Folha de S. Paulo


Gordinhos rompem imposição, tiram abadá e saem de barriga no Carnaval

Para alguns, é preciso uma dose de coragem: às vezes, isso significa uma lata de cerveja ou um copo de catuaba. Ou, talvez, seja só para aliviar o calor do verão. Para outros, pode ser uma bandeira de autoafirmação: sou pançudo mesmo, estou feliz, e daí?

Então eles tiram a camiseta –ou o abadá– e mostram, sem vergonha nenhuma, a rechonchuda barriga no meio da multidão que corre atrás do bloco de Carnaval.

Não é nada anormal ter um ventre gorducho. Pesquisa do IBGE de 2015 aponta que 82 milhões de pessoas estão acima do peso no Brasil.

No Carnaval, porém, os musculosos parecem reinar pelas ruas. Ou tentam. Depilados, eles costumam andar em bandos pelas vias lotadas de foliões. Buscam o que muita gente deseja no Carnaval: alguém para beijar.

Os músculos à mostra são uma forma de sedução e de conseguir o objetivo sem muita dificuldade, ou mesmo sem empenho.

Os gordinhos sem camisa desfilam em menor número.

"Nos blocos tem muito gordo, sim. Mas poucos se aventuram. Eu mostro a barriga mesmo, não tenho vergonha, sou o que sou", explica o administrador Mateus, 34, pançudo orgulhoso, no bloco Tô de Bowie, que desfilou na terça (28) no centro de SP.

Mateus mostra o bucho à vontade no vale do Anhangabaú, mas pede para a reportagem não revelar seu sobrenome. "Pelo amor de Deus... sabe como é, me separei agora. Melhor não me expor", explica. Então tá.

No mesmo bloco, o professor Cláudio José Alves, 47, também não teve medo de tirar a camiseta. "Tem a questão do calor. Mas a ideia principal é impressionar mesmo e atrair companheiros", explica ele, no largo do Arouche. "Tem dado certo, porque estou feliz", diz, lacônico.

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DECADÊNCIA DA BARRIGA

Para Denise Bernuzzi de Sant'anna, professora de psicologia da PUC-SP, a barriga masculina começou a perder seu valor a partir da década de 1950. Antes disso, ter uma pança avantajada era sinal de poder e riqueza, explica.

Ela cita quatro motivos para o declínio: 1) a medicina começou a mostrar os perigos do colesterol; 2) a moda, o cinema e a publicidade criaram um padrão de homem bonito que excluía a barriga grande; 3) a explosão do tipo físico do esportista: magro, corpo longilíneo e depilado; e 4) a valorização do "sex appeal" no lugar da beleza tradicional.

"Essa ideia de homem sedutor, que tem "sex appeal", até permite que ele seja careca, ou de cabelos brancos, e até baixinho. O que é mal visto é ser barrigudo. A barriga passou a ser associada a doenças", afirma Denise.

Em 2016, a professora lançou o livro "Gordos, Magros e Obesos" (Editora Estação Liberdade), que conta a história do peso no Brasil.

No início do século passado, por exemplo, a gordura era vista como algo saudável, conta ela no livro. Restaurantes usavam como propaganda a mensagem de que um lugar bom para comer era aquele que engordava magricelas.

Já no Carnaval de 1954, a barriga já era uma vilã. Um rei Momo, considerado obeso e sem agilidade, recebeu o conselho de "fazer urgentemente um regime e ir para as estações das águas".

CONSAGRAÇÃO

Mostrar os músculos ajuda na hora da sedução? E, na direção contrária, a barriga atrapalha? O estudante João Paulo Rodrigues, 23, barriga à mostra em um bloco no centro, diz que gosta de ver homens "bombados", mas eles não fazem seu tipo.

"Acho que funciona para muita gente. Mas na hora de você escolher um relacionamento, não é o principal", diz.

O engenheiro Romenique Zedeck, 32, diz que ficou sem camisa em todos os blocos que foi neste Carnaval. "Você tira a camisa e fica normal. E, estando normal, o pessoal está aceitando", diz.

Gordos, Magros E Obesos
Denise Bernuzzi De Sant'anna
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Para a professora Denise Bernuzzi, existe uma "imposição" para que as pessoas pareçam saudáveis. "Ninguém proíbe você de comer, mas existe uma ideia de que você não pode ter barriga, que você precisa estar sempre magro para ser feliz", diz.

O administrador Mateus, orgulhoso de sua pança no Carnaval, arrisca uma tese: "As minas não ligam para isso. Elas querem conhecer o cara, sair, beber cerveja, comer. As minas têm fome também. Esses musculosos muitas vezes querem beber só água, energético, açaí. É nessas que me consagro."


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