Folha de S. Paulo


Sob Doria, paisagem recebe flor de ferro, banco de árvore e muro cinza

A cidade linda do prefeito João Doria (PSDB) inclui gigantes flores vermelhas de ferro, com detalhes em branco, amarelo, azul e rosa. Borboletas brancas adornam as peças instaladas na praça Cidade Jardim, zona oeste de São Paulo.

Na avenida Nove de Julho, a cerca de 800 metros da casa do tucano, bancos do designer Hugo França, feitos com troncos de árvore, foram colocados no canteiro central –inacessíveis a pedestres.

Segundo Olivia Lambiasi, pintora das flores, Doria "supergostou" das esculturas, cara da nova paisagem que começou a tomar forma na capital paulista desde a posse do prefeito, que detonou ainda uma disputa pelos muros com pichadores e grafiteiros.

Essa modificação da paisagem paulistana, que divide opiniões, também enfrenta impasse legal. As flores de ferro e os bancos foram instalados sem uma análise prévia.

Uma resolução municipal exige que "intervenções urbanas com exposição temporária de conjunto de esculturas em logradouro público" passem previamente por aprovação da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana, ligada à Secretaria de Urbanismo e Licenciamento e formada por membros da sociedade civil e da prefeitura.

Segundo a gestão Doria, como as esculturas foram doadas "sem contrapartida", um processo administrativo foi aberto e seu extrato será publicado no "Diário Oficial" "após as análises formais necessárias e dentro do prazo legal". A assessoria de imprensa do prefeito regional de Pinheiros, Paulo Mathias, diz que "a avaliação é posterior".

Regina Monteiro, integrante da comissão e idealizadora do Cidade Limpa, que restringiu publicidade na gestão Kassab, discorda. "Nenhum chefe de executivo está acima da lei. Mobiliário urbano tem que passar pela comissão."

'FAXINÃO'

Lambiasi, a pintora das flores, afirma que o prefeito aceitou de imediato a doação. Suas esculturas foram mostradas pela primeira vez no parque Ibirapuera, no ano passado. Até então, essa paulistana de 25 anos, sem trânsito pelo establishment artístico, era conhecida por customizar bolsas de grife com suas cores "alegres".

Na visão dela, Doria faz algo semelhante no espaço público. "A cidade estava precisando de alguém que viesse e fizesse um 'faxinão'", diz Lambiasi. "Nossa cidade está ficando mais harmônica, mais limpa, mais gostosa de viver."

No caso das flores, a intervenção foi fruto de parceria entre a Omint, empresa de odontologia filiada ao grupo Lide, fundado por Doria, e a Farah Services, que mantém 15 praças em São Paulo.

As esculturas foram projetadas por Mariana Farah, filha do presidente da empresa, Michel Farah. Segundo Mariana, as famílias Farah e Doria não se conhecem.

Um decreto publicado pela prefeitura nesta terça (24) flexibiliza as regras para que empresas adotem praças na cidade em troca de publicidade. Agora, empresas intermediárias, como a Farah Services, terão mais facilidade para cuidar desses espaços.

GRAFITE

Essa limpeza apareceu de forma mais contundente nas paredes do corredor da 23 de Maio, que foram pintadas de cinza pela gestão Doria. Nesta terça, por volta das 12h, pichadores escreveram o nome de "Doria" 12 vezes em sequência. Às 15h20, a parede já havia sido limpa.

O tucano defende a criação de um "grafitódromo", área específica para grafiteiros e muralistas. Diz aprová-los "quando autorizados".

Autor de um longilíneo peixe grafitado na horizontal em um dos painéis da avenida, Gustavo Cortelazzi, 32, diz que não é ªo fim do mundoº que seu desenho tenha sido apagado como foi nesta semana. "Vejo a pintura que eu faço como uma coisa passageira", diz. "Mas acho que foi perda de tempo do prefeito mandar apagar os grafites."

O grafiteiro e ativista Mundano, que classificou as ações de Doria como uma "romerobrittização" da cidade, em referência ao artista que é amigo do prefeito, acha que ele "está querendo impor seu gosto pessoal, pintando a cidade de cinza". "O que é arte para ele não é arte para outro."

"Ele, que dirigiu a Embratur, deveria promover o grafite. Essa é uma marca que a cidade já tem e que traz benefícios", diz Baixo Ribeiro, dono da galeria Choque Cultural, pioneira no mercado da arte de rua no país. "Seria mais favorável que ele fizesse uma consulta à população", diz o arquiteto Ciro Pirondi, diretor da Escola da Cidade.

Na visão de Álvaro Puntoni, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o novo prefeito pode estar "escrevendo certo por linhas tortas". "Toda ação de zeladoria sobre o espaço público é bem-vinda porque São Paulo quase não tem isso. A gente precisa deixar a cidade mais bonita."


Endereço da página:

Links no texto: