Folha de S. Paulo


Após pressão, Doria cancela palestra cobrada de empresários em SP

Paulo Lopes-12.dez.2016/Futura Press/Folhapress
João Doria durante evento promovido pelo Grupo Lide
João Doria durante evento promovido pelo Grupo Lide

O prefeito João Doria (PSDB) cancelou sua participação que faria em evento do Lide, empresa fundada pelo tucano e conhecida por pedir contribuições de empresários para organizar palestras com políticos.

A decisão ocorreu após a publicação de uma reportagem da Folha na quinta (19) revelando que, na primeira semana do ano, a Lide enviou e-mails a empresários para pedir patrocínio para o evento, que ocorreria durante um almoço com 350 convidados, no hotel Grand Hyatt, em São Paulo, no dia 6 de março.

As cotas de copatrocínio solicitadas custariam R$ 50 mil e dariam aos presidentes das empresas doadoras o direito de se sentarem à mesa principal, ao lado do prefeito, além de aparições de suas logomarcas em painéis.

Procurada pela reportagem na quarta (18), a prefeitura afirmou que não havia nenhuma restrição para que o prefeito fizesse palestras em eventos promovidos por empresas ou entidades. O presidente do Lide, Gustavo Ene, respondera que não havia conflito de interesse por parte do prefeito porque o controle acionário da empresa foi transferido para o controle dos filhos de Doria.

O pedido de transferência da empresa já foi feito mas, formalmente, ainda não aconteceu e aguarda os trâmites comerciais. Outro argumento de Ene para negar o conflito de interesse foi o fato de outros prefeitos e governadores já terem participado de palestras no Lide, com recursos captados entre empresas.

Nesta segunda (23), no entanto, a prefeitura divulgou nota afirmando que "para evitar que haja qualquer tipo de interpretação distorcida sobre sua conduta", Doria decidiu desistir de fazer a palestra durante almoço organizado pelo Lide.

"A Prefeitura de São Paulo reafirma que a participação do prefeito não representaria qualquer ilegalidade, nem feriria a moralidade e a ética públicas. Tanto é que os últimos três prefeitos da cidade de São Paulo participaram de eventos semelhantes promovidos pelo Lide, que há 14 anos realiza almoços com a participação das mais diversas autoridades públicas e de centenas de líderes empresariais."

Na nota, a administração municipal afirma também que "o Lide, assim como fazem veículos de comunicação de prestígio e seriedade como Exame, Época Negócios, Folha, Estadão, Valor e O Globo, comercializam cotas de patrocínio de seus eventos empresariais. E nada desqualifica os eventos nem seus organizadores e participantes por esta razão."

Também em nota, o Lide disse que "embora não exista restrição legal ou ética para a participação do prefeito, a decisão tem por objetivo evitar qualquer interpretação que desvirtue a verdade dos fatos".

O comunicado à imprensa diz que, para a realização de qualquer evento, é necessária a comercialização de cota de patrocínio. "Não há 'doação' ou solicitação de 'contribuição', conforme noticiado", diz o texto.

Ainda de acordo com a nota, o Lide diz que, desde a sua fundação, em 2003, a empresa tem recebido inúmeras autoridades para debater questões importantes para a sociedade, incluindo os últimos prefeitos da cidade.

Na última quinta (19), a liderança do PT na Câmara Municipal entrou com uma representação no Ministério Público de São Paulo para pedir a suspensão da palestra do prefeito.

Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que, ainda que o prefeito tenha se afastado da empresa, a captação de dinheiro privado por parte do Lide para financiar sua palestra ainda é um caso delicado.

"Existe um flagrante conflito de interesse na medida em que ele é o prefeito da cidade, e as empresas podem se sentir intimidadas e temerosas de sofrer retaliações do poder público caso não contribuam", diz Rafael Alcadipani, professor de estudos organizacionais da FGV Eaesp.

Jaime Crozatti, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (Universidade de São Paulo), diz que "é preciso tomar cuidado para que esses financiadores não sejam fornecedores da prefeitura no futuro".

Empresários relatam que a estratégia da equipe do Lide para captar recursos é insistente. Enquanto Doria ainda chefiava o Lide, antes da campanha para prefeito, não era raro que ele próprio ligasse para reiterar o pedido de patrocínio quando algum dono de empresa negava o apoio. Para Ene, o presidente da Lide, a insistência da equipe da Lide nos pedidos de patrocínio é sinal da eficiência da organização na busca por recursos.

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Íntegra da nota da Prefeitura de São Paulo

Para evitar que haja qualquer tipo de interpretação distorcida sobre sua conduta, o prefeito de São Paulo, João Doria, decidiu declinar o convite para ministrar palestra durante almoço organizado pelo Lide. A Prefeitura de São Paulo reafirma que a participação do prefeito não representaria qualquer ilegalidade, nem feriria a moralidade e a ética públicas. Tanto é que os últimos três prefeitos da cidade de São Paulo participaram de eventos semelhantes promovidos pelo Lide, que há 14 anos realiza almoços com a participação das mais diversas autoridades públicas e de centenas de líderes empresariais.

A Prefeitura observa ainda que o Lide, assim como fazem veículos de comunicação de prestígio e seriedade como Exame, Época Negócios, Folha, Estadão, Valor e O Globo, comercializam cotas de patrocínio de seus eventos empresariais. E nada desqualifica os eventos nem seus organizadores e participantes por esta razão.


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