Folha de S. Paulo


Castelinho reabre como sede de ONG para moradores de rua no centro de SP

Danilo Verpa/Folhapress
Castelinho da rua Apa será inaugurado como sede de ONG voltada para moradores de rua
Castelinho da rua Apa será inaugurado como sede de ONG voltada para moradores de rua

Quando as portas do Castelinho da rua Apa, no centro de São Paulo, forem abertas na manhã desta quinta (6), mais um capítulo será acrescentado à sua história centenária de disputa por herança, ocupação, abandono, restauração, e o crime misterioso que o fez ficar conhecido.

O imóvel, que passou por décadas de abandono após a morte de seus moradores, reabre como sede da ONG Clube de Mães do Brasil, fundada em 1993 pela ex-moradora de rua Maria Eulina Hilsenbeck para assistir pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Desde a década de 70 tentando usar a área do Castelinho como casa do projeto, que já ocupava o imóvel anexo a ele, Maria Eulina conseguiu restaurar o espaço com verba do FID (Fundo Estadual de Interesses Difusos) e realizar o sonho que tinha desde quando vivia nas ruas e passava noites no imóvel.

O pé direito alto, elementos medievais e ladrilhos foram mantidos ou reproduzidos fielmente pelos restauradores a partir de fotos da época e do projeto original, de 1910. Quando começou a ser restaurado, o imóvel, de 180 m² e dois andares não tinha telhado ou assoalho em alguns cômodos e poucas peças originais restaram.

Próximo ao teto da cozinha, o detalhe que passa por toda a parede do cômodo foi restaurado, mas uma parte original foi deixada como lembrança de que se trata de uma construção histórica.

"Foram mãos e mãos me ajudando. Comigo não existiu isso do 'aconteceu', do 'caiu do céu'. Foi uma luta muito grande, anos de espera batendo em portas fechadas. Era sempre não", conta.

PROJETOS
Os doze cômodos divididos dão espaço suficiente para abrigar todos os projetos que a ONG vai oferecer. As oficinas de corte e costura, modelagem, bordado, artesanato e marcenaria já oferecidas no anexo, além do 'Projeto Ecoarte', cujo foco é a produção de objetos sustentáveis para venda, ganharão mais espaço.

"Nós colocamos na mesma sala moradores de rua, empregadas domésticas, gerentes de loja, professores, porque essa coisa toda de desigualdade, categorias sociais, é tão boba. Tão sem sentido. Eu gosto muito da vida compartilhada", diz Maria Eulina.

A grande novidade é a cozinha industrial, onde alunos de escolas municipais vão aprender sobre alimentação saudável e orgânica. Os produtos serão recebidos de hortas orgânicas e uma criação de tilápias mantida pela ONG em Poá (SP).

Um novo projeto, a "Cozinha Refúgio", pretende ceder a cozinha para refugiados no fim da semana. Nas noites de encontros, essas pessoas poderão resgatar sua cultura através da cozinha, artesanato e integração com a comunidade.

Danilo Verpa/Folhapress
Maria Eulina, fundadora da ONG que desde a década de 70 tenta ter o Castelinho como sede
Maria Eulina, fundadora da ONG que desde a década de 70 tenta ter o Castelinho como sede

Para manter as despesas da manutenção do castelo, Maria Eulina pretende alugá-lo temporariamente para eventos corporativos e escritórios compartilhados. No resto do tempo, ele funcionará como o ponto de cultura e atenção que ela sempre planejou.

"Ele não é só meu, é nosso, da cidade, de todo mundo. É das crianças que passam pelo Minhocão [Elevado Presidente João Goulart] e gritam que amam o Castelinho. Eu acredito que quando se tem amor, esperança, fé, quando se acredita no coletivo, tudo acontece", afirma ela, que aprovou o resultado da restauração. "Ele está lindo, lindo, muito lindo".

HISTÓRIA
Na noite de 12 de maio de 1937, após uma discussão por causa dos negócios da família, o empresário Álvaro César dos Reis, então com 45 anos, foi encontrado morto no imóvel ao lado do irmão Armando, 42, e da mãe, Maria Cândida, 73. Álvaro foi apontado como o autor dos crimes que logo depois se suicidou.

Desde então, o Castelinho da rua Apa, localizado nas esquinas da rua Apa com a avenida São João, passou para as mãos do governo federal, virou ferro-velho e acumulou uma série de histórias sobrenaturais ligadas ao crime dos Reis. Nesse meio tempo, ficou em ruínas nos anos 70 e, na década de 80, foi invadido por moradores de rua.

Construído entre 1912 e 1917, o prédio foi tombado pelo Conpresp (órgãos de preservação municipal). Desde março de 1997, o espaço foi cedido ao Clube de Mães do Brasil, que utilizava o anexo do imóvel desde então.

A inauguração do Castelinho original será realizada nesta quinta, a partir das 10h, com apresentação de uma peça musical do Theatro São Pedro. O evento é aberto.


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