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Dengue avança, e região de febre amarela teme 'inimigo duplo' em MG

Adriano Vizoni/Folhapress
Visita de agentes de saúde em Novo Cruzeiro para vacinação contra a febre amarela
Visita de agentes de saúde em Novo Cruzeiro para vacinação contra a febre amarela

Em uma das regiões mais atingidas pelo surto de febre amarela em Minas Gerais, duas cidades vizinhas enfrentam a suspeita do avanço de outro inimigo: a dengue.

Em Novo Cruzeiro, com 31 mil habitantes no leste do Estado, 33 casos suspeitos da doença já foram notificados.

Além da evolução do quadro de dengue, segundo a coordenadora de vigilância, Michelle Castro, a maioria desses pacientes já estava vacinada contra febre amarela.

Em Setubinha, onde a prefeitura já fala em surto de dengue, são 91 casos da doença neste ano, alguns com diagnóstico positivo em exames.

Para os municípios, a possibilidade de avanço da dengue em meio à epidemia de febre amarela indica um peso extra no sistema de saúde e gera alerta devido à dificuldade em diferenciar as duas doenças no início dos sintomas.

INIMIGO DUPLO - Cidades mineiras tentam evitar avanço tanto da febre amarela quanto da dengue

A preocupação ocorre principalmente porque a febre amarela pode evoluir mais rapidamente para quadros graves, com um alto índice de letalidade (cerca de 45%).

O país já registrou neste ano 236 casos confirmados de febre amarela (incluindo 89 mortes) e há outros 882 em investigação, no pior surto da doença desde 1980. Ao todo, 86% foram em Minas Gerais.

No início, vários casos nessas cidades mineiras chegaram a ser tratados como dengue –mas não eram. Agora, os municípios dizem suspeitar também do oposto.

"É fundamental estruturar o serviço público para fazer

o diagnóstico laboratorial precoce", afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses, Artur Timerman, para quem é quase "impossível" fazer a distinção das duas doenças apenas com avaliação clínica.

"Na fase em que a pessoa fica amarela, com icterícia, a febre amarela é fácil de distinguir. Mas tem cerca de 50% dos casos que não evoluem para formas graves e podem ser confundidos", explica.

"Se achar que um caso de febre amarela é dengue, perde-se a oportunidade de fazer a vacinação de contenção. Não se pode ter essa dúvida se é um ou outro."

Municípios e a Secretaria de Saúde, porém, dizem que todos os casos estão sendo direcionados para exames –tanto os notificados para febre amarela quanto por dengue. O tempo para a avaliação não foi informado.

Casas com larva do aedes aegypti - Em %*

AEDES À VISTA

Em Novo Cruzeiro, dois fatores reforçam a suspeita de avanço da dengue.

O primeiro é o aumento no índice de infestação do Aedes aegypti. Enquanto em outubro 4,6% das casas visitadas tinham focos com larvas do mosquito, em janeiro esse índice subiu para cerca de 8% –ambos em padrão considerado de risco de epidemia.

Outro fator é que, na última semana, ao menos cinco casos suspeitos de febre amarela tiveram resultado negativo para a doença em exames e devem, agora, ser checados novamente para dengue.

A situação ainda desperta o temor de que os casos de febre amarela, até então silvestres, cheguem à área urbana devido à presença de aedes –na área rural, a doença é transmitida pelos mosquitos Haemagogus e Sabethes.

"É essa nossa questão. O aedes está com tudo. Se pica um paciente com alta viremia de febre amarela que chega para receber atendimento no hospital, há risco de febre amarela urbana", diz Castro.

Para evitar o problema, a cidade tenta encontrar soluções para manejo do lixo, considerado um dos principais focos de aedes, enquanto intensifica a busca por moradores ainda não vacinados contra febre amarela.

Membros da Força Nacional do SUS também criaram fluxos para ajudar a tentar diferenciar os casos.

Igor, 14, foi diagnosticado com dengue. Assim que teve os primeiros sinais de febre e dores de cabeça, a família, no entanto, suspeitou inicialmente de febre amarela.

Com medo da doença, a mãe, Maria Emília Fernandes, 49, correu para ver se o cartão de vacinação do filho estava mesmo atualizado. "Era o único da família que já tinha as doses da vacina contra febre amarela em dia."

Ainda assim, Igor só foi liberado do hospital após melhora completa dos sintomas.

PENTE-FINO

"Ó de casa! Estamos passando para pedir o cartãozinho de novo", diz a técnica de enfermagem ao avistar uma moradora se aproximar do portão. O cartãozinho a que ela se refere é o comprovante de aplicação de vacinas –em foco, a da febre amarela.

Lavradora aposentada, Ana Rosa Oliveira, 59, entrega o documento. A técnica verifica datas e doses. "Estou liberada?", pergunta Ana, que tomou a segunda dose em janeiro, pouco após o início do surto de febre amarela.

Com medo de novos casos, municípios de uma das primeiras áreas afetadas pela doença, como Novo Cruzeiro e Setubinha, no leste de Minas, têm investido em um segundo pente-fino nas carteiras de vacinação em busca de moradores desprotegidos.

A medida faz parte de uma nova estratégia de monitoramento diante do cenário atual de incertezas em relação ao surto de febre amarela.

A Folha acompanhou parte das ações em Novo Cruzeiro, município onde foram notificados 91 casos suspeitos –destes, 19 já confirmados.

Em uma manhã de chuva fina, 18 casas foram visitadas na zona urbana da cidade. Duas ainda tinham moradores com doses atrasadas. Nos demais, a maioria dos cartões mostrava doses recentes.

A baixa vacinação anterior em Minas é apontada como um dos principais motivos para a amplitude do surto registrado neste ano.

Na última década, apenas 49% da população do Estado havia sido imunizada. Minas, porém, faz parte da área de recomendação para vacina de febre amarela no país.

Fora dela, como no litoral, a vacina é recomendada para quem pretende viajar para áreas suscetíveis ao vírus.

Moradores, porém, admitem que esqueciam da vacinação. "Tomei só agora, por conta dessa emergência", diz o policial Jonas Carvalho, 33.

Para a Secretaria de Saúde do Estado, as ações recentes para ampliar a imunização são a principal aposta para a redução de novos casos suspeitos de febre amarela nas primeiras áreas atingidas.

"Fazendo essa intensificação e controle vetorial imaginamos que até o início de março conseguiremos vencer essa batalha", diz a superintendente de vigilância de Minas Gerais, Deise dos Santos.

Febre

NOVO ALERTA

Ao mesmo tempo em que o surto nas primeiras regiões atingidas aparenta dar sinais de trégua, outras no Estado começam a registrar alerta.

É o caso de Belo Horizonte, onde a prefeitura fechou nesta semana um parque depois de um macaco ter sido encontrado morto com suspeita da doença.

Outras duas mortes de macacos foram registradas na cidade -uma delas, confirmada para febre amarela.

Em geral, a ocorrência de epizootias (morte de macacos) é um indicativo de que o vírus da febre amarela silvestre, transmitido pelos mosquitos Haemagogus e Sabethes, circula na região.

Daí a necessidade de intensificar a vacinação e controlar focos de outros possíveis vetores na área urbana, como o mosquito Aedes aegypti. O Brasil, porém, não registra casos urbanos desde 1942.

Além da capital mineira, as cidades de Betim e Contagem também registraram mortes de primatas confirmadas para febre amarela, o que acende o risco de casos também em humanos.

De acordo com o último balanço do Ministério da Saúde, o país já registra ao menos 236 casos confirmados de febre amarela (incluindo 89 mortes) e outros 882 em investigação. Ao todo, 86% dos casos confirmados foram em Minas Gerais. O restante, no Espírito Santo e em São Paulo.


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