Folha de S. Paulo


Ministro do STF pede legalização das drogas como forma de vencer gangues

Um ministro do Supremo Tribunal Federal brasileiro apelou na sexta-feira (10) pela legalização da maconha e até mesmo da cocaína, para reduzir o crescente poder das quadrilhas responsáveis por uma onda de violência que abalou o maior país da América Latina.

O ministro Luís Roberto Barroso, formado pela Universidade Yale e professor de direito constitucional, disse que os 50 anos de guerra contra as drogas representam um terrível fracasso, lotando as prisões do país de pequenos traficantes e alimentando uma violenta batalha entre quadrilhas pelo controle do lucrativo comércio de drogas.

"Ao contrário dos Estados Unidos e da Europa, onde o problema está no impacto das drogas sobre os consumidores, no Brasil o problema está no poder que os traficantes de drogas exercem sobre as comunidades pobres", disse Barroso à Reuters no moderno edifício sede do tribunal, em Brasília.

"Posso garantir que é só questão de tempo. Ou legalizamos a maconha agora ou no futuro, depois de termos gasto bilhões e encarcerado milhares de pessoas", ele afirmou.

Pedro Ladeira - 09.nov.16/Folhapress
Ministro Roberto Barroso durante sessão STF; ele defende legalização das drogas para combate à violência
Roberto Barroso em sessão do STF; ele defende legalização das drogas para combate à violência

O raro apelo vindo de um juiz de alta instância em um país profundamente conservador reflete o crescente medo de violência que varre as prisões superlotadas e as favelas das grandes cidades brasileiras.

Um massacre em uma penitenciária de Manaus, no dia do Ano-Novo, no qual detentos membros de uma gangue decapitaram dezenas de rivais, causou tumultos nos presídios de todo o país.

Esta semana, uma greve de policiais no Estado do Espírito Santo, na região Sudeste, deflagrou um frenesi de crimes que resultou em mais de 120 mortes –muitas das quais envolvendo pessoas ligadas a quadrilhas de criminosos, segundo sindicatos policiais.

Regulamentar a produção, venda e consumo de maconha, como já acontece no Uruguai, um pequeno país vizinho ao Brasil, pode ser o primeiro passo para conter o crime em um dos mais perigosos países do planeta, disse Barroso.

"Se isso funcionar, podemos avançar facilmente para a legalização da cocaína", disse Barroso, que quando advogava trabalhou pela legalização da pesquisa com células-tronco e na defesa dos direitos dos gays. "Se você quer derrubar o poder dos traficantes, é preciso considerar a possibilidade de legalizar a cocaína".

Em 2013, o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a legalizar a maconha. Poucos países descriminalizaram a posse de cocaína, e os especialistas divergem quanto a que método seria possível adotar para legalizar uma das drogas ilegais mais viciantes do planeta.

Infográfico: Entenda a descriminalização das drogas

PAÍS DIVIDIDO

Enquanto muitos dos demais países latino-americanos descriminalizaram a posse de maconha para consumo, o Brasil continua dividido.

Barroso é um dos três entre os 11 juízes do Supremo Tribunal Federal que votaram recentemente em favor da descriminalização da maconha, em um caso que ele espera que possa no futuro abrir caminho à legalização.

Mas número crescente dos políticos conservadores e evangélicos brasileiros estão prometendo posturas mais duras contra as drogas.

O uso de drogas disparou no Brasil, o segundo maior consumidor de cocaína do planeta, atrás dos Estados Unidos, segundo as Nações Unidas.

Desde a aprovação, em 2006, de uma lei que confere poderes aos juízes para determinar quem deve ser tratado como consumidor e quem deve ser tratado como traficante de drogas, a população carcerária brasileira cresceu em 55%. Com mais de 622 mil detentos, ela é a quarta maior do planeta.

Dos presidiários homens, um em cada quatro foi condenado por tráfico de drogas, de longe a causa mais comum de condenações no país, de acordo com dados do Ministério da Justiça.

"Não estou certo de que minha proposta de legalização funcione, mas estou certo de que a guerra contra as drogas não funciona", disse Barroso. "Não podemos continuar a repetir os meses erros, de novo e de novo".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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