Folha de S. Paulo


Grupos no WhatsApp viram salas de bate-papo entre desconhecidos

Se você não aguenta mais os grupos de WhatsApp, há quem aguente, e muito. Milhares de brasileiros passam os dias conversando com desconhecidos em grupos temáticos criados no aplicativo, numa espécie de bate-papo virtual dos novos tempos.

Essas comunidades têm às vezes 50, às vezes 250 pessoas. Os membros, com DDDs dos mais variados, trocam mensagens para "fazer amizades" -eufemismo, muitas vezes, para paquera. Outros usuários participam de grupos sobre música, futebol, religião. Existe até uma rádio que transmite pela plataforma.

Os grupos são divulgados no Facebook, em espaços chamados justamente de "Grupos WhatsApp" (20 mil membros), por exemplo, ou "Grupos de Putaria no WhatsApp" (60 mil), modalidade bastante disseminada. Ali, as pessoas registram seus números para serem integrados aos encontros virtuais. Ao entrar neles, usuários se apresentam com selfies, nome, idade e cidade.

De olho na demanda, o aviador carioca Patrick de Oliveira, 27, criou o "MeuZapGrupos", aplicativo para Android com um cardápio de 450 grupos que se cadastraram para receber novos membros. Hoje, 90% dos brasileiros que têm smartphone possuem sistema Android, de acordo com levantamento da consultoria Kantar Worldpanel.

As atualizações do WhatsApp, empresa do Facebook, também acompanham a procura. Há dois meses, a plataforma facilitou convites para grupos: agora, as comunidades têm links que podem ser compartilhados –basta clicar neles para entrar em grupos. Em fevereiro, o aplicativo elevou o limite do número de participantes de 100 para 256.

O vigilante Nelson da Silva, 43, participa de 16 grupos -metade sobre seu time de futebol, o São Paulo (ele administra quatro), e outras comunidades para bolões de futebol e religião, como o "Amigos do Espiritismo", com 103 membros do Brasil inteiro.

"Um amigo me convidou para um grupo. Daí para frente foi uma bola de neve. As pessoas vão criando grupos e te adicionam mesmo sem perguntar se você quer", diz.

LACUNA

Consumir poucos dados do celular e permitir ligações e trocas de mensagem gratuitas propiciaram a penetração do WhatsApp no Brasil. "É um aplicativo que cresceu em países pobres. Ninguém nos EUA usa, por exemplo", observa Ronaldo Lemos, representante do MIT Media Lab no Brasil e colunista da Folha. A maioria dos entrevistados pela reportagem só atendia ligações feitas pelo próprio aplicativo.

A psicóloga Andrea Jotta, do Núcleo de Pesquisas da Psicologia e Informática da PUC-SP, diz que o fenômeno dos grupos de WhatsApp se dá porque parte da população sofre com a "falta de oportunidade do face a face". As pessoas têm menos tempo e dinheiro para encontrar os amigos, passam mais tempo no trabalho e no trânsito, e por isso recorrem ao aplicativo para suprir a lacuna das relações presenciais.

Uma selfie de Rayane Santos, 19, do interior do Maranhão, pipoca no grupo "Amigos do ZapZap" (254 membros) –ela diz estar ali para passar o tempo e conhecer gente. Ademir Alves, 36, caminhoneiro de Rondônia, participa do grupo "Relações" (242 membros), onde ele procura vídeos e fotos pornográficos, segundo diz.

Uma dinâmica comum é "chamar no pv", o privado, ou seja, enviar mensagens diretamente a um usuário. Um "oi" em um grupo, apenas, pode provocar diversas mensagens pessoais. Um usuário insistiu que a repórter lhe enviasse fotos, embora ele tivesse sido informado de que conversava com uma jovem de 16 anos –faixa etária bastante presente nos grupos.

No grupo "Zueira", lotação máxima (256 membros), surge até um contabilista de Angola, Edgar Santos, 35, escrevendo de lá. "Recebi um convite de um amigo e, a partir daí, comecei a receber vários outros", afirma.

Efêmeros, os grupos são feitos e desfeitos com rapidez. As conversas não seguem uma linha coerente.

A história dos espaços de bate-papo nas redes começa com o sistema BBS e seus clubes virtuais nos anos 1980 e passa pelos fóruns e salas de bate-papo nos anos 1990, explica Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo. Nos anos 2000, redes sociais como o Orkut começaram a surgir. "A popularização de smartphones destaca os aplicativos, e o WhatsApp retoma a internet dos grupos", observa ele.

Os grupos promovem também o retorno do protagonismo dos administradores das comunidades virtuais, fenômeno facilitado pela internet, segundo Jotta, da PUC-SP. "Sem o Orkut, as pessoas perderam esses espaços e se espalharam pela web", afirma, lembrando as populares comunidades daquela rede social.

Nos grupos de WhatsApp, regras de uso se difundiram: "proibido correntes, proibido pedir para ser administrador, proibido pornografia, proibido desrespeitar os outros, obrigatório se apresenta (sic) - idade, foto, onde mora e nome, proibido divulgar outros grupos...".

Mas a última norma, assim como a da pornografia, é desrespeitada constantemente: usuários divulgam os links de seus próprios grupos, com o objetivo de "bombá-los", multiplicando seus integrantes.

O rapper Felipe Nunes, 22, de Diadema (Grande São Paulo), é dono do Football Club, grupo que existe há três anos e reúne 40 membros que não se conheciam e hoje conversam diariamente sobre futebol. Nesta semana, criou o "Amizades SP" (76 membros) porque "estava interessado em conhecer pessoas novas de São Paulo, principalmente mulheres".

"Pelo WhatsApp, digo o que não consigo pessoalmente", afirma. "Tem gente que entra e não fala nada, como se estivesse silencioso numa roda de amigos. Eu tento desenvolver o assunto."

Grupos que têm porta-voz tendem a ter "mais musculatura", observa Malini. "Os que não têm tendem a ser rarefeitos na produção de mensagens", afirma.

RÁDIO

Às 9h da manhã, um grupo no WhatsApp tem seu nome modificado: de Rádio Zap OFF vira Rádio Zap ON. É o sinal para indicar que a programação matinal começou.

O primeiro áudio é enviado e, após uma contagem regressiva com uma vinheta ao fundo, o locutor anuncia: "Bom dia! Rádio Zap no ar. Peça a sua música e nós mandamos ela para você".

"Qualquer uma de Simone e Simaria", escreve o comerciante Heleno da Silva, 41, de Aparecida de Goiânia (GO).

O locutor atende seu pedido e envia uma gravação de "126 Cabides", das irmãs sertanejas.

"Eu tenho rádio em casa, mas normalmente as mais tocadas são sempre as mesmas. No WhatsApp tem também essa interação mais imediata", afirma Silva.

O idealizador dessa rádio em um aplicativo de troca de mensagens é o repórter Marcos Pereira, 25, de José Bonifácio, no interior de São Paulo (481 km da capital). "As pessoas começaram a reclamar que chegavam em casa ou no serviço, queriam ouvir rádio e não tinham como", diz.

Seu modo de produção é dos mais simples: ele coloca a vinheta do programa ou as músicas no YouTube, aperta o botão do microfone no celular e fica assim, segurando até o fim da música. Às vezes, fala por cima da gravação: "essa é para você, Maria".

Na quinta (24), Pereira enviou músicas de Paula Fernandes, Tiago Iorc e Zé Neto e Cristiano, entre outros.

O programa dura uma hora e "vai ao ar" três vezes ao dia, às 9h, às 15h e às 20h. Aos sábados, às 14h e, aos domingos, às 15h. "Às vezes faço programas temáticos: só gospel ou só sertanejo ou anos 1990, e assim vai." Ele diz que o gênero mais pedido é o sertanejo universitário.

O grupo tem hoje 58 membros, com DDDs do Pará, Ceará, Paraíba, Goiás, Minas, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.

GRUPOS EXCLUSIVOS

No Rio, grupos exclusivos de WhatsApp reúnem a elite carioca no aplicativo, e tudo começa com a criação das estações do ano.

Um sequestro está por trás desse mito. Apaixonado por Perséfone, deusa da agricultura, Hades a leva para seu submundo. Mas Zeus ordena que ele devolva sua filha. Estabelece-se um acordo: ela fica metade do ano com os pais –e assim sua alegria e fertilização dão origem ao verão e à primavera– e o restante do tempo com Hades, gerando o outono e o inverno.

Avancemos rapidamente para 2014, verão, Rio de Janeiro, onde se dará um novo mito de criação das estações, agora virtual.

Amigos de classe média alta se preparam para o Carnaval e criam um grupo no aplicativo onde reunirão mulheres "desejáveis". No Carnaval, adicionam as meninas com quem se envolvem, mesmo sem conhecê-las direito. Ali, trocam mensagens sobre festas exclusivas e concedem entradas VIPs para as participantes. Nasce uma comunidade só com membros da Barra e da zona sul do Rio: é o grupo de WhatsApp "Verão".

Mas esses semideuses cariocas também serão vítimas de um sequestro.

Revoltada com a exclusividade e o machismo do grupo, uma empresária rapta a ideia e a subverte. Em março de 2015, ela cria o "Inverno", grupo no WhatsApp também com semiconhecidos do mesmo perfil (zona sul, Barra, classe média alta), mas sem o foco na mulherada.

Nos dois grupos, a paquera já deu origem a namoros. Luiza Lessa, 29, a empresária criadora do Inverno, diz que fez seu melhor amigo no grupo.

Seletas, as comunidades são conhecidas entre os "playboys" cariocas na faixa dos 30 anos. Hoje, Verão tem 92 participantes (cerca de duas mulheres para cada homem), e Inverno, 53. Para entrar, só com o convite de alguém.

Os membros ficaram amigos, organizam festas, se encontram em bares no Leblon e na Gávea. Na sexta (25), participantes do Verão conversavam sobre a noitada anterior no Baretto-Londra, bar do hotel Fasano do Rio.

O empresário André Rocha, administrador e um dos fundadores do Verão, diz que havia "uma época em que só podia entrar solteiros". "Hoje em dia é mais pela afinidade, pessoas bonitas e interessantes... Mas a maioria solteira, tipo 90%, é fundamental", afirma.

E admite: "uma coisa é verdade, a gente não deixa entrar homens completamente desconhecidos, precisa ser amigo de alguém. As mulheres entram. Se alguém descobre uma mulher interessante, bonitinha, joga lá e pronto, ninguém reclama".

OUTONO E PRIMAVERA

Homens gays do Inverno decidiram criar o seu "Outono", com alguns membros do grupo anterior. Mas uma briga encerrou precocemente essa estação e seu vento gelado se desdobrou na Primavera, hoje com 30 membros gays, entre homens e mulheres.

Ali, a cada 15 dias, dois novos membros indicados são "testados" para ver se "dão certo" com o resto do grupo, diz o publicitário Sérgio Poiares, 30, administrador do grupo, onde dois casais já se conheceram.

Enquanto isso, um barraco no Inverno fez brotar o Inverninho, a mais seleta de todos as comunidades sazonais –"um grupo pequeno", com 26 membros fixos que se encontram a cada duas semanas, segundo a jornalista Marianna Bandeira, 28, a criadora. "Ninguém entra e ninguém sai" do grupo, diz ela, que conheceu um ex-namorado no Inverno. "Mas acabo brigando em todos os grupos. É uma novela diária no celular."

Excluída das confraternizações do pessoal do Inverno, que tem seu namorado entre os participantes, a empresária Carol Dell'Amore, 27, criou um grupo "sem frescura, sem regras". Em janeiro ela fundou o "No Season" (Sem estação), hoje com 55 membros.

Reprodução/WhatsApp
Grupos de bate-papo de WhatsApp
Grupos de bate-papo de WhatsApp

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