Folha de S. Paulo


'Será um governo capaz de unir a todos' diz Doria em discurso de posse

Marlene Bergamo/Folhapress
COTIDIANO - SAO PAULO - Posse de Joao Doria, o novo Prefeito de São Paulo, no Teatro Municipal. - 01.01.2017 - Foto - Marlene Bergamo/Folhapress - 017
Posse de João Doria, o novo Prefeito de São Paulo, no Teatro Municipal

Leia os principais trechos do discurso de João Doria (PSDB) na cerimônia de transmissão do cargo no Theatro Municipal.

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"Vocês todos sabem, o Fernando Haddad foi o primeiro prefeito que eu convidei para fazer parte do conselho superior da cidade de São Paulo, numa demonstração de que nós, como governantes, vamos administrar para o povo de São Paulo.

Nós não vamos governar para um partido, por uma ideologia. Vamos governar para todos. Convidei o prefeito Fernando Haddad, que prontamente aceitou o convite. Convidei também Marta Suplicy, Gilberto Kassab, José Serra, Paulo Maluf, Luiza Erundina –que aliás foi a terceira que eu convidei e foi muito amável também ao aceitar o convite.

Todos os ex-prefeitos da cidade de São Paulo, que, ainda em vida, estão aqui todos morando e residindo, e muitos no exercício, inclusive, de representações públicas, políticas, a fazerem parte deste conselho, que se reunirá no mínimo três vezes por ano, o Conselho Superior da cidade.

E aqui fica a mensagem, Fernando [Haddad], daquilo que falamos ao longo de vários dos nossos encontros, várias das nossas reuniões, tão positivas e tão fraternas, tão afetivas, inclusive.

Que a nossa gestão, como lembrou o governador Geraldo Alckmin, será uma gestão agregadora. Eu fui assim a vida inteira. A vida inteira eu fui um agregador, eu fui um somador. Eu nunca subtraí, nunca ofendi, nunca bati. Nunca falei mal das pessoas (1), nem mesmo na campanha. Ainda que recomendado várias vezes para fazê-lo, não quis fazer isso. E não fiz.

(1)Especialmente durante a pré-campanha para prefeito, Doria se notabilizou pelo discurso ácido contra o PT e, especialmente, o ex-presidente Lula. Ele chegou a dizer que o petista era "um sem vergonha", "cara de pau" e "covarde". Eleito em outubro, afirmou que visitaria Lula "em Curitiba" e que até poderia levar chocolates para ele.

Fizemos uma campanha limpa, fizemos uma campanha construtiva, falando de propostas, falando de programas sem ofender ninguém. E nem ter o chamado "labo B" de campanha. Fizemos um único lado, o lado da democracia, de respeito pelos candidatos, incluindo o Fernando Haddad, que disputaram as eleições em São Paulo.

E assim faremos, Fernando, como um exemplo desta transição. Um governo aberto, um governo amplo, um governo capaz de unir a todos, de reconhecer o valor de todas as pessoas.

Eu disse recentemente, numa entrevista para a revista "Veja", que nós governaremos para todos, os que nos elegeram e os que não nos elegeram. Todos que vivem nesta cidade, brasileiros e não brasileiros, vão merecer o nosso respeito, e o respeito de uma gestão conciliadora.

Uma gestão que saberá ouvir e que terá humildade também, seguindo o exemplo do governador Geraldo Alckmin, de sempre que necessário, e for comprovadamente necessário, recuar para poder avançar (2). Isto é prova de grandeza. Isso nos ensina a Bíblia, nos ensinam aqueles que na sua maior dimensão souberam recuar sempre que foi necessário para poder avançar.

(2)Doria tem recuado e feito ajustes em promessas. Por exemplo, voltou atrás na ideia de acabar com a Secretaria da Pessoa com Deficiência. Prometeu acabar com o programa de Haddad na cracolândia, mas deve manter algumas das ações. Doria também fez ajustes no plano das marginais (manteve uma das faixas a 50 km/h) e no congelamento de tarifas (reajustou o valor de alguns bilhetes).

Mas sobre gestão, falarei depois. Queria, para finalizar a minha intervenção, que se despede do Fernando e da Estela [ex-primeira-dama] e da Nádia [Campeão, ex-vice-prefeita] neste momento, desejar felicidades, e que vocês tenham este registro destes quatro anos que aqui estiveram à frente da prefeitura, como prefeito, como primeira-dama, como vice-prefeita da cidade, a melhor lembrança, que vocês contribuíram para a biografia positiva da nossa cidade.

Ao longo dos próximos meses, estaremos juntos em várias circunstâncias, para ouvir os conselhos, ouvir as opiniões do Fernando e de outros ex-prefeitos.

A dimensão, governador Geraldo Alckmin (3), do seu discurso, é a dimensão da democracia, que move o nosso país. É esta a democracia que todos nós devemos aplaudir.

(3)Mais uma vez, como quando foi eleito, Doria menciona Alckmin como possível candidato à Presidência. No PSDB, o governador terá que disputar com outros dois figurões do partido que sonham com o cargo: Aécio Neves e José Serra.

É a democracia que não tem uma cor, é a democracia que não tem um partido, embora todos nós valorizemos os nossos partidos. O nosso Partido da Social Democracia Brasileira, o Partido dos Trabalhadores, do prefeito Fernando Haddad, assim como todos os demais partidos.

Mas ao administrar a cidade de São Paulo, nós estaremos administrando para todos. Todos os brasileiros e não brasileiros que aqui vivem, indistintamente. Essa será a nossa índole, como fizemos nessa transição.

Obrigado, Fernando, obrigado, Estela, obrigado, Nádia. Daqui a pouco nós estaremos aqui, mais uma vez, juntos, lutando pela mesma bandeira. A bandeira da cidade de São Paulo, a bandeira brasileira. Muito obrigado.

É uma tarde de festa, uma tarde de democracia. Como diria [o ex-governador de SP] André Franco Montoro, se aqui estivesse, ele abriria seu discurso dizendo "viva a democracia".

E também diria Mário Covas, a quem eu tive o privilégio de servir como secretário, Bruno [vice-prefeito, neto de Covas], o seu avô foi um exemplo de gestor, de homem público, de homem correto, de homem decente. Com a fibra e a determinação de um Covas, como você, agora como vice-prefeito, e como o nosso Mário Covas Neto, na Câmara Municipal de São Paulo.

Recebi do governador Geraldo Alckmin uma mensagem por WhatsApp muito carinhosa do presidente Fernando Henrique Cardoso, que está em viagem e não pode estar aqui presente (4), mas fez uma menção muito carinhosa a este ato, a este momento da democracia.

(4)Além de FHC, outros nomes de peso do PSDB não compareceram à cerimônia de posse do tucano. Só um deputado federal, Silvio Torres (PSDB-SP), apareceu. Nenhum senador tucano foi ao evento. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, cuja presença era cotada, também não foi. A ausência de nomes tradicionais da sigla, como o ministro José Serra, remete à profunda divisão que a candidatura de Doria suscitou no partido.

Então eu saúdo o nosso FHC, o nosso presidente Fernando Henrique, onde ele estiver, ele está fora do Brasil, com a Patrícia, sua esposa, mas agradecendo sua generosa mensagem.

Assim como inúmeras que recebemos dos senadores, governadores, deputados estaduais, deputados federais, do PSDB e de outros partidos que nos honraram muito com mensagens tão bonitas e positivas.

Eu preciso fazer aqui uma referência, governador, o senhor me emocionou ao fazer a lembrança dos meus pais. Da minha mãe, Maria Sylvia, e do meu pai, João Doria (5).

(5)Apesar de tentar dissociar sua imagem da atividade política profissional, Doria convive com o meio desde criança. Seu pai, João Doria, foi deputado federal, cassado em 1964 após o golpe militar. Seu bisavô, também João Doria, foi vereador e chegou a ser prefeito-tampão de Salvador, em 1895.

Meu pai certamente estaria hoje aqui muito feliz, na sua cadeira de rodas, onde ele passou os últimos oito anos da sua vida, sem perder sede, tenacidade, vontade, a sua liberdade de pensar e de expressar o que sempre pensou e o que sempre desejou para o seu país.

Pois minha mãe, Raul [irmão de Doria], a nossa mãe e avó dos seus filhos, avó dos meus filhos, e o seu pai e avô dos nossos filhos certamente vão inspirar muito o nosso governo. Pela sua determinação, pela sua vontade, pela sua fibra. Felizmente, os filhos puderam herdar um melhor legado que o pai nos pode oferecer, Capez [deputado estadual, presidente da Assembleia Legislativa de SP], você conhece essa história.

Meu pai não pode nos deixar nenhum bem material, nenhuma herança de propriedade nem dinheiro nem ações, mas deixou o que de mais importante um pai e uma mãe podem oferecer aos seus filhos: é o legado do próprio exemplo, o exemplo de vida, de honestidade, de tenacidade, de determinação.

Um homem que diante das ameaças da ditadura militar não vergou, não se entregou, não cedeu e pagou caro por isso. Mas pagou caro com a certeza de que estava fazendo o que tinha que ser feito pelo seu país, pelo seu povo, pela sua bandeira. Este é o exemplo que me motiva na vida pública.

Este é o exemplo, governador, que justifica a sua colocação no seu brilhante discurso de que eu não nego a política.

Sou um gestor, sim. Serei um administrador da cidade, sim. Mas serei um respeitador da vida pública e daqueles que são servidores na área pública, como parlamentares, como funcionários, como aqueles que já passaram pelo Executivo, ou ocupam funções com o mesmo respeito que tenho pela memória do meu pai.

Então, pai querido, você que está aí em cima, do lado da minha mãe e de tantas outras pessoas queridas, eu dedico também este momento histórico nesta data de 1º de janeiro de 2017 a vocês.

Quero também fazer uma nova referência à minha família, dom Odilo [Scherer, cardeal e arcebispo de São Paulo], porque minha mãe, Maria Sylvia, nos momentos mais duros da nossa vida, com o Raul, meu irmão que está aqui, nos faltava quase tudo, não nos faltava fé.

Na ausência do meu pai, no exílio, dez anos longe do Brasil, tivemos que voltar depois de dois anos de exílio porque meu pai não tinha mais condições de nos sustentar. Minha mãe não estava preparada para enfrentar essa vida e essas adversidades, e minha mãe sofreu muito.

Mas o que nos confortava todas as noites, muitas das quais sem luz na nossa casa, por falta de pagamento, era a oração, a um Cristo que hoje está no nosso quarto, meu quarto e da Bia [Doria], a quem eu dirijo todos os dias as minhas orações. Esse mesmo Cristo que hoje protege a nossa família, nos protegeu lá atrás, em momentos de muita dificuldade e muita tristeza.

Portanto, tenham fé, minhas amigas e meus amigos, seja qual fora sua fé, professe, não negue sua fé, exerça a sua fé. Ela vai ajudar você a vencer, a superar e a compreender a grandeza da fé, que não é a grandeza material. Não é ter, mas é ser.

E a oração contribui para que você compreenda a importância de ser muito mais do que ter, muito mais do que o poder. Ser. E este ser faz com que você possa ter a sua relação de humildade, e de reconhecer suas falhas, suas limitações, seus equívocos e as suas injustiças.

É este ser, dom Odilo, que nos permite ter não apenas a humildade, mas a tolerância e a capacidade de compreender as pessoas mesmo quando lhe dirigem injustiças, palavras ou atos impróprios, compreender e perdoar.

Foi assim que construí a minha vida. E assim vou continuar fazendo. Construindo minha vida agora na área pública.

E fazer deste ciclo, governador Geraldo Alckmin, um novo ciclo, como o senhor colocou no seu discurso, um novo ciclo de uma cidade que é um Estado, de uma cidade que é um país, de uma cidade que, como dizia seu avô, Bruno, pai do Zuzinha (6), marido da Nina, a cidade que espelha o Brasil.

(6)O novo prefeito criou um racha no PSDB ao apoiar o vereador Milton Leite (DEM) para a presidência da Câmara. A vaga era cortejada por Mario Covas Neto, filho do ex-governador Mario Covas, que recebeu apenas um voto na disputa.

Por isso, secretários e secretárias que aqui estão, colaboradores, que agora passam a contribuir com esta cidade, e aos 135 mil servidores públicos de São Paulo, nós temos uma missão que é maior do que administrar a nossa cidade.

É contribuir para mostrar que é possível fazer tanto quanto se faz no governo de São Paulo, fazer também no governo da cidade de São Paulo.

E este novo ciclo estabelece valores de gestão importantes, que eu aprendi lá atrás, governador, com André Franco Montoro, responsável pela entrada na política do meu pai, e a minha também, quando estabelecemos como princípios a descentralização, a participação, a modernização, a eficiência e a transparência dos nossos atos. E estabelecer com clareza as nossas prioridades para a cidade.

Prioridade com foco na saúde, na educação, na mobilidade urbana, na habitação e na segurança pública, sem desmerecer nenhuma outra área de ação na Prefeitura de São Paulo.

Da mesma forma faremos a nossa gestão dedicada, conforme eu lhe disse ao lhe visitar na semana seguinte à nossa eleição, a prioridade desta gestão será aos mais humildes e aos mais pobres da nossa cidade (7). Aos mais humildes e mais pobres da nossa cidade.

(7)Entre as bandeiras de Doria para a população de baixa renda, o tucano promete zerar a fila por creches na rede pública e a fila por exames em unidades municipais de saúde –sua aposta, neste caso, é o Corujão da Saúde, em que exames em hospitais privados serão custeados pelo município.

Não se esqueçam, todos os que estão trabalhando, a partir de hoje esta é a nossa prioridade.

Por isso mesmo, governador, amanhã vamos começar dando um exemplo, que não será um exemplo de um dia, será um exemplo de quatro anos. Não de oito, porque eu já declarei e reafirmo que não farei reeleição (8). Pessoalmente eu não sou favorável. Por coerência e por observância a tudo o que falo e propago, não disputarei a reeleição em qualquer circunstância, em qualquer.

(8)Com a vitória acachapante de Doria no primeiro turno, multiplicam-se na sigla e entre legendas aliadas teses sobre a possibilidade de o prefeito, fazendo um bom mandato, se cacifar para disputar o governo de São Paulo já em 2018. Esse cenário repetiria caminho feito pelo hoje ministro José Serra, que deixou a prefeitura em 2006, um ano e três meses após tomar posse, para se eleger ao Palácio dos Bandeirantes.

Mas, nestes quatro anos, todos nós que estamos aqui, secretárias e secretários, colaboradoras e colaboradores, vereadoras e vereadores, servidores públicos dessa cidade, vamos trabalhar e muito.

E amanhã vamos começar dando este exemplo de igualdade. Às 6h, todos os secretários, secretárias, todos presidentes de empresas do município estarão na rua, vestindo roupa de gari, com uma vassoura na mão, para demonstrar na humildade, na simplicidade e na igualdade como será a administração desta gestão na Prefeitura de SP.

E não há crítica, nenhuma delas que se faça, que vá mover a nossa decisão de dar exemplos positivos como esse. Acordar cedo, trabalhar duro, com honestidade, com decência, e o exemplo de igualdade, de respeito pelos mais pobres, pelos mais humildes, como são os garis dessa cidade. Vamos, sim, e com Geraldo Alckmin vamos colocar o Brasil nos trilhos.

E, para finalizar, nesta cerimônia mais simples, com austeridade, aliás peço desculpas a todos que aqui vieram, mas nós temos que dar exemplo de austeridade (9), por isso uma cerimônia simples, sem café, sem banquete, sem bebidas, mas com o principal valor, que é o valor do exemplo, da atitude e do comprometimento dos que aqui estão como governantes e como governados.

(9)Ao congelar a tarifa de ônibus em R$ 3,80 em 2017, Doria criou um gasto extra na prefeitura que terá de ser pago às empresas de ônibus. O valor ultrapassa os R$ 500 milhões. Por outro lado, o tucano anunciou um pacote de medidas para apertar os cintos na prefeitura, como corte de 15% em todos os contratos, diminuição dos cargos comissionados e no custeio das secretarias.

E finalizo, governador, citando uma frase de Robert Greene (10), que escreveu, o senhor que gosta de boas citações, "As 48 Leis do Poder".

(10)Robert Greene, 57, é um escritor americano, autor de best-sellers e especializado em temas como sedução amorosa, poder e estratégia. No livro "As 48 Leis do Poder", citado por Doria, o autor explica como "manipular pessoas e situações para atingir os objetivos", segundo descrição da livraria Amazon. "Não ofusque o brilho do mestre", "não se comprometa com ninguém", "banque o amigo, aja como espião" e "aniquile totalmente o inimigo" são alguns dos temas tratados pelo autor nesse livro.

Disse Green: sejamos ousados, qualquer erro cometido com ousadia é facilmente corrigido com mais ousadia. Todos admiram os corajosos. Ninguém louva os covardes.

Faremos uma gestão corajosa, uma gestão por São Paulo, uma gestão pelo povo dessa cidade, com coragem para mudar e com capacidade para reconhecer a dimensão desta que é a maior cidade do país, maior cidade da América Latina, terceira maior capital do mundo.

E, mais do que tudo, minhas amigas e meus amigos, a nossa bandeira, as nossas bandeiras estão ali. A bandeira da cidade, a bandeira do Estado, a bandeira do Brasil. É a estas bandeiras que nós deveremos fazer nossa reverência, e ao povo brasileiro que vive em São Paulo.

Muito obrigado, nesta certeza da nova trajetória da cidade de São Paulo. Obrigado, fiquem com Deus, viva São Paulo e viva o Brasil."


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