Folha de S. Paulo


'Arcos da discórdia' vão retomar o cinza original de artistas italianos

Por trás da polêmica sobre o fim dos grafites nos arcos da rua Jandaia (ou Arcos do Jânio), na região central de SP, há outra obra de arte, "com lances de genialidade e inovadora" e sem nenhuma tinta spray, feita supostamente por mãos calejadas de artesãos chegados da região da Calábria (sul da Itália) no início do século passado.

Até o fim de maio, a profusão de cores impressa por outros artistas, os grafiteiros, dará lugar ao cinza, colocando a gestão João Doria (PSDB) em colisão com artistas contemporâneos -desde 2015, os arcos vistos nos acessos à av. 23 de Maio ostentam o colorido dos desenhos, autorizados pelo antecessor, Fernando Haddad (PT).

Os operários italianos, diz a tradição, fizeram a estrutura que servia de contenção de uma encosta na região central que hoje figura no meio de uma estrutura viária que liga as regiões sul, leste e oeste da capital. A empreitada foi feita há pouco mais de cem anos, bem antes da existência das tintas acrílicas.

Estudos contratados durante a gestão do próprio Haddad aos quais a Folha teve acesso defendem a tese de que os arcos preservam parte da história da evolução da metrópole e sugerem o retorno à sua originalidade: o cinza dos tijolos sílico-calcáricos –mais resistentes do que os de cerâmica.

Dos mesmos tons é o concreto ciclópico –técnica existente desde a Grécia na qual são usadas pedras grandes e empregada até hoje para construção de muros de arrimo ou de barragens.

Doria já disse que levará adiante o projeto de remoção das pinturas, assim como tem feito em outras áreas. O tucano declarou guerra a pichadores, propondo multa de R$ 5.000 para quem for flagrado (valor que dobraria na reincidência). Aos grafiteiros, promete museus a céu aberto –locais a serem definidos.

A construção dos italianos teria se iniciado em 1911, três anos após a obra ser autorizada pela Câmara, quando o prefeito do município era Raymundo Duprat.

A estrutura evitaria deslizamentos na rua Assembleia, já prevista em mapa elaborado ainda no fim dos anos 1800. Escondido por casas construídas entre os anos 1930 e 1950 –período de boom demográfico na capital–, os arcos reapareceram na paisagem paulistana em 1987, durante a gestão Jânio Quadros, que mandou demolir todos os imóveis dali para as obras da avenida 23 de Maio.

Para devolver a obra as suas características iniciais, o projeto prevê não só a remoção dos grafites como de todas as demãos de pinturas feitas ao longo dos anos.

"A revitalização é importante. Por outro lado, a história atual da arte também fica ameaçada. O importante é saber se aquele espaço vazio não será alvo de vandalismo. Essa proibição instiga os pichadores", disse à Folha o artista Enivo, um dos autores dos grafites nos arcos.

CARÁTER URBANÍSTICO

O estudo feito pelo arquiteto Nestor Goulart Reis Filho, professor catedrático da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU), diz se tratar "de obra de caráter urbanístico inovador, quase único em sua época".

O período de construção, entre 1911 e 1913, é o mesmo em que se registraram algumas das primeiras obras de concreto armado na cidade, como o Edifício Guinle –prédio em estilo art noveau que resiste no centro velho.

A suspeita levantada pelo professor é de que os arcos teriam sido projetados pelo mesmo responsável pelo Guinle, o arquiteto Hyppolito Gustavo Pujol Júnior, considerado um revolucionário. Sem essa confirmação, prevalece o que a tradição diz: foram mesmo anônimos operários europeus os autores.

A restauração incluirá a drenagem de infiltrações e a recuperação dos guarda-corpos. Segundo a diretora do DPH (Departamento de Patrimônio Histórico), Mariana de Souza Rolim, até fevereiro será feita a limpeza da área para posterior remoção das camadas de tinta. "Será aplicada, então, uma velatura, técnica para dar uniformidade à estrutura", disse a diretora.

Os mestres de obra italianos trouxeram técnicas de construção de séculos passados já usadas na Europa, por exemplo, em Roma. Já o grafite nasceu no movimento hip-hop, em Nova York, anos 1970. Para a prefeitura, a arte que chegou primeiro prevalecerá.


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