Folha de S. Paulo


opinião

Caso Bruno não serve para discutir trabalho para ex-presos

Adriano Vizoni/Folhapress
O goleiro Bruno treina no CT do Boa Esporte, em Varginha (MG)
O goleiro Bruno treina no CT do Boa Esporte, em Varginha (MG)

A imagem do -goleiro Bruno distribuindo autógrafos para um grupo de meninas mostra, sem necessidade de palavras, a inconveniência de seu retorno ao futebol.

O estrépito e a indignação em torno do episódio não servem de balizamento para uma polêmica relevante: oportunidade de trabalho para condenados e egressos do sistema penitenciário.

Bruno reivindica o direito de recomeçar a vida, mas o seu momento não é de recomeço. Tem uma pena a cumprir. Tem culpa quem o contratou. É inusitada a "altivez" do clube, que não se importa com a perda de patrocínios nem com a rejeição da opinião pública. Já foi dito em redes sociais, parece filme do Batman.

Se é que tudo é verdade (o júri é soberano e o réu não emite sinais de genuína inocência), o crime tem circunstâncias medonhas. Está solto pela incompetência crônica do Judiciário que não conseguiu julgar seus recursos enquanto o manteve detido.

É o escândalo, o glamour futebolístico, que incomoda. Se ele estivesse trabalhando como técnico em informática, o impacto da soltura seria mais reduzido.

Jogadores são tratados como celebridades, como exemplos de superação e ascensão social. A volta temporária de Bruno ao cenário esportivo, pela banalização da brutalidade, ofende o Brasil, não apenas a cidade de Varginha, em Minas Gerais, e suas mulheres. É absolutamente imoral a perspectiva de brilhar como atleta, neste instante, ainda que na segunda divisão.

Seria o mesmo que o ex-governador Sérgio Cabral, na hipótese de ser solto enquanto responde às acusações de corrupção no Rio de Janeiro, assumir a direção do Museu do Amanhã ou ser mestre-sala de escola de samba.

REINCIDÊNCIA

O Brasil tem (não se sabe com exatidão) mais de 700 mil presos –cinco vezes a população estimada de Varginha, que sedia o clube de futebol com o sugestivo nome "Boa".

A inserção desse significativo exército de gente anônima na população economicamente ativa, essencial para reduzir a reincidência criminal, depende de políticas públicas ainda não implementadas no Brasil e em diversos países.

Nos EUA, o gigantismo é mais dramático. Há 2,2 milhões de presos e mais de 6 milhões de pessoas submetidas a algum tipo de vigilância e controle: prestação de serviços, tornozeleira, comparecimento periódico, participação em ações educacionais ou terapêuticas etc.

A capacidade de estigmatizar a pessoa faz do cárcere (assim como do sistema judicial) uma instituição perversa. Além de marcar a alma do preso, pelo confisco da liberdade e pela humilhação suprema, a prisão atinge a reputação pessoal de forma indelével e concreta: é simples, o empregador escolhe quem não tem antecedentes criminais.

As informações processuais são acessíveis. Não há como embaraçar a cobertura jornalística. Como resolver o impasse, sobretudo em época de profunda recessão e desemprego? É justo tirar vagas de trabalho daqueles que não delinquiram e oferecê-las para os que passaram pela prisão?

O estabelecimento de cotas é um caminho? Conceder incentivos fiscais? Como absorver milhares de pessoas que anualmente entram e saem das cadeias? É papel das grandes corporações, dos pequenos negócios, das agências estatais, das igrejas, das universidades? O poder público deve estimular criação de cooperativas, o empreendedorismo? É muita gente. É cada vez mais gente. E muita gente não precisaria ser aprisionada.

Se nada for feito, viverão como desvalidos, sem eira nem beira.


Endereço da página:

Links no texto: