Folha de S. Paulo


Doria recria Leve Leite com enfoque nos mais pobres e sem adolescentes

A gestão João Doria (PSDB) vai reformular, a partir de março, o programa de entrega de leite para estudantes da rede municipal de São Paulo. Alunos a partir de 7 anos deixarão de receber o produto e, entre as crianças de até 6 anos, só as mais pobres terão direito ao benefício.

Por outro lado, a prefeitura vai estender o benefício para crianças pobres que hoje nem sequer estão em escolas municipais. São famílias registradas, ou não, na fila por vaga em escolas da capital.

O programa Leve Leite beneficia hoje todos os alunos da rede, de 0 a 14 anos. Receberam o benefício no ano passado 916,2 mil estudantes.

Keiny Andrade - 31.jan.17/Folhapress
Analista administrativa Danuzia de Paula Costa, 37, com a filha Sofia, de 3, que recebem o leite em pó do programa Leve Leite
Danuzia de Paula Costa, 37, com a filha Sofia, de 3, que recebem o leite em pó do programa Leve Leite

Com a mudança, o leite será entregue a 223,2 mil alunos de até 6 anos de idade. Outras 208,4 mil crianças não matriculadas na rede, mas em situação de pobreza, serão integradas em até quatro meses.

No total, 431,7 mil crianças receberão o leite neste ano. Em relação ao total de atendidos, a redução é de 53%.

Conforme a Folha revelou em janeiro, a principal motivação para a mudança é de ordem orçamentária. As dificuldades financeiras foram agravadas pelo congelamento da tarifa de ônibus, o que ampliará os repasses às viações a mais de R$ 3 bilhões.

Há também a avaliação, compartilhada por diferentes especialistas, de que um programa universal de entrega de leite não faz sentido por não haver estudos de impactos nutricionais e de desempenho escolar. A gestão ressalta que a cidade tem 0,01% de crianças desnutridas.

Falhas no programa, que impedem, por exemplo, que famílias recusem o benefício –além de registros de venda do leite na internet– colaboraram para essa decisão.

Leve leite

MUDANÇA

Esta é a maior alteração já feita no Leve Leite desde 1995, ano em que o programa foi criado na gestão Paulo Maluf. Com falta de dinheiro, Doria pretende rever gastos da Secretaria de Educação que não estejam ligados diretamente ao ensino na sala de aula.

Com a revisão desse programa, a prefeitura espera gastar R$ 150 milhões no ano. O valor é 55% menor do que os R$ 330 milhões previstos, caso o programa continuasse com o mesmo desenho. Os gastos no ano passado foram de R$ 310 milhões.

A identificação da crianças será feita pelo Cadastro Único, base que reúne famílias de baixa renda para acesso a programas sociais. Estarão aptas famílias com rendimento mensal de até R$ 2.811.

A quantidade de leite também será alterada. Crianças matriculadas na rede com o perfil exigido receberão 1 kg de leite em pó por mês –e não mais 2 kg. Beneficiários de fora da rede, a serem incluídos no programa, receberão 2 kg.

De acordo com o secretário municipal de Educação, Alexandre Schneider, essas crianças são, na maioria das vezes, as que mais precisam. Por isso vão receber mais.

"É uma readequação do programa, que agora estará focado nas crianças pequenas e em situação de vulnerabilidade", disse. Das 66 mil crianças que esperam atualmente por uma vaga por creche em São Paulo, 13,7 mil estão no cadastro único.

Segundo Shneider, a atenção a essas crianças será um primeiro passo para a implementação de um programa voltado à primeira infância.

"Já é um componente da busca ativa pelas crianças mais vulneráveis e que estão fora da escola", diz. "Essas famílias ainda participarão de encontros mensais com orientações de saúde e sobre programas sociais."

A primeira infância é um termo que define o período que vai da gestação aos seis anos. É considerada a fase de maior importância para o desenvolvimento infantil.

REVISÃO

Para Cisele Ortiz, do Instituto Avisa Lá, independentemente das mudanças anunciadas, o programa precisava de revisão. "Oferecer leite de forma indiscriminada para garantir a frequência escolar é um objetivo furado, pela própria dificuldade de avaliar", diz. Para receber, é necessário frequência de 90%.

"Se a prefeitura pensa em uma ação entre secretarias, seria ótimo. Porque não se sabe se todos precisam de leite ou de outra complementação."

Para a nutricionista Anita Sachs, professora de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de SP), o leite é imprescindível por toda vida, embora seja mais importante até os seis anos por atender necessidades de produtos de origem animal. "Mas só o programa em si não é adequado, se a gente não pensar em uma reeducação alimentar", diz.

A prefeitura ressalta que a merenda escolar já conta com planejamento alimentar. Para crianças de até 1 ano, seguirá com a entrega da fórmula infantil. A prefeitura promete fazer uma campanha de aleitamento materno, para que mães não substituam a amamentação por essa fórmula.

HISTÓRIA

Desde que foi criado pelo ex-prefeito Paulo Maluf (hoje no PP), em 1995, o Leve Leite serviu de bandeira eleitoral em praticamente todas as campanhas.

Falhas na entrega causaram desgaste aos prefeitos, mas nunca foram divulgados estudos sobre impactos do programa na educação e saúde dos alunos.

"Nunca houve uma avaliação séria. É um problema dos nossos programas, porque não se acompanha", afirma Cisele Ortiz, coordenadora Instituto Avisa Lá, que atua na
educação infantil, e integrante do Grupo de Trabalho de Educação da Rede Nossa São Paulo.

Têm direito ao benefício alunos com mais de 90% de presença. Como referência, o abandono escolar entre o 6º e o 9º anos cresceu de 1,7%, em 2009, para 2,8%, em 2015.

Apesar de reduções pontuais, por falta de dinheiro ou falhas em licitações, o programa teve crescimento com o passar dos anos –e os custos também.

Em 2005, na gestão José Serra (PSDB), as famílias passaram a receber o produto também nos meses de férias. Os gastos voltaram a aumentar em 2009, quando a entrega passou a ser feita pelos Correios, e não mais na escola.

A decisão do então prefeito Gilberto Kassab (PSD), quando a secretaria de Educação era ocupada também por Alexandre Schneider, atendia reivindicação dos educadores. A reclamação era de que a logística de entrega nas escolas atrapalhava o trabalho pedagógico.

No ano passado, o gasto com entrega representou 15% do total empenhado com o programa.

Kassab ainda sofreu críticas quando deixou, em 2011, de entregar leite Ninho. Ele havia prometido em campanha a entrega do "leite amarelinho".


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