Folha de S. Paulo


Célebres pichadores veem sob Doria reedição de 'guerra' dos anos 1980

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Quase trinta anos após aposentarem uma das marcas mais famosas de São Paulo –pelo menos nas ruas da cidade–, Juneca e Pessoinha marcaram um rolê para esta semana. A julgar pelos últimos acontecimentos, não parece ser uma das melhores épocas para reativar a dupla.

Pioneiros da pichação paulistana, Oswaldo Júnior, 44, e Antonio Fernandes Pessoa Correia, 48, assistem hoje à reedição de uma "guerra" que viveram nos anos 1980, quando deixaram seus nomes em todos os cantos da cidade.

Mesmo antes de tomar posse, o prefeito João Doria (PSDB) vinha deixando claro o que pensa de quem se dedica a pichar os muros de São Paulo. "Ou mudam de profissão ou mudam de cidade", repete o tucano com frequência.

A "treta", no entanto, ficou maior e ganhou corpo quando Doria mirou no que viu e atingiu o que não viu: os grafites da avenida 23 de Maio.

O plano já havia sido anunciado, mas, quando Doria colocou em prática sua ideia de cobrir boa parte dos 450 grafites da via (que formavam um painel de 5,4 km de extensão), a reação se desencadeou.

"Não teve diálogo. E era isso que os artistas esperavam. Se estava sujo, pichado, o que ele deveria ter feito era chamar quem fez a obra e conversar", afirma Juneca, pichador aposentado e grafiteiro há mais de 20 anos.

Durante toda a semana, pichadores deixaram seus protestos sobre a tinta cinza usada pela prefeitura no local, Doria foi hostilizado na praça da Sé no dia do aniversário da cidade, seu nome e seu feito foram assunto país afora. De repente, pichação e grafite estavam no mesmo balaio.

Confusão tamanha levou o prefeito a anunciar na quinta-feira (26) que a cidade terá em breve um museu de grafite a céu aberto, a começar pela região do Baixo Augusta. O projeto prevê remunerar os artistas e pagar suas tintas para fazer intervenções nas fachadas dos comércios.

O plano é reeditar a iniciativa a cada três meses. "Como serão várias áreas da cidade, creio que teremos oportunidade de abrigar vários desses artistas, de maneira escalonada", disse Doria.

Em relação à pichação, a posição do prefeito continua a mesma. Disse negociar um projeto na Câmara com "multas pesadas" –neste sábado (28), falou em até R$ 5.000 de punição para pichadores de monumentos, além de parceria com taxistas para denunciá-los. Sua gestão diz que entrará com ações civis na Justiça contra 26 pessoas detidas em flagrante neste mês enquanto pichavam prédios ou monumentos públicos.

"A repressão vai instigar mais ainda. Daqui a pouco um deles leva um tiro e o que vai acontecer?", diz o hoje advogado Pessoinha, terno, gravata e um escritório na Berrini.

'O ROLÊ É O MESMO'

Na ativa há 12 anos, OSRZS/B é o nome e a marca de um pichador da zona oeste de São Paulo. Para ele, "não vai demorar" a acontecer o pior. "Não deveria ser o papel do prefeito estimular a raiva das pessoas", diz.

Segundo ele, a repressão vai fazer com que alguns parem, mas não será suficiente para acabar com a pichação. "É assim desde a época do Juneca. Não mudou e não vai mudar as coisas. O rolê da gente continua o mesmo, escalando, pichando. Dá no mesmo", diz. "A pichação só se consolida na transgressão."

Se o ânimo de Doria não é o melhor dos mundos para os pichadores, a época em que Juneca e Pessoinha eram "celebridades sem rosto" não foi diferente. Na década de 80, seus apelidos eram tão conhecidos quanto odiados pelo ex-prefeito Jânio Quadros.

A repulsa do ex-mandatário aumentava à medida em que a dupla marcava os muros da cidade. "Eu saía de casa e tinha uns caras da guarda municipal me fotografando aonde eu ia", diz Juneca.

Avener Prado/Folhapress
Ex-pichadores Juneca (à esq.) e Pessoinha, que assistem hoje à reedição de 'guerra' dos anos 1980
Ex-pichadores Juneca (à esq.) e Pessoinha, que assistem hoje à reedição de 'guerra' dos anos 1980

A ira de Jânio era tanta que, após Pessoinha aposentar o spray e Juneca arrumar um novo parceiro, o "Diário Oficial da Cidade" de 4 de outubro de 1988 estampava na manchete: "Juneca e Bilão vão pichar a cadeia". Logo abaixo, a reprodução de um bilhetinho indefectível de Jânio: "Vejamos se picham a cadeia. Serão processados com o maior rigor."

Não foi isso que os fez parar. "O tempo passa, a gente muda. Eu fui procurar outras coisas, virei grafiteiro, artista plástico. Não foi a repressão que fez isso", diz Juneca.

Enquanto conversava com a Folha, Pessoinha se pega com um cacoete do passado. Abaixa, assina seu nome logo depois do de Juneca, e se dá conta que faz isso com pressa desnecessária, nenhum policial ou guarda aparecerá. "Engraçado como não muda, né?"

Nesta semana, ele vai poder treinar mais uma vez. A porta da casa de seu pai foi pichada. "Não ficou ruim, sério. Tentei entender o que estava escrito, mas não consegui. Mas ruim não ficou. Só que eu e o Juneca vamos lá cobrir e deixar nossa marca", diz. Dessa vez, ele tem certeza de que não vai pegar nada.


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