Folha de S. Paulo


Carnaval sem dinheiro pode aumentar fervor, diz 'campeão' da Mangueira

Zo Guimaraes/Folhapress
RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL, 02-02- 2017, fotos de Leandro Vieira, carnavalesco da escola de samba carioca Mangueira, vencedora do ano de 2016. (Foto: Zo Guimaraes/Folhapress, AGENCIA) ***EXCLUSIVO FOLHA****
Leandro Vieira, 32, carnavalesco que ajudou a Mangueira a se consagrar campeã no Rio em 2016

Para o carnavalesco Leandro Vieira, 32, o Carnaval de avenida perdeu para o de rua o interesse dos brasileiros.

O samba-enredo, diz, "virou jingle". Vieira foi a grande surpresa do Carnaval carioca em 2016. Era a primeira vez que assinava um desfile no Grupo Especial, mas conseguiu dar à Mangueira o título que a escola, desacreditada, havia perdido de vista havia mais de dez anos.

Também chamou a atenção por ter uma visão de Carnaval diferente da que se viu na avenida nos últimos anos. Tendo vencido com um desfile mais barato do que em anos anteriores, defende que a falta de patrocínio do Carnaval por causa da crise pode devolver às escolas a relevância.

Além de continuar na Mangueira, também está na comissão de Carnaval da Mocidade Alegre, em São Paulo, com outras quatro pessoas.

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Folha - O sr. concorda que o Carnaval de avenida perdeu o interesse das pessoas para o de rua?
Leandro Vieira - Sim. Em algum momento cometemos o erro de nos distanciarmos daquilo que era fundamental. Não é que dinheiro seja um problema, mas a condição que ele impõe é. Quando a televisão propõe uma redução do tempo de desfile, é porque as pessoas não estão assistindo. Se você tem esse dado você tem que entender que tem algo errado.
Nos últimos dez anos o Carnaval de avenida sofreu influência direta dos enredos patrocinados. Eles contribuíram para mergulhar as escolas na lógica do mercado. Tudo pode ser enredo se houver contrapartida financeira. Isso levou a qualidade dos desfiles para baixo.

Por que os sambas-enredo não pegam mais?
Ninguém mais ouve samba-enredo. Do lado do compositor, é difícil alguém se interessar em gravar uma música sobre um iogurte [Porto da Pedra, 2012].
Além disso, o Carnaval não se atualizou com o mundo de hoje. É um Carnaval que continua achando que vai vender CD. [Compositores das escolas] Assumiram que Carnaval só serve para o Carnaval, e aí não têm interesse em fazer um samba para além daquele período. Samba-enredo virou jingle.

Falta de dinheiro então pode ser oportunidade?
Pode. Quando o dinheiro sai e o Carnaval tem que acontecer de qualquer forma, abre-se a oportunidade de falar das coisas tradicionais. Por isso, neste ano temos enredos com tendência cultural mais forte, principalmente no grupo de acesso.
Ter menos recursos possibilita um Carnaval com mais capacidade de interação popular. As pessoas se interessam por aquilo que é próximo. Não é animador brincar Carnaval cantando homenagem a Maricá, ao iogurte. Mas é animador brincar falando sobre santos, Iracema, história da Beth Carvalho.
Falta de dinheiro pode fazer o Carnaval ficar mais efervescente.
Por questão ideológica, o meu desfile sempre reforça o papel cultural das escolas de samba, que é serem porta-vozes de uma cultura brasileira legítima. Não sou da corrente que vê desfile como entretenimento, produto espetáculo. É uma afirmação daquilo que somos, uma valorização da cultura regional.

Por que o Carnaval de rua explodiu?
Carnaval de rua é mais efervescente. É espontâneo, coisa que as escolas de samba já foram. E é também falta de dinheiro. Carnaval faz parte da agenda de todo brasileiro. Se você tem dinheiro, viaja. Se não tem, fica em casa e encontra um jeito de se divertir. Cresce porque é barato, espontâneo, livre.

Você pula?
Uma das maiores frustrações como profissional do Carnaval é não poder pular. Comecei nisso porque brinquei muito Carnaval.

Qual é o caminho de volta à relevância para a avenida?
Carnaval é festa popular. Viva. Não é museu. Durante muitos anos representava camadas populares, mas passou a ser produto na prateleira. Tem hora para começar e terminar. Deixou de ser televisionado e virou televisivo.
Antes o desfile era pautado em coisas ligadas ao universo carnavalesco, e por isso era televisionado. Depois virou o contrário. Tudo isso esvazia o negócio. Fazer Carnaval com dinheiro é bom, mas temos que pensar em como ter captação sem deixar de ser o espelho da gente que quer participar. A Nestlé patrocina o Roberto Carlos. Nem por isso ele só faz música que fala de chocolate.

Escolas de Samba - RJ

O crescimento das igrejas evangélicas pode ter a ver?
A origem das escolas está ligada ao fortalecimento da cultura negra no Rio de Janeiro. O samba é enraizado na religiosidade afrobrasileira.
Lamento que não saibam distanciar religião e cultura religiosa. São coisas diferentes. A cultura religiosa independe da fé. Não acho que esvazia. Ouço dizer que há baianas que deixam a avenida por pressão de pastores, mas considerar que baianas representam a totalidade das escolas não é correto.
Evangélico, além disso, não brinca Carnaval de rua, e as ruas estão lotadas.

Qual é a diferença entre o Carnaval de São Paulo e o do Rio?
Fui surpreendido por uma estrutura mais organizada em São Paulo. Tenho a impressão de que, pelo fato de a verba ser menor, os gestores foram obrigados a se adequar e trabalhar melhor. É um Carnaval mais profissional do que o do Rio.
A lógica do patrocínio é diferente em São Paulo. Como eles têm verba menor, patrocínio não é determinante. Enredos tendem a privilegiar aspectos culturais mais fortes, pois não são reféns do patrocinador.

Quais são os problemas, do que já pôde observar?
O julgamento em São Paulo é burocrático. Parece que um erro mínimo conta mais do que acerto máximo. A escola pode acertar em tudo, mas se errar em um sapato é penalizada.

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Raio-X

Idade: 32 anos

Formação: Belas Artes na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

Escolas: Foi carnavalesco da Caprichosos de Pilares (série A) em 2015. Antes disso havia trabalhado na Grande Rio, Império Serrano e Imperatriz. Foi campeão do Grupo Especial do Carnaval do Rio em 2016 com a Mangueira e hoje também participa da comissão da Mocidade Alegre, em SP

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