Folha de S. Paulo


Onda de assaltos levou Campo Grande a extinguir cobradores de ônibus

Zanone Fraissat/Folhapress
Ônibus no terminal João Dias, na zona sul de SP; prefeitura estuda cortar cobradores
Ônibus no terminal João Dias, na zona sul de São Paulo; cidade estuda cortar cobradores

Já era noite quando o ex-cobrador Ivan Perez, 32, foi surpreendido por dois assaltantes dentro do ônibus em que trabalhava em Campo Grande (MS), em 2009.

Com arma na cabeça, teve R$ 60 roubados em notas de R$ 2 e R$ 5. Seis meses depois fez um curso na empresa e mudou de função: passou a ser motorista, como parte de uma política para acabar com a função de cobrador.

Como Perez, a maior parte dos 800 cobradores da cidade em 2006 foi reaproveitada nas funções de mecânico, fiscal, técnico administrativo, vendedor comissionado de tíquetes e cartões magnéticos, além de motoristas.

Cerca de 30% foram demitidos por corte de gastos ou se aposentaram, segundo o presidente do consórcio formado por quatro empresas de ônibus, João Resende.

O número de assaltos em coletivos e a redução de custos para as empresas foram os motivos apontados para retirar os cobradores. "Essas demissões não podem ser olhadas quando nós estamos evitando quase mil assaltos por ano", afirma Resende.

"Para mim, é uma realidade melhor. Não mexo com dinheiro, nunca mais vi nada que pudesse ameaçar as pessoas no ônibus, nenhum assalto. E o meu salário quase dobrou", diz Perez.

Segundo levantamento do Ministério Público Estadual, ocorriam cerca de 60 assaltos dentro de ônibus por mês em Campo Grande em 2010.

Já em 2015 e em 2016 (até novembro), houve média de um roubo em ônibus na cidade por mês, excluindo furtos, de acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Pública. Em 2011, ano de transição do sistema, houve 237 assaltos.

"Eram atos bastante violentos, alguns motoristas foram feridos com facadas e tiros. As empresas tinham funcionários se tratando com depressão e síndrome do pânico por tudo isso", afirma o procurador Aroldo José de Lima, que acompanhou o caso.

Antes do fim do dinheiro circulando com cobradores, as empresas já tinham tentado coibir assaltos com câmeras de vídeo e até a inclusão de policiais militares à paisana nos coletivos. "Mas era inviável para a PM manter pessoal acompanhando as frotas", diz Resende.

A solução veio após reuniões entre o órgão, o consórcio e a prefeitura. Na época, a medida gerou resistência dos passageiros.

A Ussiter (associação dos usuários) entrou com ação na Justiça para o cancelamento da medida, alegando que era inconstitucional o fato de não haver mais recebimento de dinheiro no transporte público. Ainda assim, a medida vigorou e os passageiros passaram a usar um cartão magnético ou bilhetes únicos.

Para evitar demissões, um acordo foi firmado pelas empresas com o Ministério Público do Trabalho para reaproveitar os funcionários em outras funções.

Segundo Resende, a mão de obra (motoristas, mecânicos, administrativos e cobradores) representava 53% dos custos das empresas antes da mudança. Após a retirada dos cobradores, a folha de pagamento passou a tomar 40% do orçamento das empresas.

"Como foi lento, deu tempo de todos se prepararem. Alguns tiraram carteira para virarem motoristas, outros realmente saíram, mas por não se adequarem", diz Denétrio Ferreira de Freitas, presidente do sindicato dos trabalhadores do transporte coletivo.

À época da eliminação dos cobradores, Campo Grande tinha uma frota de 532 ônibus. Hoje, a cidade conta com 593 veículos e mantém o mesmo número de trabalhadores, 1.800 pessoas.


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