tinha 19 anos quando chegou em São Paulo, vinda do Maranhão, na década de 70, com quase nenhum dinheiro e algumas joias, que serviram para pagar por uns poucos dias em um pensionato.
Sem conseguir um emprego, não teve outra escolha a não ser sobreviver pelas ruas do centro. Tinha medo da cidade e não conseguia dormir à noite, então caminhava a madrugada inteira e só descansava quando amanhecia.
Os raros momentos de sono durante a noite aconteciam quando o porteiro do famoso Castelinho na esquina da rua Apa com a avenida São João, em Campos Elíseos, região central da cidade, deixava a porta da guarita aberta quando ia tomar um café.
Era ali, dentro do Castelinho, que Maria Eulina se abrigava. "Eu falava com Deus, dizia que aquele prédio ia ser meu e eu faria uma obra social para atender as pessoas, como um compromisso meu com o universo", diz.
Danilo Verpa/Folhapress | ||
O Castelinho da rua Apa, no centro de SP, será inaugurado nesta quinta-feira (6), após restauro |
Quase cinco décadas de tentativas depois, ela consegue realizar seu sonho. Nesta quinta-feira (6), o Castelinho é inaugurado como sede da ONG Clube de Mães do Brasil, que ela criou em 1993 para assistir pessoas em situações de vulnerabilidade social.
A inauguração começa às 10h, com apresentação de uma peça musical do Theatro São Pedro. O evento é aberto.
Os dois andares recém-restaurados vão abrigar oficinas profissionalizantes para todos os tipos de público. A cozinha industrial receberá alunos de escolas municipais, que vão aprender sobre alimentação saudável, além de um projeto que pretende ceder o espaço para que refugiados resgatem sua cultura por meio de comida e integração.
Aos 66 anos, finalmente Maria Eulina é dona de seu castelo.
CAMINHO
Quando conseguiu sair das ruas a jovem de 21 anos começou a realizar trabalhos sociais e fez seu primeiro pedido à União para obter a posse do imóvel. "Fui atendendo as necessidades das pessoas, fazendo o que eu podia em termos de políticas públicas, dando o meu máximo", conta.
À medida que Maria Eulina se recuperava ajudando quem precisava, o Castelinho se deteriorava.
O imóvel centenário, abandonado desde a trágica morte de seus donos originais (os dois irmãos Reis e a mãe foram encontrados mortos na casa, em 1937), passou por disputas de herança, ocupação por moradores de rua e chegou a ser feito de ferro velho.
A concessão só veio em 1997, seguida de um pedido de tombamento pelo Conpresp (órgão de preservação municipal) e do restauro do prédio. Todo o dinheiro necessário veio de recursos públicos conseguidos por Maria Eulina. A essa altura, a ONG já ocupava o prédio anexo e tocava seus trabalhos.
Vinte anos separam a concessão do imóvel para o projeto de Maria Eulina do evento desta quinta e nem o tempo foi suficiente para que ela começasse a acreditar que seus planos deram certo.
"A minha ficha não caiu ainda. É maior do que ganhar na loteria, vai além de qualquer coisa. Porque ele não é só meu, é nosso, da cidade, de todo mundo", afirma.
Ela comemora que a construção abandonada por tanto tempo vai ganhar vida como uma conquista da cidade. "Esse Castelinho nem vai precisar mais da Maria Eulina", ela diz. "Agora, todo mundo vai tomar conta".