Folha de S. Paulo


Polícia apura suspeita sobre laudo de chefe de ação anticrack de Alckmin

Pedro França / Agência Senado
BRASILIA, DF,30.06.2016, BRASIL, professor da Universidade Federal de Sao Paulo (Unifesp), Ronaldo Laranjeira na Comissao de Educacao, Cultura e Esporte (CE) realiza audiencia pública interativa com especialistas, para debater o PLC 37/2013, que trata do financiamento das políticas sobre drogas Foto:Pedro França / Agencia Senado ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Ronaldo Laranjeira, coordenador do programa anticrack do governo Alckmin, é investigado pela polícia

O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador do programa anticrack do governo Geraldo Alckmin (PSDB), é investigado pela polícia e pelo Conselho Regional de Medicina de SP sob a suspeita de ter determinado a internação involuntária de uma pessoa sem que ela tenha passado por uma avaliação médica.

Com essa internação, solicitada a Laranjeira pelos familiares do paciente, os parentes conseguiram ordem judicial para retirar do internado o controle de um patrimônio de cerca de R$ 40 milhões.

A internação é considerada irregular tanto pela Associação Brasileira de Psiquiatria como pela Promotoria.

Agora a Polícia Civil de SP apura tanto um possível crime de falsidade ideológica como se o coordenador do programa Recomeço, do governo estadual, recebeu para emitir um laudo irregular.

A ação que trata do controle do patrimônio ainda tramita na Justiça. Nela, Laranjeira aparece como o assistente técnico contratado pela família para manter o paciente sem acesso ao próprio dinheiro.

"Se não fosse pela ajuda da minha mãe, estaria morando debaixo da ponte", afirma o empresário Paulo Valinas Capintero Villaverde, 52, internado por Laranjeira.

Segundo documentos em poder da polícia, aos quais a Folha teve acesso, o empresário foi paciente de Laranjeira em razão de uso de drogas.

A última conversa ocorrida entre eles, na condição de médico e paciente, se deu em setembro de 2008. Quase três anos depois, em maio de 2011, a pedido da família de Villaverde, Laranjeira determinou a internação do empresário, como o médico reconhece em e-mail enviado em 2014.

"Tenho a declarar que a última consulta que fiz para ele na condição de paciente foi em setembro de 2008. Em abril de 2011 atendi o pai dele [do empresário] que solicitou um atestado para internação", afirmou Laranjeira, em e-mail encaminhado a advogados.

O empresário, conforme admite, foi preso em abril de 2011 após ser flagrado pela polícia saindo de um drive-in com duas adolescentes de 13 anos.

Ele foi condenado a dois meses de prisão –mas não há provas de que tenha tido relações sexuais com as meninas.

Já na saída da prisão, 45 dias depois, foi levado por uma equipe de contenção contratada pela família para unidade de tratamento no interior de SP, onde permaneceu internado por cerca de um ano. Em janeiro de 2014, novamente a pedido da família, Laranjeira voltou a determinar a internação involuntária, novamente sem contato pessoal.

"No momento está numa grave crise e necessita ser internado compulsoriamente", diz no documento também em poder da Polícia Civil. Essa internação, porém, acabou não sendo concretizada.

A ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) diz que a internação de paciente sobre o qual não se tem notícia há anos fere a legislação.

"O médico que eventualmente ouse dar um documento indicando um procedimento sem examinar o paciente, sem um contato recente com o paciente, ele está incorrendo em falha básica, ética, de má prática. Vai ser questionado, vai ter que responder disciplinarmente por isso", disse o médico Carlos Salgado, 61, membro da Comissão de Dependência Química da ABP.

Salgado falou à Folha sem conhecer o nome do médico, tratando o caso de uma forma geral.

"Todos somos instruídos sob o risco de contribuir para uma interdição inadequada. Qualquer profissional razoavelmente organizado não cai nessa. Se cai nessa, aguenta. Aí, nós já estamos pensando que a natureza da personalidade desse colega não é das mais nobres", completou o médico da ABP.

Procurado, o Conselho Regional de Medicina de SP disse que uma sindicância foi aberta, está "em andamento e tramita em sigilo". Disse ainda que uma apuração leva, em média, de seis meses a dois anos para ser concluída.

O promotor de Justiça Arthur Pinto Filho, que atua na área da saúde pública, disse que não há justificativa para esse tipo de internação. "É uma irregularidade total", disse, também sem saber o nome do profissional. "Você nem vê o paciente, se louva no dizer da família, provavelmente, e depois numa ação de interdição. Você tem um interesse cruzado aí, não dá."

OUTRO LADO

O médico Ronaldo Laranjeira deu duas respostas à Folha sobre a ordem de internação de um antigo paciente, involuntária e feita a distância.

Primeiro, por telefone, disse que não se lembrava dos detalhes desse caso, mas concordava ser irregular uma internação involuntária sem avaliação presencial.

"Não lembro de ter feito isso. Esse caso é complicado. Ele foi meu paciente por um bom tempo. Acho que ele deve ter ficado bravo porque eu era médico dele e, depois, virei assistente técnico da família dele no processo de interdição. Então teve essa transição de ter sido médico e, efetivamente, fiz a internação involuntária [...] Era um momento em que o próprio diagnóstico era favorável a ele."

Na mesma entrevista, na última sexta-feira (9), admitiu que uma internação dessa forma é irregular. "Pela lei, tendo a concordar. Na internação involuntária, o médico tem que conhecer o paciente e tem que fazer uma avaliação. Aí, depois, decidir pela internação involuntária. Esse é o procedimento, a norma psiquiátrica que a lei permite. Isso eu concordo."

A Folha enviou a ele cópias dos documentos nos quais determinou a internação e o e-mail em que admite o intervalo entre a última consulta e o laudo de internação.

Após confirmar a autenticidade da documentação, por meio de um assessor, Laranjeira enviou nota na qual afirma ter seguido a legislação e que considera esse caso "uma excepcionalidade".

"Em 2011, quando o paciente saiu da cadeia, o psiquiatra foi procurado pela família, que relatou um quadro preocupante e de profunda gravidade", diz a nota.

"Com base no extenso histórico clínico do paciente, que o médico já conhecia muito bem, ele decidiu recomendar a internação involuntária e informou o caso ao Ministério Público, com base no que diz a lei 10.216/01."

Ainda segundo a nota, o coordenador do programa anticrack do Estado de SP não teve mais contato com o empresário, nem mesmo foi visitá-lo na clínica, porque o "paciente não quis mais ser atendido por Laranjeira".

Sobre a nova ordem para internação em 2014, disse que "atendendo a pedidos e relatos da família sobre a situação do paciente", o psiquiatra deu um atestado autorizando uma nova internação (que não se concretizou) absolutamente dentro do que prevê a legislação".

O psiquiatra diz que "está à inteira disposição para prestar quaisquer esclarecimentos que forem necessários sobre o caso". Não respondeu, porém, quanto recebeu para ser assistente técnico da família.


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