Folha de S. Paulo


Endividados, blocos afro de Salvador cortam músicos e até ala das baianas

Fernando Vivas-5.fev.2016/Folhapress
Saída do bloco afro Olodum no circuito Batatinha (Pelourinho), em 2016
Saída do bloco afro Olodum no circuito Batatinha (Pelourinho), em 2016

Com patrocínio reduzido em meio à crise econômica, os principais blocos afro de Salvador vão para a avenida mais enxutos: cortaram dias de desfile, percussionistas, bailarinos e até a ala das baianas.

Blocos tradicionais como Olodum, Ilê Aiyê, Araketu, Muzenza e Malê Debalê estão entre os prejudicados. Fundados nos anos 1970 e 1980, os blocos afros se consolidaram como principal espaço da cultura negra do Carnaval de Salvador.

Ao contrário dos blocos de trio, os blocos afro levam bailarinos, percussionistas e alegorias para a avenida com temas em homenagem à África. Este ano, o Olodum homenageia o Egito, o Ilê Aiyê fala das mitologias do povo jeje e o Muzenza traz o tema "afrofuturismo".

Com uma dívida estimada em R$ 600 mil, o Ilê Aiyê vive um cenário crítico: perdeu o patrocínio da Petrobras e viu a verba que recebe da Caixa Econômica Federal ser reduzida.

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Com uma captação 60% menor em recursos, a solução foi reduzir o desfile na avenida: o número de músicos da banda foi reduzido de 70 para 50, a tradicional ala das baianas não vai desfilar e a quantidade de funcionários, como seguranças e cordeiros, será menor.

"Vamos sair três dias só porque já tínhamos programado, senão cortaria um dia de desfile. Estamos no limite", diz o presidente do Ilê, Antônio Carlos do Santos, o Vovô do Ilê.

A crise também chegou aos projetos sociais mantidos pelo Ilê: o bloco interrompeu as atividades da escola Mãe Hilda, que atendia a 240 alunos carentes no bairro da Liberdade, periferia de Salvador. Também foram suspensas as atividades da Banda Erê, que atendia a cem crianças e adolescentes entre 5 e 16 anos com aulas de percussão.

Nos últimos anos, as atividades da escola e da banda foram mantidas por meio de um convênio com a Petrobras, que acabou sendo suspenso. A estatal alega que não foram cumpridas todas as contrapartidas previstas em contrato.

Se o Ilê vai para a avenida com menos associados, o bloco Araketu sequer vai desfilar Este será a segunda vez em 37 anos que o bloco, cuja banda fez sucesso nos anos 1990, vai ficar de fora da festa.

"Os patrocinadores abandoaram os blocos afro, ficamos sem condições de sair", afirmou Vera Lacerda, presidente e fundadora do tradicional bloco do bairro de Periperi, subúrbio de Salvador.

Para este ano, a solução será fazer um desfile da banda, aberto ao público, com recursos do governo e prefeitura. Mas sem os tradicionais dançarinos e alegorias.

Fundado em 1981, o bloco Muzenza cortou um dia de desfile e sairá apenas dois dias. Faltando uma semana para o carnaval, o bloco só tem 30% dos recursos necessários para custear os desfiles. "Vamos com dificuldade, mas não deixaremos de marcar nosso espaço na avenida", diz Jorge Santos, presidente do bloco.

O Malê Debalê, tradicional bloco de Itapuã, acumula quase R$ 200 mil em dívidas de desfiles de anos anteriores.

OLODUM

Mais conhecido entre os blocos afros da Bahia, o Olodum também enfrenta dificuldades e reduziu a frequência dos seus tradicionais ensaios de verão no Pelourinho. Vai para a avenida com 60% menos recursos que no ano passado. Governo do Estado, Caixa Econômica Federal e a companhia aérea Air Europa estão entre os patrocinadores.

Presidente do Olodum, João Jorge Rodrigues critica o que chama de "racismo institucional" das empresas no patrocínio dos blocos de Carnaval. "O negro consome celular, geladeira, absorvente, pneu de carro, mas as empresas não nos enxergam. Não é só a crise, é uma dificuldade histórica. Sempre penamos para conseguir apoio", diz.

Antônio Carlos dos Santos, o Vovô do Ilê, faz a mesma crítica: "É inconcebível que você não tenha uma cervejaria patrocinando bloco afro. A negrada bebe bastante cerveja, mas os empresários não vêem isso".


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