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'Ele se fingiu de morto', diz irmã de sobrevivente de chacina em Campinas

Denny Cesare/Codigo19/Folhapress
Corpo de uma das 12 vítimas de chacina é retirado de casa em Campinas
Corpo de uma das 12 vítimas de chacina é retirado de casa em Campinas

A irmã de uma das vítimas sobreviventes da chacina registrada no final da noite deste sábado (31), em Campinas (a 93 km de São Paulo), afirmou que Sandro Regis Donato, 44, se fingiu de morto para não levar mais tiros.

Ele foi ferido no abdome e socorrido no hospital municipal Mário Gatti. Segundo a assessoria do hospital, a vítima passou por cirurgia e o estado clínico atual é estável. A assessoria não informou se Donato corre risco de morte.

No final da noite de sábado (31), o técnico de laboratório Sidnei Araújo invadiu uma casa no Jardim Aurélia, bairro de classe média de Campinas, e matou a tiros sua ex-mulher, Isamara Filier, o filho de oito anos e outras dez pessoas que estavam no local celebrando o Réveillon.

Chacina em Campinas

"Meu irmão se fingiu de morto para não morrer de verdade. Ele levou o primeiro tiro, caiu e ficou sem se mexer. Graças a Deus ele está vivo, mas estamos todos muito abalados", disse a mulher, que não se identificou.

Ela deu o depoimento no momento em que saia da casa, cena do crime. Ela estava acompanhada de mais dois homens. Um deles aparentava estar nervoso e saiu acelerando o carro, assustando as pessoas que estavam no local.

O imóvel foi lavado por familiares. O sangue das vítimas escorreu pela calçada. O cheiro no local era forte, predominante de sangue. Um tapete com manchas de sangue e quatro sacos de lixo foram amontoados em frente à casa.

OUTROS RELATOS

No momento da chacina, quase na virada do ano, ocorria uma festa no salão da Igreja Presbiteriana localizada em frente à casa onde tudo aconteceu. De acordo com o relato de um vizinho, o pastor suspeitou que o barulho era de fogos.

"Mas eu avisei que não eram fogos, e sim tiros. Havia umas cem pessoas na festa de inauguração do salão. Todo mundo da vizinhança foi convidado. As pessoas correram pra se esconder no salão. Ficaram abaixadas", disse o homem, que não quis se identificar.

A aposentada Antonia Costa Lopes afirmou que conhecia a dona da casa, Antonia Dalva Ferreira de Freitas, 62, morta na chacina. Segundo ela, na casa moravam ainda um genro, uma filha e o neto de 17 anos, que conseguiu escapar.

"Estou muito abalada com tudo isso. Estou tremendo, nem consigo falar ou chorar. Eles eram como se fossem da nossa família", disse a aposentada. "Eles eram todos unidos. Acredito que todos estavam festejando o Ano Novo", disse.

Como faltava cerca de cinco minutos para a virada do ano, os tiros foram confundidos com fogos de artifício que estouravam no momento. Por isso pouca gente se atentou para o que acontecia dentro da casa.

A estilista Gláucia dos Santos mora na vizinhança e desceu do apartamento de seu prédio para ver os fogos de perto. "Cheguei a ouvir uns barulhos estranhos, tipo pá pá pá. Mas não vi mais nada e subi de volta", contou.

"Depois vimos umas viaturas e ambulâncias passando, mas só agora cedo é que soubemos de tudo o que aconteceu. É muito triste ver isso logo no primeiro dia do ano", afirmou Gláucia, que disse não conhecer as vítimas.

ATIRADOR

O autor da chacina trabalhava como técnico em instrumentação do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais). Em nota, o laboratório federal confirmou que Sidnei Ramis de Araújo, 46, fazia parte de seu quadro de funcionários.

"O CNPEM lamenta profundamente o ocorrido e está em contato com os familiares do ex-colaborador para prestar auxílio", informou a direção do centro, na nota. A Folha não conseguiu falar com nenhum familiar de Araújo.

O técnico em instrumentação morava sozinho em um apartamento de um condomínio de classe média baixa, próximo à rodovia Anhanguera, desde que se separou da mulher, Isamara Filier, 41, morta na chacina.

Um vizinho, que pediu para não ser identificado, afirmou que Araújo aparentava ser dócil e tranquilo, e que algumas vezes falou do filho e de um porquinho da Índia que havia dado para a criança.

"Até agora não consigo acreditar que tudo isso tenha acontecido. Ele era uma pessoa super legal, de bem com a vida. Se preocupava em não fazer barulho no prédio e tinha amigos em um bar da cidade", disse o vizinho.

Vizinhos da casa onde aconteceu o crime, no Jardim Magnólia, também ressaltaram o estilo de vida amigável e tranquilo de Araújo, e se disseram chocados com a quantidade de mortos registrado.

"Ele era um bom homem, mas agora virou o contrário. Tudo o que a gente disser não vai mais adiantar. Talvez ele estava sofrendo muito", afirmou um homem, que pediu para não ser identificado.

No boletim de ocorrência registrado na Polícia Civil, um familiar de Isamara contou que ela e o ex-marido estavam envolvidos numa disputa judicial sobre o filho de oito anos, que também foi morto pelo pai.

No carro do atirador, a polícia encontrou um gravador onde Araújo se desculpava sobre algo que iria acontecer, sem explicitar os homicídios, bem como frases de indignação contra a mãe de seu filho.

Com ele também foram apreendidos dez artefatos que aparentavam ser explosivos. O Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) foi acionado, recolheu o material e levou para a destinação correta.


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