Folha de S. Paulo


Greve afeta metrô e ônibus, e aplicativos miram passageiros

Zanone Fraissat/Folhapress
SAO PAULO/SP BRASIL. 07/02/2017 - Mensagem com numero de carros na fila de espera - Carlos Henrique Luziano Lima, 33 (a esq em pe) e Weberson souza Zuke, 28, Motoristas do Uber tem esperado ate quatro horas para conseguir fazer uma viagem no aeroporto de Guarulhos, eles costumam ficar em um bolsao no bairro Cecap, ao lado do aeroporto.(foto: Zanone Fraissat/FOLHAPRESS, COTIDIANO)***EXCLUSIVO***
Mensagem com numero de carros na fila de espera de aplicativo

Para chegar ao centro saindo da zona norte na manhã desta quarta (15), a faxineira Alessandra Aparecida, 38, está preparada para uma experiência inédita. Espera conseguir um micro-ônibus da Brasilândia, onde vive, ao terminal Vila Nova Cachoeirinha. Do terminal ao centro, onde trabalha, vai chamar, pela primeira vez na vida, um Uber.

Uma greve atípica, envolvendo ônibus e metrô, afeta os dois principais meios de transporte público de São Paulo nesta quarta-feira.

É também a primeira grande paralisação na cidade na era dos aplicativos de motoristas de carros –fenômeno que, embora incapaz de suprir a demanda da população, é explorado pelas empresas, que anunciaram descontos para atrair usuários.

Motoristas e cobradores de ônibus, metroviários, professores estaduais e municipais e outras categorias anunciaram paralisações em protesto contra as reformas trabalhista e da Previdência Social propostas pelo governo federal, de Michel Temer (PMDB).

Como fica o transporte

No caso do metrô e dos ônibus, houve decisões da Justiça trabalhista, a pedido dos governos Geraldo Alckmin (PSDB) e João Doria (PSDB), determinando a manutenção de pelo menos parte do efetivo. Os sindicatos não obedeceram.

Além do transporte coletivo, a situação do trânsito deverá ficar complicada durante o dia –há um protesto marcado para as 16h na av. Paulista. A prefeitura anunciou a suspensão do rodízio (para finais de placa 5 e 6) e a liberação do estacionamento em vagas de Zona Azul, dentre outras medidas.

A paralisação dos condutores de ônibus está prevista para durar até as 8h –mas os transtornos devem se estender ao longo do dia, diante da demora para saída das garagens e acúmulo de usuários.

Os veículos do chamado sistema local –operado pelos antigos perueiros na periferia– não deverão ser afetados.

No caso do metrô, a greve prevista é por 24 horas. Apesar da decisão judicial exigindo 100% do efetivo no pico e 70% no resto do dia, eles confirmaram na noite desta terça (14), em assembleia, que a paralisação está mantida.

Os metroviários atuam nas linhas 1-azul, 2-verde, 3-vermelha, 5-lilás e 15-prata. A 4-amarela, operada pela iniciativa privada, terá atividades normais, de acordo com a concessionária Via Quatro.

Os ferroviários, divididos em três sindicatos diferentes, não devem parar na CPTM.

APLICATIVOS

Na onda do protesto, surfam os aplicativos de transporte que atuam em diversas cidades há quase dois anos, e que pipocaram em 2016.

Três dos quatro principais anunciaram promoções. A Easy, a 99 e o Cabify oferecerão corridas pela metade do preço –e a 99 até dobrará o valor repassado aos motoristas que fizerem mais de cinco viagens. Já a Uber não anunciou desconto.

Entre os motoristas do aplicativo, porém, o assunto era esse. "Caros, dia de faturar com a greve dos metroviários", escreveu nesta terça um motorista num grupo no Facebook. "Vamos ficar ricos, tenho certeza", disse outro.

"O medo é do trânsito e da bagunça", diz o motorista do Uber Adilson Fróes, 48. "E que, com a demanda, o preço vá lá para cima e as pessoas desistam." O aplicativo funciona com o conceito de preço dinâmico: quando sobe a procura, sobe também o preço.

A lojista Larissa Silva, 23, testava no aplicativo, na noite desta terça, seu trajeto da Luz até a Santa Cecília, no centro. Para saber o preço real, terá de repetir o teste na quarta. "Se ficar muito caro, nem vou trabalhar."

"É o único jeito", diz o porteiro Marcondes Cerqueira, 25, resignado com a impossibilidade de chegar de Itaquera, na zona leste, ao centro, onde ele trabalha. "Vou gastar uma grana, mas vou chamar carro por um aplicativo."

O advogado Douglas Costa, 24, cogitava duas soluções diferentes: ou ele pegaria nesta quarta um trem de Itapevi (Grande SP) para o centro, e de lá um Uber até seu escritório, na av. Faria Lima; ou ele dormiria no trabalho, sem ter que se preocupar com a paralisação no dia seguinte.

"Da última vez que houve uma greve assim, me lasquei. Agora, posso colocar uma série no escritório e dormir lá."

Parte dos passageiros antecipa confusão e preços altos. "De onde eu moro até onde eu trabalho, a viagem sai R$ 80 em dias normais. Imagina em um dia como esse?", questiona Fábio Andrade, 38, que trabalha no Mackenzie, na Consolação, e mora em Perus, na zona norte. "Sem chance. Não vou trabalhar.

INSUFICIENTE

Apesar do crescimento dos carros por aplicativos e descontos oferecidos pelas empresas, esse transporte é insuficiente para evitar transtornos significativos com a paralisação de metrô e ônibus.

Especialistas em engenharia de tráfego ouvidos pela Folha avaliam que os impactos devem ser semelhantes aos de paralisações anteriores do transporte público: muitos faltarão ao trabalho, haverá congestionamentos acima da média e a alta demanda de passageiros deve lotar terminais e dar margem ao transporte clandestino.

"O impacto é sempre enorme. É uma massa muito grande que tem que se valer de outros meios, que não dão conta", disse Luiz Carlos Néspoli, superintendente da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos).

aplicativos dão descontos -

FROTA

A frota de táxis na capital paulista é próxima de 38 mil veículos. A de carros de aplicativos é oficialmente mantida sob sigilo –mas um secretário de Doria disse em fevereiro que havia cerca de 50 mil.

No caso dos ônibus, a frota do sistema estrutural, que será afetada, é de 8.700 veículos, mas que levam muito menos gente.

O arquiteto Flamínio Fichman, consultor em trânsito e transporte, diz que "nem de longe" os aplicativos suprem a demanda. "Eles têm capacidade para algumas milhares de viagens. A oferta é muito pequena na comparação com ônibus e metrô."

Além disso, um fator que pode inibir a utilização de aplicativos é um possível aumento de preço momentâneo –no caso da Uber, que detém a maior parte dos carros. Ela adota uma tarifa dinâmica, que cresce à medida que a demanda sobe.

O engenheiro Horácio Figueira, consultor em mobilidade, diz que, sem metrô e ônibus, "não tem Paese que resolva" –referência ao reforço de transporte coletivo adotado pelo poder público para suprir desfalques em greves pontuais na capital paulista.


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