Folha de S. Paulo


Aluguel de 'puxadinho' vira opção para férias da crise no litoral norte de SP

Ao lado de uma casa em cima de um morro, com uma vista estonteante para o mar, um chalé foi erguido no começo do ano. Nesse terreno em Camburi, no litoral norte de São Paulo, o arquiteto Marcelo Teixeira, 48, inovou para pagar as despesas da casa.

"É caro ter casa na praia", diz ele, cuja família é proprietária do terreno há 40 anos. Com a crise, ficou mais difícil manter a morada. Para "pagar as despesas", projetou o chalé para duas pessoas que desde maio recebe hóspedes por meio do site de hospedagem Airbnb, por R$ 300 a diária –R$ 500 aos sábados.

Moradores do litoral e donos de casa na praia têm recorrido ao aluguel desses espaços para mantê-los –alguns, como Teixeira, até constroem outras casas, fazendo disso um negócio. A 3 km dali, longe da praia e mais no meio da mata de São Sebastião, um garoto de 18 anos comprou um terreno com o dinheiro de uma herança. Construiu ali uma casinha simples, só para si. Isso foi há 20 anos. Hoje, Ivan Lopes tem 38.

Com o tempo, ainda adolescente, percebeu que não teria dinheiro para manter a casa. Construiu outra casinha no terreno para alugar para amigos. Mais uma. Outra. Até que chegou a 11. "Era uma comunidade de surfistas. Só amigos alugavam", diz ele, hoje corretor de imóveis.

Depois de alguns anos com a garantia das 11 casas alugadas anualmente ("Até com fila de espera", diz), em abril de 2016 a primeira delas vagou. Depois, mais uma. De repente, Lopes se viu com cinco casas livres. "Ao deixar as casas, meus amigos disseram que começaram a sentir no bolso, não tinham como pagar, mesmo que fosse pouco."

Quando as casas ainda eram ocupadas, ele cobrava cerca de R$ 1.000 por mês, às vezes era dividido entre mais de um amigo. Agora, com cinco casas mais a sua no Airbnb, cobra R$ 100 por noite.

Dados do Airbnb mostram que em Guarujá, Bertioga, Ilhabela e São Sebastião houve crescimento de 122% no número de anúncios de espaços para aluguel de dezembro do ano passado a dezembro deste ano. A empresa diz também, sem revelar dados, que houve "aumento expressivo da demanda" na região.

Mas, a alguns usuários, o serviço recomenda o barateamento do custo da hospedagem, regulando o mercado da oferta e da demanda, como fez por e-mail com o ator Ramon Devivas, 53, que cobra
R$ 300 a noite para duas pessoas no chalé que construiu em Camburi –também com o objetivo de manter sua casa.

RESERVAS EM BAIXA

Com o feriado mais importante do ano em um fim de semana, o que significa um dia útil a menos de folga, o mau tempo nos últimas semanas e, claro, a crise econômica, a ocupação de hotéis e pousadas no litoral norte de SP está aquém do esperado.

No Réveillon de 2015, esses espaços já previam uma ocupação de 80%. Agora, as reservas com antecedência representam cerca de 60% de ocupação, segundo José Carlos de Souza, secretário-executivo do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e similares do litoral norte.

Parte dos hotéis manteve os mesmos preços do ano passado, segundo ele –e há até casos de redução de preço. O litoral paulista tem vivido um verão com menos sol e calor do que o esperado até agora. Nos comércios e nas pousadas, a torcida é para que a previsão do tempo não assuste mais os turistas durante o fim de semana. Na semana passada, restaurantes e pousadas estavam vazios.

Gerente de um chalé construído por um proprietário que visava aumentar sua renda para manter uma casa em Barra do Una, Kátia Oliveira, 42, diz que o pacote de Réveillon ali custa o mesmo de 2015: R$ 1.935, por cinco noites, para duas pessoas. O valor é inferior à média de R$ 2.000 a R$ 5.000 dos hotéis da região, segundo o sindicato. A procura, segundo Kátia, diminuiu cerca de 30%.

Até os hóspedes endinheirados que vão para a praia de helicóptero têm recorrido menos a essa forma de transporte. O empresário Fabrício Hauschild, 44, proprietário de um heliporto em Juqueí, diz que, neste ano, durante o rigoroso inverno no litoral, o resultado foi "uma catástrofe". "Tínhamos uma média mensal de 70 pousos no inverno; o número caiu para 15."

No Réveillon, ele espera pelo menos de 50 a 70 pousos, mas admite que o número pode ser menor do que o de 2015. Ele é proprietário de cinco casas no litoral, que aluga para turistas. "Ano passado, a procura era maior. Agora, parece que as pessoas estão deixando para a última hora."

PODER DE COMPRA

Não é só a hospedagem que enfrenta a crise. A compra de imóveis também foi afetada. "Nos últimos dois anos, sentimos que o poder de compra diminuiu no litoral", afirma Ivan Lopes, 38, corretor de imóveis que trabalha em Riviera e que é proprietário de 11 casas em Camburi que aluga por sites de hospedagem.

Ele diz que "o público de baixa renda" não compra mais apartamentos e casas em Riviera, e quem tem maior poder de compra paga agora R$ 3 milhões em espaços que valem R$ 5 milhões. Lopes também observa que a data do Réveillon de 2016 tem atrapalhado o aluguel de casas no feriado. O dia 31 cairá em um sábado -e muita gente terá menos tempo de folga para ficar na praia.

Isso atrapalha pacotes do feriado, que englobam entre cinco e sete dias. Pelo Airbnb, a solução foi propor aos hóspedes que só poderiam passar metade da semana na praia a compartilharem o pacote com quem quisesse passar o restante do tempo ali –solução que viabilizou até agora uma única reserva.


Endereço da página:

Links no texto: