Folha de S. Paulo


Sumiço de nascente pode embargar megacondomínio ao lado da Billings

Às margens da represa Billings, na zona sul de São Paulo, um megaempreendimento alvo de intensa polêmica para sair do papel agora corre o risco de ser paralisado.

Trata-se da construção de prédios do Minha Casa Minha Vida na área chamada de parque dos Búfalos (zona sul), criada na gestão Gilberto Kassab (PSD) e alterada depois por Fernando Haddad (PT) para receber as moradias.

Nas últimos meses, moradores e peritos do Ministério Público detectaram sérios danos ambientais, como o sumiço de nascentes na região, o que levou a Promotoria a pedir o embargo das obras para evitar maiores danos ao abastecimento da Billings.

O problema para eles é que o empreendimento está praticamente pronto. São 193 prédios que irão abrigar cerca de 15 mil pessoas do lado de um dos principais mananciais da Grande São Paulo.

O projeto vai ocupar 280 mil m² de uma área de 830 mil m² destinada ao parque.

Metade das pequenas torres, de cinco andares cada, está erguida. A terraplenagem está 100% concluída. A entrega das chaves deve ocorrer nas próximas semanas, se sair a licença final da Cetesb. O órgão ambiental do governo do Estado informa que fez vistorias no local este ano e que nenhum dano ambiental às nascentes, segundo os técnicos do órgão, foi detectado.

"O ponto de análise [da água] que existia na área do parque sumiu. As nascentes estão assoreadas", diz a bióloga Cibele Gomes Leite, que participa de um projeto de monitoramento da qualidade da represa. "Nasci aqui e estou vendo tudo isso mudar."

Editoria de Arte/Folhapress

À beira da Billings, em um sítio improvisado, vive há quase 30 anos José de Oliveira Neto, 54, o Zequinha. Nascido na Bahia, ele sobrevive com ajuda do Bolsa Família e da venda de algumas bananas e outros vegetais que cultiva no terreno íngreme.

"Por mim, essa obra nunca teria saído. Mas quem sou eu para conseguir isso? Está tudo mudando, tiraram todo o verde que havia lá em cima."

Segundo o sitiante, a nascente que passa pela sua área ainda está com água. "Mas os pássaros, como as corujas buraqueiras, foram embora daqui." A situação dos pássaros é outro problema levantado pelo estudo da Promotoria.

Segundo esse documento, a única forma de evitar que as nascentes ligadas à Billings não sequem seria construir menos prédios do que os previstos no projeto inicial.

"O que queremos é que tudo seja bem feito. Que as compensações ambientais funcionem e o parque programado para a região seja construído", diz a bióloga Cibele.

A Justiça não acatou o pedido de liminar para barrar a obra, mas a ação segue. O objetivo jurídico é reverter os eventuais danos ambientais.

NOVA DEMANDA

Apesar da iniciativa da Promotoria, outros grupos locais são favoráveis ao empreendimento, como comerciantes que aguardam a demanda dos novos vizinhos. Na região do Jardim Apurá, é visível o avanço de farmácias, padarias e restaurantes.

"O movimento do comércio até vai crescer, mas, se tivesse mais infraestrutura sendo construída, pessoas de outras regiões frequentariam o local, dando ainda mais movimento", diz Armando Santos, dono de uma loja de moda feminina, que diz estar preocupado com o projeto.

Segundo ele, apesar da expectativa de alguns comerciantes, existe o temor de que a região sofra ainda mais com a precarização do local.

"Sabemos que o resultado de um monte de pessoas em um lugar sem dar as condições mínimas de educação, saúde, lazer e segurança pode gerar um bairro perigoso e com uma forte desvalorização."

NORMAS CUMPRIDAS

Segundo a Cetesb, a agência ambiental do governo do Estado de São Paulo, todo o licenciamento do megacondomínio foi feito dentro das normas. O órgão diz que técnicos vistoriaram o local neste ano e nenhuma irregularidade foi detectada.

Ponto levantado pelo Ministério Público, o fato de ter ocorrido dispensa do EIA/Rima (estudo e relatório de impacto ambiental) é minimizado pelo órgão ligado à gestão Geraldo Alckmin (PSDB).

"Estudos mais complexos, como o EIA/Rima, são normalmente solicitados para obras como rodovias, ferrovias, reservatórios de água, indústrias ou outros de maior impacto ambiental", informa a nota da Cetesb.

Segundo o órgão, o RAP (relatório ambiental preliminar, documento exigido no caso do parque dos Búfalos) é tão legítimo quanto o EIA/Rima no subsídio da avaliação de impactos ambientais, mesmo se tratando de uma área de manancial.

Gilberto Natalini, secretário de ambiente da gestão de João Doria (PSDB) e um grande crítico ao empreendimento na gestão passada, quando era vereador, diz que não adianta discutir o passado.

"Nós estamos trabalhando no projeto do parque. Temos R$ 3 milhões para fazer o projeto básico [recurso obtido via verba parlamentar, após pressão de ambientalistas locais], que está sendo estudado, e para cercar toda a área. E isso será feito nos próximos meses."

Não existem recursos disponíveis para a implantação do parque. O distrito de Cidade Ademar, onde está a obra, tem a pior relação de metro quadrado de área verde por habitante da capital paulista.


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