Folha de S. Paulo


Estagiário 'exemplar' desaparece com três carros da Câmara de São Paulo

Zanone Fraissat/Folhapress
Veículo similar aos furtados por funcionário entra em garagem no prédio da Câmara Municipal, no centro de SP
Veículo similar aos furtados por funcionário entra em garagem no prédio da Câmara, no centro de SP

O adolescente Fábio (nome fictício), 17, trabalhava como estagiário da Câmara de São Paulo. Profissional considerado exemplar por servidores da Casa, atuava no setor administrativo com a função de levar documentos a gabinetes dos vereadores, arquivar multas levadas pelos carros do Legislativo e identificar os motoristas infratores.

Em outubro do ano passado, no pátio externo do Palácio Anchieta, entrou num dos veículos Chevrolet Cobalt prata estacionados ali, girou a chave e foi embora sem ser incomodado por ninguém.

Faria o mesmo nos dias seguintes, com mais dois veículos iguais –os três são parte da frota alugada para trabalhos externos da Câmara.

O primeiro dos carros nunca mais foi visto. Os demais foram achados pela Polícia Militar. Passados três meses dos furtos –quando o jovem completaria um ano no trabalho– policiais civis o abordaram na sede do parlamento e pediram que o rapaz fosse com eles e a mãe até a delegacia da Sé. Na gíria policial, a casa havia caído.

A descrição dos crimes acima faz parte do depoimento do próprio jovem, no último dia 26, quando admitiu os atos infracionais, já na segunda vez em que esteve diante do delegado Amadeu Ricardo dos Santos. Fábio confessou também quanto recebeu de criminosos que ficaram com o carro: R$ 600 e um iPhone. Não se lembra das datas exatas dos delitos.

"Era um jovem que parecia ter um futuro pela frente, mas preferiu jogar tudo fora", disse o delegado, que liberou o adolescente após ouvi-lo. De acordo com Santos, trata-se de crime sem violência que o jovem, sem antecedentes, confessou sem oferecer resistência –motivos suficientes para justificar a liberdade.

Na primeira vez em que depôs, em novembro do ano passado, Fábio disse aos investigadores e PMs não saber do paradeiro dos possantes -cada um vale R$ 40 mil.

A Polícia Civil teve certeza da autoria quando recebeu informações sobre outro homem, de 22 anos, também indiciado por furto qualificado.

O suspeito é ex-namorado da mãe do adolescente. Todos moram na mesma região –Fábio e a mãe, num prédio ocupado há cerca de cinco anos na região central da cidade.

A polícia investiga se o comparsa negociou o carro furtado. Em depoimento, ele negou, dizendo que só deu uma volta no carro quando o ex-enteado apareceu com o ele. "Eu disse para ele devolver", afirmou o suspeito, também liberado. Segundo ele, o adolescente foi embora dirigindo. Já os outros dois Cobalts foram deixados por Fábio numa rua da favela Heliópolis (zona sul de SP).

O jovem voltou lá dois dias após abandoná-los, mas ambos haviam sido achados por PMs que faziam ronda.

De acordo com os policiais, o modelo tem pouca procura no mundo do crime, o que teria dificultado os planos do estagiário para obter quantias em dinheiro por meio dos furtos. Os investigadores acreditam que o único carro que ele conseguiu "vender" teria sido desmontado para que as peças fossem distribuídas em desmanches.

FACILIDADE

Durante todo o ano em que foi estagiário, Fábio nunca alterou sua rotina de trabalho.

Os três crimes foram cometidos após o expediente, que acabava às 15h. Com o tanque cheio e sem carteira de habilitação, ele rodou pelo menos 20 km com cada Cobalt, suspeitam os policiais.

Sem nunca levantar desconfianças, o jovem afirma que se aproveitou da facilidade de acesso aos carros. Ele manuseava todas as gavetas onde ficavam as chaves e documentos. Além disso, os veículos são equipados com tags –dispositivos que acionam automaticamente a abertura das cancelas.

Outro facilitador é o fato de o prédio não ser dotado de câmeras de vigilância.

A Mesa Diretora da Câmara informou que, em razão de uma série de crimes, estuda um projeto para instalação sistema de monitoramento na Casa. No ano passado, houve 80 furtos, de torneiras de banheiros a lâmpadas, além dos carros. Também deve pedir identificação dos visitantes na recepção.

Livre enquanto aguarda ser chamado pela Vara de Infância, Fábio estava prestes a ter o contrato de trabalho renovado. Perdeu o emprego.


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