Folha de S. Paulo


Los Angeles mantém disque-denúncia 24 h e pinta muro até cansar pichador

Pablo Azurdia já perdeu a conta. Todo dia, os muros de seu bairro acordam pichados. Todo dia, ele vai lá repintá-los. Ele trabalha para uma das 13 empresas que a prefeitura de Los Angeles contrata para remover grafites ilegais, uma atividade que custa à cidade US$ 7,5 milhões por ano.

"A gente pinta por cima e repinta até eles perceberem que aqui não vão durar. Às vezes eles param, mudam para outro canto", diz Pablo, 22, filho de guatemaltecos e pai de um menino de 3 anos.

Ele trabalha para o grupo Coalização para Desenvolvimento Comunitário Responsável (CRCD na sigla em inglês), que há dez anos dá cursos e empregos para jovens de baixa renda na zona sul da cidade.

Diariamente, cinco caminhonetes saem às 6h30 para limpar os bairros da região, com quatro ou cinco pessoas a bordo. Além de funcionários como Pablo, há também gente que precisa pagar horas de serviço comunitário por infrações como multas de trânsito. Na caçamba de cada veículo, estão rolos, máquina de spray e cerca de 15 baldes de tinta de cores diferentes, todas a base de água.

"É a tinta mais barata que você acha no mercado. Pintamos os mesmos lugares várias vezes, não tem por que ser tinta cara", diz um dos coordenadores da CRCD, Omar Orozco, 33.

Pablo graduou no programa de dois anos para jovens da CRCD e hoje é um dos especialistas em remoção mais disputados pela habilidade de lidar com as tintas e saber sempre onde haverá grafite.

Quando menor, ele mesmo costumava pichar muros, mas mudou de lado ao virar pai. "Queria fazer mais dinheiro para criar meu filho", diz. "Vi amigos se metendo com gangues, indo preso, aparecendo morto. Queria tomar outro rumo."

Numa quinta-feira de fevereiro, Pablo saiu acompanhado de Armando Acevedo, seu supervisor e há sete anos na CRCD. A primeira parada da dupla é o muro de uma fábrica num bairro residencial. Dá para ver as várias camadas de tinta. Os dois examinam a cor, separam os rolos e fazem o serviço em dez minutos.

"No começo, tinha medo porque tem muita gente doida em Los Angeles. Você não sabe de quem está tirando o grafite. Eles ficam bravos", diz Pablo, usando colete refletor, óculos escuros e boné, tudo sujo de tinta fresta. "Já aconteceu de eu estar pintando aqui e o cara ir pichar na calçada atrás de mim. Hoje, nem ligo, nem digo nada. Volto umas horas depois e repinto."

De fato, não é raro que um carro da polícia acompanhe o trabalho. Numa rua de casas simples, Pablo e Armando encontram o policial Michael Fernandez, há 20 anos no Departamento de Polícia de Los Angeles. Ele dá uma aula de picho, identificando as assinaturas de gangues, como Florencia 13 (F13), Playboys, Barrio Mojados (BMS) e Blood Stone Villians (BSV).

"É mais fácil pintar por cima do que ficar prendendo, indo atrás destes caras. Temos mais o que fazer", diz Fernandez. "Pichação de gangue é um problema porque eles se matam por causa disto e traz violência para os bairros. Fora que degrada os imóveis, parece que ninguém está cuidando."

APP E TELEFONE

Em Los Angeles, onde latinhas de spray são vendidas apenas para maiores de 18 anos, os moradores contam com um aplicativo e uma linha telefônica 24h para fazer pedidos de remoção –em 2016, foram 130 mil ligações. A cidade também recebeu US$ 23 mil em multas, valor pequeno comparado aos gastos e prova de que poucos são pegos de fato.

Numa padaria, um funcionário que varre a calçada interrompe a função quando vê o carro da dupla se aproximar. Ele traz tortas de nozes de presente. "Toda semana acontece isto", diz o padeiro mexicano Leonardo Vanda, 54, apontando para os pichos. "Às vezes estou de madrugada no forno e sinto o cheiro do spray. Piorou muito desde que cheguei aqui, há 30 anos."

De volta ao carro, Armando faz um tour nos murais de grafite que nunca apagaria por terem sido feitos com autorização ou porque donos dos imóveis pediram para deixar. Ao ser questionado se a repetição de pintar por cima não parece em vão, ele reconhece que está numa batalha perdida. "Eles escrevem [picham] demais. E a gente só pode fazer a nossa parte e apagar. É uma luta constante, um trabalho de contenção."


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