Folha de S. Paulo


Em dia de transferência de presos, ônibus e carro são incendiados no RN

Frankie Marcone/Futura Press/Folhapress
Ônibus incendiado em rua de Natal no mesmo dia de transferência de presos amotinados há cinco dias
Ônibus incendiado em rua de Natal no mesmo dia de transferência de presos amotinados há cinco dias

Após a gestão Michel Temer (PMDB) reconhecer a gravidade da crise prisional e admitir os impactos limitados da atuação das Forças Armadas nas unidades carcerárias, a disputa entre facções criminosas teve um novo capítulo na tarde desta quarta (18) ao atingir as ruas de Natal, com ataques que levaram medo à capital do Rio Grande do Norte.

Os atos violentos incluíram 3 ônibus incendiados nas vias públicas, 12 na garagem de uma empresa e disparos contra duas delegacias (1º DP e 14º DP), sem deixar feridos.

As autoridades policiais avaliam que eles foram uma resposta do Sindicato do Crime do RN à decisão do Estado de transferir 220 detentos do presídio de Alcaçuz, na região metropolitana, palco da morte de 26 presos no final de semana, em meio à guerra com presos do PCC.

Eles começaram a ser levados ao presídio estadual de Parnamirim, que remanejaria 100 detentos para Alcaçuz e 120 para outra cadeia.

vídeo

O medo de novos ataques levou as empresas de ônibus a recolherem a frota das ruas, deixando a população sem transporte coletivo.

Áudios enviados por presos de Alcaçuz orientavam aliados do Sindicato do Crime a "tocar fogo" na cidade.

O governo disse ter reforçado a segurança. Um carro do Estado também pegou fogo, mas ele negava, nesse caso, relação com a crise prisional.

RUAS VAZIAS

Um dos ônibus incendiados estava na praia do Meio. O calçadão da famosa praia de Ponta Negra ficou vazio ao anoitecer, assim como outras ruas geralmente movimentadas. Moradores voltaram para casa mais cedo, e táxis foram autorizados a fazer lotação.

A funcionária pública Gilvani Oliveira, 32, aguardava no ponto de ônibus na frente de um shopping. "Estávamos aproveitando a noite para fazer compras quando fomos surpreendidos com a notícia de que os transportes estavam sendo recolhidos. Estou esperando há quase meia hora", afirmou, ao lado do filho de 12 anos. "Espero que consigam controlar a situação."

O capitão Fabio Sandrine, supervisor das operações da PM na Grande Natal, disse que mais de 80 policiais ficariam na cidade de madrugada.

Além do reflexo nas ruas, houve reação também na penitenciária do Seridó, em Caicó, onde foi iniciada uma rebelião, também atribuída ao Sindicato do Crime do RN.

Presos quebraram grades, atearam fogo em colchões.

O governo afirmava no final da noite que um detento havia sido assassinado.

Os ataques ocorreram depois da entrada do Batalhão de Choque da PM no presídio de Alcaçuz, após cinco dias de rebelião, para transferir os presos, sob protesto de mulheres de detentos, que chegaram a montar barricada com fogo. Policiais deram tiros de advertência para dispersar a manifestação.

O Sindicato do Crime do RN, que controla a maioria dos presídios do Estado, também foi responsável por ataques nas ruas de Natal e do interior entre julho e agosto de 2016, como reação à instalação de bloqueadores de celular numa penitenciária.

Segundo policiais, a transferência de integrantes da facção estava sendo interpretada pelo grupo como uma iniciativa benéfica ao PCC.

Detentos mortos em 2017

FORÇAS ARMADAS

Apenas nos primeiros 15 dias do ano, em meio à disputa entre facções, 134 presos foram assassinados nas prisões do país, incluindo massacres no Amazonas, Roraima e RN.

O governo federal, que nos últimos meses minimizou a guerra entre os grupos criminosos, anunciou na terça (17) a autorização para que as Forças Armadas possam atuar na varredura de presídios para ajudar a contornar a situação.

Horas antes dos ataques em Natal, Temer admitiu a gravidade da crise, com termos como "tormentoso drama" e "drama infernal" para se referir à situação. Falou da necessidade de "ousadia" para soluções (referência ao uso controverso das Forças Armadas), mas admitiu as limitações das medidas contra a crise.

"Não será apenas a inspeção periódica que vai resolver o problema", disse Temer. "Se não houver uma conjunção de esforços, não vamos ter a ilusão de que a simples menção às Forças Armadas irá resolver a questão. É puxar o primeiro fio de novelo."

Os governadores de AM, RR e RN, onde houve os massacres neste ano, já pediram à União a presença das Forças Armadas para participar da varredura em prisões.

Após reunião com Temer, governadores de outros sete Estados deram aval ao plano anunciado pelo presidente. O Exército somente entrará em locais em que não haja risco de rebelião –e sem manter contato com presos.

Inicialmente, está prevista a mobilização de mil homens das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), divididos em cerca de 30 equipes, para atuar em presídios. Segundo o ministro da Defesa, Raul Jungmann, as equipes devem iniciar as vistorias em até dez dias.

As ações serão exclusivamente de varredura para detectar objetos como celulares, facas, explosivos, armas, barras de ferro e munição.

Jungmann destacou que os militares não terão nenhum contato com os presos. O manejo dos detentos para que se verifique as celas será feito por polícias estaduais e agentes penitenciários. O gasto inicial previsto é de R$ 10 milhões.

O governo também anunciou a criação de um grupo de intervenção, para atuar como uma Força Nacional voltada para penitenciárias.

O grupo seria formado por cerca de cem agentes penitenciários cedidos pelos Estados e sob coordenação dos governos, com custos compartilhados com a União.

Eles seriam destacados para entrar nos presídios em crise ou sob ameaça e fazer a triagem da massa carcerária para localizar e separar líderes de facções criminosas.


Endereço da página:

Links no texto: