Folha de S. Paulo


ROSIMERE AMORIM DA COSTA, 36

Ex-desnutrida que chocou o país há 25 anos ainda vive na miséria

Reprodução/TV Jangadeiro/Jarbas Oliveira/Folhapress
Meirinha se curou da desnutrição, mas hoje ainda vive na miséria no Ceará.
Meirinha se curou da desnutrição, mas hoje ainda vive na miséria no Ceará.

RESUMO A figura esquálida de Rosimere Amorim da Costa, a Meirinha, então com 10 anos, chocou o Brasil em 1991 em reportagem da TV Jangadeiro, àquela época afiliada da Band, em Fortaleza. Levada pela emissora ao Iprede, uma ONG, Meirinha se curou da desnutrição, mas hoje ainda vive na miséria no Ceará. Mãe de cinco filhos, divide uma casa de um cômodo com o marido e três das crianças, de 4, 7 e 8 anos.

*

Eu penso em duas coisas quando vejo a imagem de quando estava doente. Primeiro é que isso pode ajudar outras crianças a serem tratadas e terem ajuda, como tive na época. As pessoas veem o que aconteceu comigo e podem ir atrás de ajuda.

A segunda é que a imagem é usada, eu apareço, mas hoje não recebo ajuda. Não tenho raiva. Só que muitas pessoas veem o vídeo, vêm aqui, dizem que vão ajudar e depois vão embora. Precisamos de muita coisa aqui, de comida, mas o que queria mesmo era um cantinho meu.

Vivo eu, meu marido José Roberto, o Zezinho, e três dos meus cinco filhos em um cômodo [os mais velhos, Anderson, 15, e Janderson, 12, vivem com os pais de Meirinha].

Eu e os dois menores [Rebeca, 7, e Roberto, 4] dormimos em um colchão, no chão. O meu marido e a menina mais velha [Roberta, 8] dormem em redes. Zezinho é pescador, vai para o mar, fica 15 dias fora, mas tem que ir de favor, ou pagando, porque não tem barco. Quando volta, tem que vender os peixes. Por mês não ganha nem perto de um salário mínimo.

Esse cômodo ficou com a gente, dado por uma moça que foi embora [Meirinha e a família vivem no Cristo Redentor, bairro anteriormente integrado ao Pirambu, a maior favela de Fortaleza].

Antes pagávamos aluguel de R$ 250, em um lugar um pouco maior, mas era pagar o aluguel e deixar de dar comida aos filhos [no fogão, no dia da visita da Folha, Meirinha preparava macarrão e arroz. O cômodo ainda tinha uma geladeira, um armário pequeno, uma TV antiga, duas redes, isopores para guardar o material de pesca e dezenas de garrafas, que são enchidas quando falta água].

Não tem água e luz, é tudo "puxado". As pessoas do bairro ajudam dando comida.

Depois que voltei do Iprede [Instituto da Primeira Infância, para onde foi levada quando estava com desnutrição, aos 11 anos], trabalhei um período em fábrica de castanha, descascava as castanhas. Mas a fábrica fechou. Desde então fico em casa.

INFÂNCIA

Muitas pessoas que se assustam com a imagem acham que eu passava fome, que meus pais não me davam comida. Não era isso. Eu estava doente, eu comia e meu corpo não guardava a comida.

Só descobriram quando estava no Iprede e passei pelo tratamento [nem ela nem a atual administração do Iprede sabem dizer qual o diagnóstico na infância, quando foi achada desnutrida].
Eu lembro de comer na minha casa sempre nos horários certos, tinha caldo de galinha, macarrão.

Mas denunciaram, achando que eu não comia em casa, e tive medo de meu pai ir preso. Meus pais me levaram ao posto de saúde algumas vezes, e diziam que não podiam fazer nada. Não identificavam o problema.

No Iprede lembro de pouca coisa. Era uma sala pequena; hoje cresceu, me disseram. Nunca mais voltei lá, nem encontrei as pessoas que cuidaram de mim. Na época eu queria receber alta logo, voltar a viver com meu pai e minha mãe.

SEM AJUDA

Estudei só até a primeira série. Não sei ler nem escrever. Minha filha mais velha quem me ensinou a escrever meu nome apenas, Rosimere Amorim da Costa. Mas eu gosto mesmo é de ser chamada de Meirinha.

Queria poder ter uma barraquinha na avenida, vender verduras, até peixe. Tenho medo de dormir sozinha com meus filhos aqui em casa.

Já fomos assaltados, uma vez levaram todos os peixes guardados aqui e que dariam para nos alimentar no mês, vendendo ou não. Outra vez, pegou fogo aqui atrás, mas ninguém se machucou.

Tenho medo também de meu marido no mar. Poucos dias atrás uma jangada virou, com o forte vento, e alguns pescadores morreram. Mas não tem jeito, tem que ir.

Mas não tenho medo de andar pela comunidade. Vou a pé para a casa dos meus pais, que leva 20 minutos andando. Eles reciclam lixo. Queria ganhar algum dinheiro para ajudá-los também a levantar a casa. Lá é chão batido.

Não recebo ajuda do governo, Bolsa Família, nada. Meus filhos estão na escola, estudam à tarde, todos, mas nunca fomos atrás de nada nem vieram atrás de mim.

Não temos essa ajuda. Como falei, muitos prometem, mas não cumprem. Não é fácil, mas vamos vivendo.


Endereço da página:

Links no texto: