Folha de S. Paulo


'Errei', diz José Mayer sobre denúncia de assédio sexual à figurinista

Após negar a acusação de assédio sexual feita por uma figurinista da TV Globo, o ator José Mayer, 67, divulgou uma carta nesta terça-feira (4) na qual afirma que errou, pede desculpas e diz que passa por um processo de mudança.

No dia anterior, o ator fora avisado pela emissora de que, diante da denúncia feita por Susllem Tonani, 28, ele seria suspenso de produções futuras dos Estúdios Globo por tempo indeterminado.

Mayer estava escalado para a próxima novela das 21h, prevista para ir ao ar em 2018, mas ficará de fora do elenco.

"Mesmo não tendo tido a intenção de ofender, agredir ou desrespeitar, admito que minhas brincadeiras de cunho machista ultrapassaram os limites do respeito com que devo tratar minhas colegas", diz trecho da carta.

Sem comentar as situações específicas denunciadas, o ator diz: "Errei no que fiz, no que falei, e no que pensava. A atitude correta é pedir desculpas. Mas isso só não basta. É preciso um reconhecimento público, que faço agora".

Nesta terça, funcionárias da Globo fizeram um protesto em apoio à figurinista –foram trabalhar usando camisetas com a frase "Mexeu com uma, mexeu com todas". A manifestação também se espalhou em redes sociais.

Para Luiza Eluf, ex-secretária nacional dos Direitos da Cidadania, que participou do movimento que transformou assédio em crime no Brasil, o caso será divisor de águas.

"Foi infortuno para a vítima, mas, para a sociedade brasileira, foi um avanço. Em primeiro lugar, porque ela teve coragem de apontar o dedo para um ator popular. Em segundo, porque a emissora se posicionou em favor da vítima, o que é fundamental. Em terceiro, por causa da reação dele, que se sentiu tão constrangido que veio a público pedir desculpas."

Lei de 2001 prevê detenção de até dois anos por "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual", prevalecendo-se da "condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função".

CAMARIM

Em relato publicado no blog #AgoraÉqueSãoElas, da Folha, na sexta (31), Susllem disse que o ator colocou a mão na genitália dela em fevereiro, dentro do camarim da TV Globo, no Rio, "na presença de outras duas mulheres".

A figurinista diz que recebia cantadas de Mayer havia oito meses, sem que suas negativas surtissem efeito.

"Do 'como você se veste bem', logo eu estava ouvindo: 'como a sua cintura é fina', 'fico olhando a sua bundinha e imaginando seu peitinho', 'você nunca vai dar para mim?'", contou Susllem.
A figurinista diz que avisou a Globo dos assédios antes de torná-los públicos. A emissora afirmou, então, que tomaria as medidas necessárias.

Na sexta, após a acusação, Mayer disse pedir "a todos que não misturem ficção com realidade". "As palavras e atitudes que me atribuíram são próprias do machismo e da misoginia do personagem Tião Bezerra, não são minhas!"

Nesta terça, mudando de posição, o ator se disse "fruto de uma geração que aprendeu, erradamente, que atitudes machistas, invasivas e abusivas podem ser disfarçadas de brincadeiras ou piadas. Não podem. Não são".

A TV Globo reafirmou a posição de nota da última sexta em que dizia repudiar "toda e qualquer forma de desrespeito, violência ou preconceito".

A emissora, que lembra o "enorme talento" do ator e os "grandes serviços prestados à Globo e às artes brasileiras" citou reunião com grupo de atrizes, diretoras e produtoras no domingo (2), quando informou a decisão de suspender Mayer de produções futuras, por tempo indeterminado.

"A Globo lamenta que Susllen Tonani tenha vivido essa situação inaceitável num ambiente que a emissora se esforça cotidianamente para que seja de absoluto respeito e profissionalismo. E, por essa razão, pede a ela sinceras desculpas", disse.

*

Leia a íntegra da carta, divulgada pela assessoria de imprensa do ator:

"Carta aberta aos meus colegas e a todos, mas principalmente aos que agem e pensam como eu agi e pensava:

Eu errei.

Errei no que fiz, no que falei, e no que pensava.

A atitude correta é pedir desculpas. Mas isso só não basta. É preciso um reconhecimento público que faço agora.

Mesmo não tendo tido a intenção de ofender, agredir ou desrespeitar, admito que minhas brincadeiras de cunho machista ultrapassaram os limites do respeito com que devo tratar minhas colegas. Sou responsável pelo que faço.

Tenho amigas, tenho mulher e filha, e asseguro que de forma alguma tenho a intenção de tratar qualquer mulher com desrespeito; não me sinto superior a ninguém, não sou.

Tristemente, sou sim fruto de uma geração que aprendeu, erradamente, que atitudes machistas, invasivas e abusivas podem ser disfarçadas de brincadeiras ou piadas. Não podem. Não são.

Aprendi nos últimos dias o que levei 60 anos sem aprender. O mundo mudou. E isso é bom. Eu preciso e quero mudar junto com ele.

Este é o meu exercício. Este é o meu compromisso. Isso é o que eu aprendi.

A única coisa que posso pedir a Susllen, às minhas colegas e a toda a sociedade é o entendimento deste meu movimento de mudança.

Espero que este meu reconhecimento público sirva para alertar a tantas pessoas da mesma geração que eu, aos que pensavam da mesma forma que eu, aos que agiam da mesma forma que eu, que os leve a refletir e os incentive também a mudar.

Eu estou vivendo a dolorosa necessidade desta mudança. Dolorosa, mas necessária.

O que posso assegurar é que o José Mayer, homem, ator, pai, filho, marido, colega que surge hoje é, sem dúvida, muito melhor.

José Mayer".


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