Folha de S. Paulo


Mesmo em época de 'camelos magros', Doria vai buscar investidor no Golfo

Doria dirige carro de corrida modelo Aston Martin GT4 no autódromo de Abu Dhabi

Os tempos são de "camelos magros", com o preço do petróleo em uma baixa histórica, e o Golfo hoje avalia seus investimentos com mais ressalvas do que no passado.

O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), está portanto diante de um desafio: ele iniciou nesta segunda-feira (13) uma rodada de consultas com bancos e fundos em busca de parceiros para um programa de privatizações. Ele precisará convencer um público que, nos últimos meses, tem se retraído.

"Há mais cautela desde o início de 2016", disse à Folha Wada Al Taha, analista do CISI, um instituto britânico de títulos e investimentos.

O preço do petróleo, fonte fundamental de renda na região, caiu de US$ 110 para US$ 50 o barril nos últimos três anos, sacudindo o Golfo.

Isso não significa que os Emirados tenham deixado de investir, afirma, mas que não têm mais tanto apetite a se arriscar sem a certeza do retorno -e da estabilidade.

O Brasil do impeachment de Dilma Rousseff e das investigações da Lava Jato é visto como lugar de algum risco político, diz Taha. "É um fator que previne o investimento."

Há também as más memórias de relacionamentos passados com fins traumáticos.

O fundo Mubadala, com o qual Doria se reuniu, investiu US$ 2 bilhões na holding de Eike Batista para ver esse império, em seguida, ruir. O grupo recuperou seus aportes assumindo uma série de ativos e agora negocia a compra de 24,4% na Invepar, que administra concessões como a do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

CARRO-CHEFE

Em Dubai, onde pontos de ônibus são climatizados diante de um verão com sensação acima de 50°C, Doria anunciou que as privatizações e concessões de 29 terminais paulistanos terão exigência de ar-condicionado.

Disse que os terminais deverão ter creches, unidades do Poupatempo e estabelecimentos comerciais, em espaços vigiados por câmeras. Doria viajou de Dubai a Abu Dhabi, rota de 1h30 por estradas poeirentas, com um portfólio embaixo do braço. Reuniu-se com dois fundos de investimento, um banco e a Câmara de Comércio local.

O prefeito mostrou imagens e estatísticas dos lotes abertos a parcerias, cujos carros-chefe são o Anhembi e o autódromo de Interlagos. O prefeito disse ter recebido bons sinais durante suas reuniões em Abu Dhabi. De um banco, por exemplo, Doria afirma ter escutado "o testemunho de que o Brasil vem reconquistando a confiança dos investidores". "Esses bancos têm analistas que olham com lupa para países em desenvolvimento."

O interesse do banco FGB seria tão grande que seus representantes, segundo Doria, pediram informações sobre todas as 55 oportunidades de privatização mapeadas pelo tucano em São Paulo. O prefeito reuniu-se com o Mubadala, que havia investido em Eike Batista, e também com outros bancos e fundos já com alguma experiência ou interesse no Brasil.

O grupo Adia, por exemplo, está envolvido no hotel Four Seasons que deve abrir neste ano na av. das Nações Unidas. Foi a reunião mais longa de Doria nesta segunda. Os ativos do Adia são estimados em US$ 800 bilhões. "É um dos mais cobiçados do mundo", disse o prefeito.

O grupo sugeriu a São Paulo que crie um tipo de fundo público para a administração municipal, proposta que será estudada. Os Emirados são conhecidos por seus fundos soberanos, que fazem a gestão de reservas vindas do petróleo. É o caso do próprio Adia.

"Eles disseram que o Brasil tem estabilidade política e criticaram as ações dos governos populistas, que afastaram os investidores."

Doria viajou aos Emirados Árabes a convite do World Government Summit, fórum de gestão pública em que discursará na terça (14). Ele segue no dia seguinte a Doha, em viagem paga pelo governo do Qatar. Questionado pela Folha, o prefeito disse não haver conflito de interesses.

INTERLAGOS

Doria dirigiu um carro de corrida modelo Aston Martin GT4 e se aproximou de 210 km/h no autódromo de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, durante visita à região do Golfo.

A passagem de Doria pelo autódromo visava conhecer o modelo de gestão da pista, ao qual ele se referiu durante sua campanha como exemplo para a privatização de Interlagos.

Mas o prefeito deparou-se, no Golfo, com um esquema distinto: o autódromo de Abu Dhabi é um investimento do governo e tem apenas a gestão privada. Doria defende que Interlagos seja completamente privatizado.

O prefeito argumentou que o contexto paulistano pede por solução específica. "Há características distintas. Há quase um dono do país", disse, referindo-se ao xeque Khalifa bin Zayed Al Nahyan, emir de Abu Dhabi e chefe de Estado dos Emirados Árabes.

A família real é a responsável pelos fundos do empreendimento. A inspiração para SP seria outra: "seguir os modelos de eficiência do autódromo, que é cobrado pelo governo para que o investimento seja rentável", disse Doria. O prefeito reuniu-se com Al Tareq Al Ameri, CEO do autódromo de Abu Dhabi, e disse que buscaria "tropicalizar" a experiência.

Ameri disse que, quando o projeto foi aberto, em 2009, um desafio foi lidar com a população sem costume de acompanhar corridas. O autódromo se cercou de outros empreendimentos (hotéis, parque de diversões, restaurantes), além de receber shows, workshops e de ser aberto duas vezes por semana para uso particular.


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