Folha de S. Paulo


Condenada a quase 20 anos, Elize viveu 'conto de fadas com final infeliz'

Jales Valquer - 03.dez.16/Fotoarena/Folhapress
Elize Matsunaga (à esq.) sentada ao lado dos seus advogados durante julgamento no Fórum da Barra Funda, em São Paulo
Elize (à esq.) sentada ao lado dos seus advogados durante julgamento no Fórum da Barra Funda

Condenada a 19 anos e 11 meses de prisão pela morte e esquartejamento do marido, o empresário Marcos Matsunaga, em maio de 2012, Elize Matsunaga teve sua vida esmiuçada por testemunhas ao longo dos sete dias em que durou seu julgamento, encerrado na madrugada desta segunda-feira (5).

Descrita por testemunhas como a "personagem de um conto de fadas com final infeliz", Elize cresceu sem a presença dos pais.

Nascida em 29 de novembro de 1981 em uma pequena cidade do interior do Paraná, Chopinzinho (atualmente com cerca de 20 mil habitantes), ainda criança ela foi abandonada pelo pai.

Depois de sair de casa, ele só voltou uma única vez. "Não veio exatamente para visitá-la. Ele pegou a televisão, uma TV pequena que tinha lá, e levou embora... para casa da outra", disse Roseli de Araújo, tia de Elize, e que, ao longo dos anos se tornou sua "mãe de coração".

Aos três anos, Elize, sua irmã recém-nascida, e a mãe passaram a viver na casa dos avós e de Rose, uma casa de madeira sem banheiro e geladeira. Segundo a tia, ali passou toda a infância sem festas de aniversário ou presentes de Natal. "De vez em quando, ganhava alguma coisa. Geralmente os outros davam para gente", disse a tia aos jurados.

A mãe também deixou a filha e mudou-se para Curitiba. Quando Elize tinha dez anos, ela voltou para Chopinzinho com um namorado que se instalou na casa em que viviam.

Quando tinha cerca de 15 anos, Elize fugiu de casa. Foi localizada após mais de um mês em Gravataí (RS), a cerca de 700 quilômetros de Chopinzinho, apreendida pelo conselho tutelar e devolvida à família. Só depois os familiares ficaram sabendo que ela havia sofrido abuso sexual do padrasto.

À época, sua mãe tomou partido: ficou do lado do namorado.

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VIDA ADULTA

Elize decidiu aos 18 anos estudar enfermagem em Curitiba. Os estudos foram financiados com muito custo pela avó e sua tia –esta também era técnica em enfermagem. Foram cerca de dois anos estudando.

A família nunca soube como e quando a estudante decidiu se prostituir em Curitiba. Ela disse aos jurados que isso ocorreu quando estava no refeitório de um hospital e soube que uma amiga dela pagava a faculdade se prostituindo.

Como queria cursar a faculdade de direito, resolveu seguir o exemplo da amiga. "Eles [da minha família] me ensinaram o correto. Se eu segui no caminho torto não é culpa deles", disse Elize.

Já na nova profissão, diz ela, conheceu um deputado estadual do Paraná, casado, relação que se tornou um pequeno escândalo local.

Em 2004, mudou-se para São Paulo, onde publicou suas fotos em um site de garotas de programa. Demonstrava timidez e falta de traquejo na sessão de fotos, segundo os responsáveis pelo negócio.

Foi nessa época, como "acompanhante de executivos", que conheceu o futuro marido, Marcos Matsunaga.

Marcos era de família milionária, donos da indústria de alimentos Yoki, patrimônio estimado em cerca de R$ 1,7 bilhão.

Ele se apaixonou. Romântico, amante de vinhos e restaurantes refinados, passou a tratar Elize como namorada e enchê-la de presentes, entre sapatos e bolsas. "Ela encontrou o príncipe encantado", disse o delegado Mauro Gomes Dias, aos jurados.

Em 2006, iniciou a faculdade de direito, em uma universidade particular, bancada pelo namorado –que também deu a ela carro importado e pagava suas despesas. Segundo amigos de Elize, ele demonstrava muito ciúmes. Pedia, por exemplo, para colegas da moça falarem com ele ao telefone para confirmar sua localização.

Entre esses amigos estava José Américo Machado que, disse aos jurados, ter sido ajudado por Elize. Bolsista da faculdade, o estudante teve as contas de luz e água pagas pela colega de classe, que chegou a dar a ele cestas básicas. "Sou muito grato a ela", disse o agora advogado, que ficou cinco dias aguardando para ser ouvido. "Ficaria até dez dias se fosse preciso", disse aos jurados.

Em 2007, Elize e Marcos passaram a viver juntos num flat. Marcos era casado quando ambos se conheceram.

CASAL

O casamento de Elize e Marcos, em comunhão parcial de bens, ocorreu em junho de 2009. A mãe dela não compareceu, apenas a tia.

Uma das madrinhas do casamento, a empresária Cecília Yone Nishioka diz que Marcos, certa vez, decidiu viajar para Cancún para mostrar o México para a mulher. "Como eram mais baratas, ela comprou um monte de bolsas Louis Vuitton", disse. "Eram modelos exclusivos."

"Ele gastava o dinheiro mais com ela do que com ele mesmo", disse o irmão de Marcos, o empresário Mauro.

O casal passou a morar numa cobertura duplex de 340 m2 na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, estimado por site especializado em cerca de R$ 5 milhões.

Tinham alguns hobbies. Um deles era a criação de uma jiboia de estimação chamada pelo casal de Gigi. Também colecionavam vinhos, alguns estimados em até R$ 20 mil uma única garrafa, formando uma adega estimada em mais de R$ 2 milhões. Tinham planos de fazer leilões de garrafas compradas mundo afora.

Outra mania era a coleção de armas, desde pistolas a fuzis. Elize tinha quatro armas registradas em seu nome, entre elas uma pistola Imbel calibre.380. A ex-enfermeira, segundo as testemunhas, era ótima atiradora. Tanto que podia escolher a letra do nome em uma lata de refrigerante que queria acertar a mais de 10 m de distância.

Com esse armamento, o casal participava de caçadas em fazendas próprias para essa prática no Paraná e no Mato Grosso. "Já comi animais caçados por ele, e, também, caçados por ela", disse a madrinha Cecília.

Elize e Marcos queriam ter um filho. Marcos perdeu produção de esperma após uma infecção urinária e, assim, tinha dificuldades de engravidar a mulher.

Após três tentativas assistidas por médicos especializadas, desistiram, mas, em meados de 2010, Elize descobriu que estava grávida. A notícia reuniu o casal que passava por crises de suspeitas de infidelidade do marido com uma funcionária da empresa Yoki.

A filha nasceu em abril de 2011 e a felicidade entre eles durou cerca de seis meses.

Após esse período, Marcos demonstrou sinais de falta de paciência com a mulher, segundo ela. O casal passou a participar de terapias para tentar melhorar a relação.

Nessa época, um reverendo amigo do casal aconselhou Marcos a trancar o cofre das armas. Se possível, quebrar a chave dentro da fechadura para evitar que Elize o matasse dormindo.

Nos últimos dois meses de relação, as brigas passaram a ser frequentes, e eles começaram a dormir em quartos separados.

DESCONFIANÇA

O detetive particular William Coelho de Oliveira foi contratado por Elize para seguir o marido. "Flagramos ele com uma morena já no primeiro dia", disse Oliveira aos jurados. "Tratava como namorada."

Descobriu-se mais tarde, que a tal morena se chamava Nathalia Vila Real Lima, que o empresário conheceu no mesmo site em que encontrou Elize.

Lara, como se apresentava no site, ganhou do empresário uma caminhonete Pajero TR4 blindada e uma mesada de R$ 27 mil para ser exclusiva dele. O empresário também manifestava interesse em morar com Nathalia quando a venda da empresa da família Matsunaga fosse concretizada. Iria para Miami (EUA) e montaria uma casa de vinhos.

Segundo amigos do casal, Marcos passou a se referir a mulher como "louca". Esse foi o termo utilizado por ele a um amigo, segundo depoimento do irmão, quando foi buscá-la no aeroporto no dia 19 de maio.

A babá que acompanhava Elize na viagem, Mauriceia José Gonçalves dos Santos, disse que Marcos demonstrava estar nervoso e chegou a dar um murro no volante do carro e soltar um palavrão. As últimas imagens do empresário mostram ele descendo pelo elevador social do seu apartamento, quando deu um chute na parede do elevador, e, depois voltando com uma pizza.

Após matar o marido e atirar os pedaços numa mata de Caucaia do Alto, na Grande SP, Elize voltou para o apartamento como se nada tivesse ocorrido.

Na segunda-feira, após pegar o vídeo com a prova da traição, ela foi se reunir com a família do marido para dizer que havia descoberto sobre a vida secreta de Marcos e, por isso, acreditava que ele poderia ter saído de casa para viver com ela.

Durante as buscas, para dificultar as investigações, chegou a mandar um email pela conta empresarial de Marcos para a secretária dele e para o irmão. Em suma, ele dizia que estava bem e não era para se preocuparem. Ele pedia que isso fosse dito à mãe dele e à própria Elize. "Ela foi muito dissimulada", disse Cecília, a madrinha, aos jurados.

Elize foi presa em 5 de junho de 2012 e confessou o crime. Aos jurados, contou sua história. "Se eu estiver mentindo, que Deus me castigue da pior forma possível."


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