Folha de S. Paulo


Sob protestos, MG tenta acabar com manicômio que já foi o maior do Brasil

Eduardo Knapp/Folhapress
Barbacena, MG, BRASIL, 18-01-2017: ***Para Domingo FOLHA*** Governo estuda acabar com o Centro Hospitala Psiquiatrico de Barbacena que foi o antigo Hospital Colonia (de 1903). Interno Sr Gerson Monteiro ( moradoro paciente do local) na ala dos pacientes cronicos regredidos (nao podem ficar sozinhos) e por isso local eh fechado com cercas no Modulo Residencial 4 (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, COTIDIANO).
O interno Gerson Monteiro, no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (MG)

Aos 59 anos, Sueli da Silva mora desde os 10 no atual Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (MG), antigo hospital Colônia, então o maior manicômio do Brasil.

Diagnosticada com esquizofrenia paranoide, é considerada apta a deixar o instituto e ser gradualmente reintegrada à sociedade, mas ela não tem para onde ir.

O centro, gerido pelo Estado, quer levar Sueli e outras 79 pessoas para viver em casas adaptadas à moradia de ex-internos, acompanhados de um cuidador. Mas as residências são custeadas pelo município, que afirma não ter dinheiro para bancar a mudança e pede a ampliação de repasses de verbas federais.

Apesar de uma lei de 2001 determinar que moradores de longo tempo de hospitais psiquiátricos sejam "objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida", o centro de Barbacena continua com 149 internos sem previsão de saída. A maioria está lá há décadas –a mais antiga, Perciliana dos Santos, 96, desde 1945.

Em 2004, 46 pacientes antigos chegaram a receber alta do centro, mas desde 2006 este número não ultrapassa dez pessoas. De 2015 a 2016 foram apenas três, embora uma manobra contábil diga que foram mais. Na verdade, o número excedente era de recém-transferidas de um hospital particular e que tinham prazo para deixar a instituição.

Barbacena é conhecida como a "cidade dos loucos" e o Colônia já foi comparado a um campo de concentração. Fundado em 1903, foi famoso pelas más condições oferecidas aos internos até os anos 1980. Com 200 leitos, chegou a abrigar simultaneamente 3.500 pacientes. Tinha uma média de mil mortes por ano.

Eram levadas para lá pessoas não necessariamente com doença mental. Grupos marginalizados como homossexuais, prostitutas e moradores de rua eram colocados em um trem e despejados no instituto. Crianças também eram internadas –Sueli da Silva foi uma delas– e abandonadas por suas famílias. Ainda hoje, a maioria não tem familiares reconhecidos.

Nos últimos 30 anos, o hospital sofreu uma reformulação e passou a dar o que chama de "tratamento humanizado". Sem superlotação, ainda sofre com sucateamentos comuns ao serviço público –uma antiga ambulância foi improvisada como carro de transporte de alimentos, por exemplo. Dos 149 pacientes crônicos, os 80 que podem sair estão em melhores condições clínicas.

Os internos vivem em módulos onde dormem 15 pessoas, têm assistência médica e refeições em horários determinados. Eles podem andar pelas instalações do centro, exceto os que estão na ala dos "mais crônicos", que costumam fugir ou têm comportamento violento. Esses ficam cercados por grades.

"Estou preso na escola. Me prenderam de novo", riu o interno Francisco Santana, 56, de trás das grades. Ex-alcoólatra e com crises de psicose, ele é mantido no módulo cercado porque costuma "andar até se perder".

PROTESTOS

Parte dos funcionários tem feito campanha para que os internos sejam mantidos no centro. Para eles, estão em melhor condição no instituto do que nas residências.

"Aqui eles passeiam, vão ao restaurante. Lá nas casas ficam sem fazer nada. A gente tinha uma paciente, a Cremilda, que saiu daqui andando, mas hoje está acamada", diz a técnica em enfermagem Fátima Tertuliano.

Outra parte discorda. "Imagina que, nas residências, se eles querem tomar café depois do horário do almoço, podem. Não vão ficar com a caneca na mão a tarde inteira. Aqui todo mundo é igual por uma questão de economia, não têm suas singularidades reconhecidas", afirma a enfermeira Daniela Viana.

Barbacena, Minas Gerais

O município atualmente tem 32 casas para ex-pacientes psiquiátricos, com 220 pessoas morando nelas. Cada uma custa entre R$ 1.000 e R$ 2.000. "Com o dinheiro que tenho hoje não consigo receber mais ninguém. O Ministério da Saúde está quite conosco, mas para habilitar mais residências tem que vir novos recursos", afirma o secretário da Saúde de Barbacena, Orleans Costa.

Segundo ele, os funcionários que protestam contra a desinstitucionalização do hospital estão "com medo de perder o emprego" e "deturpam o que a lei prevê", mas serão reaproveitados em outras unidades hospitalares.

A Fhemig (Fundação Hospitalar de Minas Gerais) afirma que "há serviços, com perspectiva de expansão, que podem abrigar os trabalhadores". Ainda não se sabe o que será feito das instalações do centro.

Apesar de ser a prioridade na fila para transferência às residências, Sueli da Silva não quer ir embora. "Nem me pergunte isso. Não faça isso comigo, pelo amor de Deus", gritou, e começou a chorar ao ser questionada se queria viver em outro lugar.

Ao seu lado, o diretor do hospital, Wander Lopes, afirma: "É... Por isso que não dá para ser imediato. Ainda temos um longo trabalho para convencer aos poucos cada um deles".

Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que repassa R$ 651,1 mil mensais para a Rede de Atenção Psicossocial de Barbacena.

Esse valor, diz a pasta, teve aumento de R$ 76 mil em dezembro de 2016 para a habilitação de mais cinco unidades residenciais, elevando o total a 27 casas na cidade.

Segundo o ministério, não há novos pedidos de ampliação do serviço de atendimento psicossocial de Barbacena.


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